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Combate à corrupção e caixa 2 passa por mudança de cultura, dizem especialistas

Por Cláudia Cardozo

Combate à corrupção e caixa 2 passa por mudança de cultura, dizem especialistas
Foto: Paulo Victor Nadal / Bahia Notícias

Propostas de combate a corrupção são uma constante em discursos de candidatos políticos e uma defesa da própria sociedade nos últimos tempos. E, por vezes, a população tende a confundir corrupção e “caixa 2” em tempos de eleição. Apesar de serem considerados umbilicalmente ligados, os dois crimes, de acordo com especialistas, são diferentes. De acordo com o advogado criminalista Daniel Fonseca, não existe uma tipificação especifica para o crime de caixa 2 – crime caracterizado por usar verbas durante uma campanha eleitoral e não declará-las perante a Justiça Eleitoral. Entretanto, ele reforça que isso não quer dizer que haja impunidade com a prática de tal conduta.

 

“A corrupção sim está tipificada no Código Penal como passiva e ativa, inclusive, com a peculiaridade de que pode haver corrupção passiva sem haver a ativa, com jurisprudência nos tribunais superiores”, destaca Daniel. Ele explica como é caracterizado o Caixa 2: “O crime de utilizar recursos por fora, utilizar recursos que não se prestou contas na eleição. Quem pratica esse tipo de conduta pode ter praticado diversos crimes. Dentre eles, o mais comum é o chamado de falsidade ideológica eleitoral. Isso seria falsificar uma declaração do que você presta contas. Fazer não constar ali um dinheiro que se recebeu e usou para fazer a campanha”. Ele reforça que este é um crime exclusivo da Justiça Eleitoral.

 

“Um pesquisador português, Luís de Sousa, diz que uma democracia, no sistema republicano, está suscetível a certas formas de desvio, de deturpação, e dentre elas o caixa 2. Pois em um regime ditatorial, não faz sentido fazer caixa 2 de campanha, já que não se tem alternância de poder”, salienta Daniel Fonseca. Conforme ele diz, “há determinados desvios que são próprios do sistema democrático e que devem ser corrigidos ao longo do desenvolvimento da democracia”. Para ele, em um contexto mais amplo, “no discurso de combate a corrupção, há uma consequência perigosa no âmbito penal, que é justamente fazer colar um tipo penal no outro. Um tipo penal eleitoral e um tipo penal comum, que é o da corrupção”. Daniel assevera que, ao se criminalizar a corrupção através do caixa 2 “seria uma espécie de ilegítima pena para uma suspeita não comprovada”. “É como se criminalizasse a corrupção por antecipação. Não conseguiu comprovar que o sujeito recebeu uma vantagem indevida, combate como ato ilícito, e se criminaliza o ato anterior, que seria o recebimento de uma determinada quantia no âmbito eleitoral”, frisa.

 

Em um exemplo prático, o advogado afirma que se uma pessoa sai candidata a algum cargo hoje, não é eleita, e nunca antes exerceu um cargo público, ela não pode ser condenada por corrupção passiva. “São crimes autônomos, distintos, mas que num discurso mais amplo, se misturam”, complementa.

 

Daniel pontua ainda o motivo que levou ao surgimento das duas tipificações criminais: “Um tenta preservar o processo eleitoral, para que não haja desequilíbrio eleitoral, pelo poderio financeiro, de forma que um determinado grupo abrace esse candidato e ele tenha mais poder que os outros. Que sempre ocorreu no país. Já o crime de corrupção visa proteger o patrimônio publico”. O especialista ainda pondera que receber dinheiro para financiar uma campanha política não quer dizer, necessariamente, receber dinheiro de origem pública.

 

PENAS MAIS DURAS
Dentre as tentativas de combate à corrupção e à prática de caixa 2 está a proposta de aumento de pena para a conduta. “O crime de caixa 2 tem uma pena relativamente baixa, o que permite a suspensão do processo. O que se tem pleiteado no Legislativo é o endurecimento de pena, como previsto nas Dez Medidas Contra Corrupção [proposto pelo Ministério Público Federal (MPF)], que aumenta a pena mínima de um para dois anos, para retirar a possibilidade da suspensão condicional do processo. Eu não creio que uma mera mudança como essa possa ter efeito mínimo imediato. Não deixar de debater na esfera publica é o passo mais fundamental para se corrigir a democracia”, analisa Daniel Fonseca.

 

CONTEXTO
O advogado criminalista Luiz Gabriel Neves afirma que, nos tempos atuais, os “operadores de Direito passam uma sensação de que o Direito tem a respostas para todos os problemas, que a Justiça é capaz de resolver todas as coisas”. Mas não tem. “O caminho de construção da democracia é o debate político, investimento em educação, cultura... a gente precisa modificar o contexto cultural”. Ele conta que políticos do interior, por exemplo, dos honestos, reclamam da dificuldade de obter voto devido ao vício do sistema das pessoas em obterem vantagens. “O político que não se sujeita a isso passa muito dificuldade”. Para obter votos, muitas vezes, os eleitores pedem ajuda com materiais de construção ou com auxílios para saúde, não dando importância para o projeto que o candidato tem para seu mandato.

 

Luiz Gabriel também diz que as bandeiras de combate à corrupção “vêm para manter a seletividade do processo ideológico do que, efetivamente, dar uma solução para corrupção” e, com isso, as pautas políticas têm sido baseadas mais no apelo da sociedade do que na ciência e no estudo criminal, por exemplo.

 

Medidas como mudanças nas leis eleitorais, segundo o advogado Hermes Hilarião, especialista em Direito Eleitoral, são sempre bem-vindas. Mas ele salienta que para enfrentar realmente a questão do caixa 2 nas eleições é preciso se atentar para as verdadeiras mudanças que precisam ser feitas e que passam invisíveis pela Justiça Eleitoral. “O que é caro em uma campanha politica não é colocar uma placa na rua, não é ter bandeira, ou deixar de ter bandeira, o tamanho do adesivo que vai estar no carro, impulsionar um link em uma rede social. O que é caro em uma campanha eleitoral e que a Justiça não consegue combater é o que é invisível, que é justamente a compra de apoio político em toda e qualquer campanha eleitoral”, sinaliza.

 

Para se ter uma ideia, ele diz que em uma campanha para deputado estadual, por exemplo, é preciso ter lideranças políticas em todo estado. “Essas lideranças são o pilar de uma campanha eleitoral, mas muitas vezes só querem dar o apoio não com base em ideologia, no que acreditam, mas por uma determinada recompensa financeira. O que é invisível que está no caixa 2 é o que a Justiça Eleitoral não consegue combater”, afirma. Hermes complementa que, se o candidato fizer constar nas suas contas, com uma boa ajuda contábil, indicando quanto foi gasto com transporte, com publicidade, e cumprir todas as regras, as contas serão aprovadas pela Justiça Eleitoral. Ele lembra, inclusive, que muitos políticos condenados na Operação Lava Jato tiveram suas contas de campanhas aprovadas pela Justiça Eleitoral.

 

“O que a gente precisa combater, na verdade, é a forma de se fazer política em nosso país. Enquanto nós fingirmos que estamos combatendo a corrupção, que estamos melhorando a legislação eleitoral, nós não vamos mudar a realidade da nossa politica  municipal, estadual e nacional”. “Há hoje uma criminalização dos políticos que, na minha visão, é equivocada. Muitas vezes os políticos se comportam dessa forma porque representam o que a sociedade, o que os cidadãos querem.