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Advogada denuncia racismo em grupo de Whatsapp de associação de criminalistas

Por Francisco Machado

Advogada denuncia racismo em grupo de Whatsapp de associação de criminalistas
Foto: Reprodução/ Autos do Processo

Quando ingressou na Associação de Advogados Criminalistas da Bahia (AACB), Fábia Santos achou que encontraria na instituição uma guarida e suporte para se desenvolver profissionalmente na aérea em que escolheu militar: advocacia criminal. Ela foi convidada por um membro a participar da AACB e acreditava que, naquele local, poderia compartilhar conhecimentos e momentos de descontração. Mas o que não esperava era sofrer racismo e preconceito estético dentro de um grupo que conhece a lei e vive da aplicação do Direito. Fábia conta que foi aceita como membro e pagou a taxa cobrada para ingressar na associação. Também começou a participar dos grupos de Whatsapp da associação: o "institucional oficial" e o "de resenhas". Havia uma regra clara sobre o que poderia ser postado em cada um: no institucional, somente assuntos relacionados à advocacia, no de resenhas, de entretenimento e confraternizações em geral. E foi nesta ferramenta de comunicação que as ofensas à pessoa dela começaram a ser proferidas.

 

“Eu postei uma foto com mais duas amigas no grupo ‘resenhas’. Eu estava no Imbuí e perguntei: ‘cadê vocês?’ e me responderam: ‘Fugiu todo mundo. Avisa quando for postar essas coisas’”. Após a publicação, a vida de Fábia virou um inferno. No grupo, ela recebeu a seguinte mensagem de um dos membros, réu na ação penal que tramita no Juizado Especial Criminal: “quando a pessoa foge do padrão estético, pelo menos deveria procurar ter outras qualidades para preencher essa lacuna. Agora, a pessoa além de ser feia, chata, antipática, problemática e intrigueira, não deve mesmo viver em sociedade”. Ela ainda recebeu mensagens de outra advogada da instituição, Jaqueline Orge, que escreveu: “Me erra ou te atropelo, sua vaca”, e “satanás tá solto”. O fato repercutiu em vários grupos de Whatsapp de advogados no estado. Com isso, a vítima perdeu clientes, parceiros e teve a saúde prejudicada, precisando fazer acompanhamento psicológico até os dias atuais. Fábia diz que nunca viu um dos agressores pessoalmente e não entende o motivo de tanto ódio. Ela chegou a pedir ao presidente da AACB para intervir para que não fosse mais perseguida pelos membros do grupo, e também procurou a comissão de ética da entidade. Os diretores da associação nada fizeram para cessar a perseguição, pois não teriam controle sobre o que o membro da instituição fala.

 

Segundo o relato da advogada, quando ela fez o termo circunstanciado de ocorrência na delegacia, os membros da associação foram depor e fizeram selfies no local, como se nada de grave tivesse ocorrido. Eles ainda teriam dito na Delegacia que ela provocou uma injustiça contra os membros da AACB por ser “feia, frustrada, se escondendo atrás da negrura”. Fábia relata que os padrões estéticos e econômicos idealizados pela associação eram sempre verbalizados: "linda, loira e rica". Ela relatou ainda outra humilhação: que havia pegado um livro emprestado com uma colega de faculdade, também do grupo, para estudar e havia demorado para devolver. Quando devolveu, fizeram uma publicação no grupo. “Quando alguém pede algo para você e não devolve, qual é o delito?”, relatou o questionamento. O agressor teria respondido “ladrona”. “Perguntaram se já havia prescrito. Aí ele respondeu que era em seis meses e disseram que o caso estava prescrito”, lembrou. A presidente da comissão de ética, na mesma conversa, tinha dito para a dona do livro “riscar essa pessoa urgente da lista de empréstimos”. Uma outra pessoa da AACB pediu para ela se retirar da associação porque estava incomodando o agressor. “Ele não gostou da minha cor e nunca me viu”, declarou.

 

Fábia fez uma representação contra os membros da organização na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O caso será julgado no Tribunal de Ética e Disciplina (TED) da OAB. Segundo a advogada, as notificações foram ignoradas pelas partes e será preciso nomear advogados dativos para fazer a defesa. Ela também moveu uma ação com pedido de reparação por danos morais na área cível contra a AACB. Ela diz que a entidade pode ser responsabilizada por omitir proteção a um membro. “Eles tinham que, no mínimo, chegar pra ele [o agressor] e dizer: 'seu problema com Fábia, resolva lá fora, aqui dentro não'. Todas as manifestações de hostilidade eram no grupo do Whatsapp institucional, não eram nem do informal”, afirma.

 

A audiência criminal aconteceu na última segunda-feira (30). O réu não compareceu. A defesa do agressor pediu a prescrição da injúria. Fábia destaca que haveria se fosse apenas injúria, mas que, no caso, foi qualificada como racismo e ameaça. O caso foi para o Ministério Público para analisar a possibilidade para dar qualificação adequada ao delito. A OAB também será notificada no processo criminal por se tratar de fatos envolvendo advogados. A Ordem, através de diversas pessoas do conselho seccional, tem dado apoio a ela. “Meu erro foi tentar ser membro da associação e eles deixaram claro que eu não sou apta, que eu não tenho padrão estético, financeiro para ser uma deles”, lamentou. Para ela, os membros da instituição se sentem “acima do bem e do mal”. “São advogados que conhecem as falhas do Judiciário, são acostumados às manobras do Judiciário, são advogados que acreditam na impunidade”, declarou. A família dela teme por boicotes, ela mesma teme pela vida. “Eu estou assustada, mas eu não posso voltar atrás para não chancelar o que eles disseram, de que pessoas assim, como eu, não merecem viver em sociedade”, finalizou.