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Mães da Espera: a dor daquelas que aguardam notícias e o alento de filhos desaparecidos

Por Bruno Luiz

Mães da Espera: a dor daquelas que aguardam notícias e o alento de filhos desaparecidos
Míriam, Ana e Lucy: as mães da espera | Foto: Bruno Luiz / Bahia Notícias
“Rildean!”. “Rildean!”. “Rildean!”. A dona de casa Miriam Cristina de Jesus, de 50 anos, grita incessantemente este nome em seus acessos de fúria e desespero. Não adianta muito. Rildean não vem. Tampouco se sabe se virá algum dia. Está desaparecido há seis anos, desde que foi colocado no porta-malas de um carro por homens encapuzados durante uma abordagem no bairro Cosme de Farias, em Salvador. Os gritos de Miriam se justificam: são apelos de uma mãe desesperada que não sabe mais a quem recorrer em busca de notícias sobre o paradeiro do filho.
 
Na manhã de 25 de março de 2010, Miriam saiu para o trabalho, como de costume. Ao voltar para casa, não encontrou mais o filho. Naquele dia, Rildean, na época com 19 anos, acordou se sentindo mal por causa de uma sinusite e resolveu não trabalhar com o pai. No fim da manhã, a tranquilidade no local foi interrompida abruptamente quando homens em dois carros, um Siena e um Gol, chegaram à rua efetuando disparos. Curioso, o jovem quis sair da residência para saber o que estava acontecendo. Foi advertido pela irmã que continuasse em casa por questões de segurança. Rildean desobedeceu aos apelos e se reuniu em uma barraca com alguns amigos, para acompanhar a situação. Ao voltar para casa, foi surpreendido por dois veículos que o cercaram. Deles, saíram homens com armas apontadas para o filho de Miriam. Assustado, o jovem correu e foi perseguido. Aos gritos, vizinhos imploraram aos criminosos que não fizessem nada com Rildean e alertaram que ele não era bandido. A tentativa de se desvincilhar dos algozes não deu certo: o jovem foi capturado na ladeira de Brotas. De acordo com testemunhas, ele foi algemado e colocado no porta-malas de um carro.
 
No final da tarde, Miriam voltou para casa. O que encontrou na rua foi uma movimentação estranha e vizinhos que a olhavam sem parar. Questionou o motivo da aglomeração e dos olhares. Foi alertada do que havia acontecido com o filho. A pior notícia que uma mãe poderia receber fez o mundo de Miriam cair e o desespero tomou conta dela. “Foi péssimo. Eu fiquei apavorada, só queria chorar”, relembra. Apesar da dor, a dona de casa reuniu forças e iniciou uma verdadeira peregrinação por hospitais, delegacias, ruas e cidades para tentar encontrar Rildean. A cada nova busca, uma frustração: Miriam não conseguia pistas sobre o que tinha acontecido com o jovem. O sofrimento recomeçava. “Eu procurei ele em vários lugares, na esperança de encontrá-lo. Viajei para várias cidades, porque diziam que ele estava nelas. Fui para Canavieiras, Ilhéus e Feira de Santana. Quando não encontrava, era uma tristeza imensa. Não tem pista, não tem nada”, conta. 

Rildean está desaparecido há seis anos. Até o momento, caso não tem solução | Foto: Arquivo Pessoal
 
Desde que Rildean desapareceu, a vida da dona de casa mudou completamente. A revolta pela falta de notícias deixou Miriam amargurada. Passou a se irritar com facilidade e não tem paciência nem para cuidar dos dois netos. Constantemente, é tomada por acessos de cólera: em um deles, retirou uma das portas do seu guarda-roupas. Mas toda a força e certa aspereza de uma pessoa machucada desta forma pela vida apenas servem para esconder a fragilidade de uma mãe devastada. Ela enfrenta atualmente uma grave depressão. Tem dificuldades para dormir e são incontáveis os dias em que amanhece na varanda de casa, à espera pela volta de Rildean. Em uma ocasião, pensou em suicídio ao tentar se jogar de uma passarela. Foi impedida pela cunhada.  Atualmente, faz tratamento com psicólogo e psiquiatra e precisa tomar de seis a oito medicamentos diariamente. “Faço tratamento com psiquiatra e psicólogo. Eu fico nervosa, às vezes me pego falando sozinha, não consigo dormir, amanheço na varanda. Estou com uma depressão séria. Não posso mais sair sozinha, porque esqueço onde estou. Em alguns momentos fico revoltada e quero quebrar tudo. Já pensei em suicídio mais de uma vez. Às vezes, grito pelo nome dele em casa. Tem momentos que ouço uma voz como se fosse a dele e saio na varanda à procura”, relata emocionada. 
 
O desaparecimento tirou de Miriam até aquilo que seria um pedaço de Rildean: seu neto. Na época do rapto, a namorada do jovem estava com oito meses de gravidez. Entretanto, com todo o sofrimento provocado pela história, a criança passou da hora de nascer e morreu. Tempos depois, a avó materna dele também faleceu. Miriam afirma que a causa da morte foi tristeza.
 
Além da dor da falta do filho, a dona de casa ainda precisa enfrentar a angústia da falta de andamento nas investigações. Ao falar sobre isto, a revolta toma conta de Miriam. “Fizeram um estrago na minha vida. Eu só quero meu filho, não quero indenização do Estado, não quero nada de dinheiro deles. Nada disso me importa. A gente vê nossos filhos desaparecidos e não temos resposta nenhuma. Eu me sinto revoltadíssima, desamparada, como se não fosse cidadã. A gente chega na delegacia e eles nos tratam como se a gente não fosse nada. Por sermos pobres, negras e morarmos em bairro humilde, eles não dão importância”, diz indignada.
 
O inquérito policial que investiga o sequestro de Rildean ainda continua em fase de investigação, mesmo depois de completados seis anos do fato. Inicialmente, o caso foi registrado na 6ª Delegacia Territorial. De acordo com a assessoria da Polícia Civil, em janeiro de 2012, o inquérito foi remetido ao Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), já que há indícios de crime no desaparecimento do jovem. Ainda segundo a polícia, as apurações são dificultadas pela falta de testemunhas que forneçam mais detalhes sobre o crime. No local, não foram encontradas câmeras de segurança que poderiam ter registrado a ação dos homens que raptaram Rildean.
 
Miriam também levou o caso ao Ministério Público da Bahia (MP-BA). Após quase dois anos paradas, as investigações tiveram movimentação nesta sexta (6). Segundo informações da assessoria de imprensa, o órgão oficiou o DHPP para saber como andam as apurações. O caso está nas mãos do Grupo Especial de Atuação para o Controle Externo da Atividade Policial (Gacep). 
 
Enquanto a justiça não chega para Miriam, a dona de casa passará mais um Dia das Mães sem seu filho. Com a falta de Rildean, ela confessa que a data perdeu o sentido. Afinal, ela não tem ao lado aquilo que a faz ser mãe. Apesar de cansada da luta que parece em vão, Miriam ainda continuará batalhando pela solução do caso do filho. “Já estou cansada, mas vou continuar lutando na Justiça. Eu tenho que tentar. Se eu parar de lutar, vai ser pior. É como se eu tivesse esquecido dele”, afirma. Mesmo que, no fundo, saiba que as chances de encontrar o filho vivo sejam pequenas, ela não perde a esperança. “Eu tenho esperança de encontrar meu filho vivo, sim. Eu não posso e não vou aceitar que seja diferente”, confia. 

Orgulhosa, Miriam aparece ao lado de Rildean em sua festa de formatura da alfabetização | Foto: Arquivo Pessoal
 
Na manhã de quinta-feira do dia 12 de março de 2012, a diarista Ana Lúcia Conceição da Silva, de 51 anos, preparava o almoço. Seu filho único, Matheus Silva Souza, na época com 16 anos, avisou a ela que iria a uma lan house ali mesmo no Nordeste de Amaralina, onde Ana ainda vive. “Nesta saída, ele nunca mais voltou”, conta. No fim da tarde, Ana voltou para casa, mas, de início, não estranhou o fato de o filho ainda não ter voltado. “De início, eu não procurei, porque ele não tinha o costume de sair e não avisar. Achei que ele tivesse com a namorada”, relata. 
 
Foi dormir e, por volta de meia-noite, despertou. Correu ao quarto do filho, mas ele não estava lá. Foi o início do pesadelo que a diarista vive até hoje e não sabe quando - e se - vai acordar. Ana conta que, de acordo com relatos, Matheus, assim como o filho de Miriam, sumiu após ter sido colocado no porta-malas de um carro durante uma abordagem no bairro do Itaigara. “Me disseram que ele tinha sido ameaçado em uma abordagem. Fiquei sabendo que ele estava no Itaigara, com mais dois meninos. Fizeram esta abordagem, os dois meninos fugiram e meu filho foi colocado na mala do carro. A gente fala que ele está desaparecido, mas ele foi levado, né?”, diz. Ana não sabe como o filho, que afirmou que iria para uma lan house no bairro, estava no Itaigara. De acordo com ela, a dona do estabelecimento confirmou que Matheus não esteve lá no dia do desaparecimento. 
 
O caso pode envolver mais mistérios do que já aparenta. Segundo a diarista, o pai do adolescente relatou ter presenciado uma conversa suspeita entre policiais no dia em que foi à delegacia informar sobre o sumiço do filho. “O pai dele saiu à procura, foi até a delegacia. Quando ele chegou lá, tinha um policial falando com outro que tinha um menino de 16 anos que foi levado no dia anterior. Ele foi perguntar se era meu filho, mas disseram que não conheciam, mas o pai acha que era de Matheus que eles estavam falando”, sustenta. 
 
Ana conta que, após se dar conta do desaparecimento do filho, iniciou um périplo doloroso na busca por informações sobre ele. Diversas vezes foi onde nenhuma mãe gostaria de ir: o Instituto Médico Legal (IML). Talvez, encontrar o corpo de Matheus e poder enterrá-lo, desse fim a um ciclo de tanto sofrimento. Mas, até o momento, além de não ter o corpo, Ana não tem nada que possa levar ao paradeiro do adolescente. É com esta incerteza angustiante que ela convive há quatro anos. “Eu me sinto muito triste. Tem dias que eu me sento no sofá, olho as fotos dele, querendo que ele estivesse perto de mim. Eu sonho com meu filho voltando para casa na mesma data que ele sumiu. Quando penso que levaram meu único filho... É uma dor que só quem é mãe sabe. Eu faço comida e lembro dele. Do macarrão, da galinha que ele adorava…”, relembra. No último dia 1º de maio, Ana fez aniversário. Mais uma vez, passou a data sem o filho ao lado. “O único presente que eu queria era ver ele voltando para casa. Eu nem vi o meu filho completar os 18 anos”, diz emocionada.
 
A mãe de Matheus esbanja ternura. Tem olhar terno, fala de maneira doce e calma, com tom de voz baixo. Tudo isto muda, entretanto, quando ela fala sobre a demora nas investigações sobre o desaparecimento do filho. A ternura no olhar dá lugar à revolta. A doçura na fala se converte em amargura. A calma se perde em meio à raiva. “O Ministério Público não nos deu resposta até hoje. É um sentimento de revolta, me sinto desamparada. Olha, eu não sei o que fizeram com ele. Se eles pegaram meu filho fazendo algo de errado, que não tirassem a vida dele”, afirma indignada. 

Revoltada, Ana quer informações sobre o que aconteceu com Matheus | Foto: Bruno Luiz / Bahia Notícias
 
Inicialmente, o caso foi registrado na Delegacia de Proteção à Pessoa (DPP). De acordo com a assessoria da Polícia Civil, a investigação foi levada para o DHPP. Testemunhas e a própria Ana chegaram a prestar depoimento ainda quando o desaparecimento era apurado pela DPP. Conforme a polícia, a mãe e testemunhas afirmaram que Matheus teria envolvimento com o tráfico de drogas. Ao Bahia Notícias, Ana afirmou que o filho já foi visto usando entorpecentes. Ainda segundo a polícia, o adolescente tinha passagem por roubo. Entretanto, como a mãe defende, nada que justifique o desaparecimento do jovem. O inquérito ainda está em andamento no DHPP.
 
Já o Ministério Público da Bahia (MP-BA) afirmou que segue acompanhando as investigações. De acordo com a assessoria do órgão, a última resposta dada pela polícia foi em fevereiro de 2016, quando a corporação informou que o caso havia passado para as mãos de outra delegada. O acompanhamento é feito pelo Núcleo de Atendimento para Assuntos Criminais (Nacrim). O caso também foi levado para a Anistia Internacional. Até o momento, nenhuma providência foi tomada. 
 
Enquanto o Dia das Mães “é como se não existisse” para Ana, ela continua na luta por informações sobre Matheus. Como não parece acreditar na capacidade do homem de fazer justiça, ela espera agora a justiça divina. “A Justiça de Deus tarda, mas não falha. Quem fez algo com meu filho está pagando. E enquanto eu tiver vida e saúde para lutar, eu vou lutar por justiça. Uma mãe nunca desiste de seu filho”, assegura.

No próximo dia 10 de maio, Matheus completa quatro anos desaparecido | Foto: Arquivo Pessoal
 
Toda dor que Lucy Moura Santos, de 54 anos, sentir será em dobro. Dela não foi lhe retirado um, mas os dois filhos. Ela nunca vai esquecer do trágico 16 de maio de 2013, quando os dois foram retirados da casa onde moravam, no bairro de Canabrava, colocados no porta-malas de um carro e levados sem deixar rastro. Este dia também fez outra mãe vítima da dor de ter o filho desaparecido: Cleonice da Silva de Oliveira. Jean Carlos Oliveira da Silva, então com 19 anos, também foi arrastado de casa junto com Sérgio Luiz Santos Nascimento Júnior, 28, e Luiz Ricardo Santos Nascimento, 19. A reportagem tentou conversar com Cleonice, que hoje vive em Brasília, mas ela preferiu não dar entrevista “por ser muito doloroso lembrar disso”. 
 
Segundo Lucy, Sérgio e Luiz desapareceram por saber demais. Já Jean sumiu por estar junto aos dois no momento da abordagem. Ela conta que os irmãos presenciaram o sequestro de um amigo. Dias depois, ele apareceu morto. No mesmo dia em que testemunharam o crime, os dois resolveram sair da casa onde moravam com a mãe, no bairro do Conjunto Pirajá. Estavam com medo de represálias. Amigos de Jean, foram viver com ele em um apartamento alugado, em Canabrava.
 
No “maldito” dia, por volta das 3h, carros pararam em frente à casa. Homens armados arrombaram o cadeado, invadiram o local e retiraram os três. Levaram, ainda, o notebook dos irmãos e os aparelhos celulares dos jovens. Segundo Lucy, testemunhas relataram que momentos antes da ação, viaturas da Polícia Militar foram vistas rondando o local.

Lucy teve os dois filhos levados em uma abordagem misteriosa | Foto: Arquivo Pessoal
 
Lucy conta que, após receber a dolorosa notícia, ficou “transtornada”. “No primeiro mês, fiquei muito mal, não queria comer. Tive que fazer acompanhamento com psicóloga. Tinha muitas dificuldades para dormir, tive que tomar remédios para dormir. Somente agora deixei de usar, para não ficar dependente, mas ainda tenho dificuldades para dormir. Sonho muito com eles”, relata. 
 
Das três mães, ela aparenta ser a que mais se adaptou à realidade de viver sem a presença dos filhos. No entanto, o sofrimento dela é ferida que não cicatriza. “A gente tenta continuar a vida, não é? Mas não é mais a mesma coisa. Nunca volta a ser. Às vezes, me pego pensando neles, mas não gosto de nem de olhar as fotos, porque fico triste”, revela. 
 
Assim como Ana e Miriam, Lucy também se indigna frente à falta de andamento nas investigações sobre o desaparecimento de Sérgio e Luiz. Ela afirma se sentir “desamparada”. “A gente não sabe o que aconteceu com eles. Muitas pessoas não querem testemunhar, pois têm medo e a gente acaba sem informação. O caso foi registrado no DHPP e também foi levado ao Ministério Público, mas ainda não tenho mais informações. Eu me sinto triste e desamparada com essa falta de respostas. É muito duro para uma mãe não saber o que aconteceu com seus filhos”.
 
O caso foi registrado no dia 21 de maio de 2013, na 10ª Delegacia Territorial. Um inquérito foi instaurado para apurar o rapto dos jovens. As investigações foram repassadas para o DHPP.  A Polícia Civil não forneceu informações sobre o andamento das investigações. 
 
O desaparecimento dos três também foi levado ao MP-BA, que informou que, nesta sexta-feira (6), oficiou o DHPP com pedido de informações sobre o andamento das apurações. O caso está sendo acompanhado pelo Gacep. 
 
Sem os filhos por perto, Lucy tem uma espécie de alento. É o neto dela de apenas oito anos, filho de Sérgio. É com este pedaço dele que ela tenta aplacar as dores e encontrar motivação para continuar a vida. “É meu netinho que me motiva a seguir. Mora com a mãe, mas fica lá em casa aos fins de semana”, conta.

Luiz Ricardo e Sérgio Luiz desapareceram há quase três anos | Foto: Arquivo Pessoal
 
Miriam, Ana e Lucy. Mulheres diferentes, mas com histórias semelhantes. Tiveram os filhos arrancados do seu convívio de forma abrupta. Esperam respostas sobre o que aconteceu com eles até hoje. Convivem com a lentidão nas investigações e se indignam com isto. São pobres, negras e vivem em bairros periféricos da capital baiana. Como compartilham as mesmas dores, formaram um grupo que luta para tentar sair da invisibilidade que sua classe social e cor da pele as colocam. 
 
Quem menos parece ouvir estas mulheres é a Justiça. E a falta de informação para elas pode se configurar em violação ao devido processo legal, de acordo com o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Bahia (OAB-BA), Eduardo Rodrigues. “A Constituição designa a razoável duração do processo uma duração compatível com a realidade, para que as pessoas possam ter resposta do processo pelo qual estão seguindo. As pessoas precisam e têm o direito de ter uma resposta do Judiciário”, afirma. 
 
Além de falho na garantia de direitos do cidadão, o Estado brasileiro também peca na proteção aos jovens da periferia, na maioria das vezes, principais alvos de ações truculentas ou abordagens policiais que terminam em mortes ou desaparecimentos, além de se tornarem alvos fáceis do crime organizado pela falta de acesso a serviços básicos. “Infelizmente, temos um Estado que é displicente com a realidade desses jovens, seja na proteção desses jovens, seja na formação desses jovens. Nós precisamos e queremos ter um Estado protetivo”, declara. Ainda segundo Rodrigues, a OAB-BA tem acompanhado a atuação dos poderes públicos para proteção da sociedade. “Quando somos oficiados através de processos, nos colocamos sempre à disposição da sociedade para dirimir dúvidas e discutir o Estado e sua atuação. Dentro da Comissão de Direitos Humanos não só a atuação refratária, que é quando há uma atuação do Estado que demonstre violação de direitos, mas temos também uma atuação informativa perante a sociedade, através de diversos projetos”, explica. 
 
Para a ouvidora-geral da Defensoria Pública do Estado da Bahia (DP-BA), Vilma Reis, a lentidão nas investigações de casos que envolvem a população pobre, negra e periférica é fruto da “omissão e leniência da Justiça”. Há quase que um pacto não estabelecido em que 90% dos inquéritos são arquivados e essas mães negras não têm direito à resposta do Estado. Isso abre cenário para uma impunidade absoluta, é como se tivesse um vácuo institucional do ponto de vista da resposta. Essa morte, essa prisão exacerbada de jovens negros, essa situação de humilhação até em abordagens policiais é uma situação de calamidade”, critica.

Vilma Reis, ouvidora-geral da Defensoria Pública da Bahia (DP-BA) | Foto: Angelino de Jesus / OAB-BA
 
Vilma avalia, ainda, que contra a população negra e periférica brasileira são utilizadas políticas do período da Ditadura Militar (1964-1985). “Esse cenário de estado militarizado e paramilitarização nas periferias, todo esse aparato de tortura, superencarceramento, toda essa situação de auto de resistência, isso seria se a morte da democracia. Essas políticas se estabeleceram em uma época de exceção. Esse legado do período de repressão, esses mecanismos estão vivos na sociedade e são acionados de forma absurda para a população negra e pobre. Há uma superviolação de direitos de quase a totalidade da população que mora nessas áreas de periferia”.
 
Mestra em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia (Ufba) e militante do Movimento Negro, Vilma afirma que “não há respeito a voz” de mulheres como Miriam, Ana e Lucy. “Elas não têm o direito de encontrar o corpo e enterrar. Vivem uma dor eterna, você não fecha um ciclo, uma situação. Sempre tem relato de que ‘a polícia levou o meu filho’, que ‘um carro de chapa fria levou o meu filho’. A gente está diante de uma tragédia”, lamenta.
 
A ouvidora-geral da DP-BA revela também que, no Judiciário brasileiro, cidadãos precisam enfrentar desrespeito e preconceito. Para modificar esta situação, Vilma defende a adoção políticas de empoderamento da sociedade frentes aos entes da Justiça. “Dentro do tribunal, o cidadão não tem voz. O Judiciário não deve se sentir uma casta acima da sociedade brasileira”, brada. Ela avalia que iniciativas como a ouvidoria-geral da Defensoria, que traz representantes da sociedade civil para dentro do órgão, deveria se estender aos demais setores do Judiciário. “É preciso criar mecanismos para isto. Hoje, nos entes de Justiça da Bahia, só existem ouvidores externas dentro da Defensoria. Quando a gente conseguir ter ouvidorias externas com quadros preparados para fazer embate nas Cortes que formam o sistema de Justiça, o jogo muda”, afirma. 
 
Neste domingo de Dia das Mães (7), muitas comemorarão a data ao lado de seus filhos. Miriam, Ana e Lucy, não. Enquanto muitas mães têm a oportunidade de ouvir a voz deles, elas precisam conviver apenas com a lembrança do timbre de cada um. Enquanto mães receberão abraços neste domingo, Miriam, Ana e Lucy apenas imaginarão como seria receber um abraço de Rildean, Matheus, Sérgio e Luiz. Enquanto muitas poderão ver os filhos crescerem e envelhecerem, essas mulheres terão apenas as fotos de seus rebentos. Mas são apenas registros de um dado momento. Neste domingo, o dia de muitas mães será de felicidade. O Miriam, Ana e Lucy será de dor e saudade.