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Marca Bahia Notícias Justiça

Entrevista

Advogado Eduardo Rodrigues - Direito de manifestação e liberdade de imprensa

Por Niassa Jamena

Advogado Eduardo Rodrigues - Direito de manifestação e liberdade de imprensa
Foto: Marcela Gelinsk/Bahia Notícias
"Infelizmente a polícia não tem preparo para lidar com as manifestações civis", diz advogado eleitoral e vice presidente da Comissão de Direitos da seccional baiana da ordem dos Advogados do Brasil (OAB-BA) Eduardo Rodrigues. Ele conversou com o Bahia Notícias sobre direito de manifestação e liberdade de imprensa. O defensor esclareceu pontos importantes em relação à liberdade de expressão, reunião, sobre a conduta dos manifestantes de da polícia. Na opinião de Rodrigues, os policiais brasileiros não sabem se relacionar com o cidadão de uma forma geral e a liberdade de imprensa ainda sofre grandes restrições no Brasil. "Para uma sociedade que não tem guerra civil, ordeira e democrática, nós temos alguns abusos relativos à liberdade de imprensa sim. Infelizmente alguns dos retratos mais fiéis do que realmente está acontecendo em São Paulo e no Rio só podem ser buscados na imprensa internacional", lamentou.
 

Fotos: Marcela Gelinski / Bahia Notícias

BN - O que exatamente a lei estabelece e considera como direito de manifestação?

ER - A Constituição Federal coloca a liberdade de união e de manifestação como direitos assegurados aos cidadãos. São direitos consagrados pela Constituição. 

BN - A lei especifica até que ponto vai a liberdade de manifestação?

ER - O direito de manifestação vai até onde o direito de terceiros não seja infringido. É livre a manifestação desde que não se ataque uma outra pessoa. A Constituição estabelece no artigo 220: a manifestação do pensamento, a criação, a expressão, a informação sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão restrição. 
 
BN - Nas manifestações que ocorreram em São Paulo aconteceram atos de vandalismo, as pessoas depredaram patrimônio, incendiaram objetos... O que a lei prevê quando as manifestações chegam nesse estágio?
 
ER - Não existe proteção contra vandalismo. O direito de expressão não pode ser confundido com essas extrapolações que porventura possam acontecer. Não existe nenhuma proteção nesse sentido e os manifestantes devem responder pelos atos. Eles são enquadrados na lei de acordo com o delito que cometeram. Se foi depredação de patrimônio público, privado, violência contra a pessoa...

BN - Quando os alunos e professores da FTC realizaram uma manifestação aqui em Salvador e bloquearam a avenida Paralela muitas pessoas reclamaram do congestionamento formado e o governo falou que não se podia atrapalhar o direito de ir e vir das pessoas. Do ponto de vista jurídico, como se equaciona o direito de ir e vir com o direito de manifestação?
 
ER - O direito de manifestação deve ser respeitado. Mas está existindo efetivamente um grande problema na cidade de Salvador quanto ao bloqueio do direito de ir e vir. Essas manifestações estão sempre bloqueando vias. O direito de manifestação pode ser equacionado com o direito de ir e vir dos terceiros na medida em que não se bloqueie as vias e se faça essas manifestações sem parar o trânsito ou sem infringir o direito de terceiros.
 
BN - Quando o manifestante percebe que a polícia agiu de má-fé ou de maneira exagerada contra ele, o que pode fazer?

ER - Ele precisa amealhar a maior quantidade de provas possíveis e entrar com uma representação no Ministério Público ou na Corregedoria da polícia. 
 

BN - O que poderia ser considerado como prova?

ER - Fotos, relatos de testemunhas... O melhor caminho é o diálogo, infelizmente a polícia não tem uma preparação específica para lidar com as manifestações civis. A conversa seria o melhor caminho.
 
BN - A polícia prendeu manifestantes que levavam vinagre para as manifestações com a intenção de se proteger dos efeitos do gás lacrimogênio. Há precedente legal para isso?

ER - Não há precedente. Isso já é um procedimento comum de manifestação. Quando o manifestante já vem com o vinagre ou algum tipo de proteção contra gás lacrimogênio eles [os policiais] já entendem que haveria no manifestante uma outra intenção que não meramente a manifestação de opinião.
 
BN – Em alguma situação uma atuação mais ofensiva da polícia é legitimada pela lei?
 
ER - Não. A polícia está ali para proteger a ordem e o patrimônio público. Essas exarcebações devem ser verificadas.
 
BN - Na sua opinião o que faz com que o abuso policial seja algo tão recorrente nas manifestações e no dia a dia do brasileiro?
 
ER - Infelizmente a falta de uma preparação específica para a polícia como um todo. Falta uma preparação que abranja a relação com o cidadão e com o livre direito de manifestação das pessoas.
 
BN - As manifestações estão respeitando de fato a lei de livre manifestação?
 
ER - Eu acredito que sim. Infelizmente nós temos um histórico que nos é imposto de que o Brasil é um país ordeiro. Mas se nós focarmos na história nós veremos que as grandes conquistas brasileiras se deram com lutas. Aqui na Bahia nós tivemos a revolta dos malês, baianada, sabinada, guerra dos farrapos, partilhamos dos movimentos pré-libertação dos escravos... Hoje nós estamos reacendendo algumas chamas, nós tivemos aí a ditadura militar e as diretas já. Essas manifestações populares são naturais e importantes para a democracia.
 

BN - Alguns jornalistas relatam que foram feridos quando estavam cobrindo as manifestações. Você acredita que quando não se vislumbra tanto a possibilidade de punição mediante o descumprimento da lei, a liberdade de imprensa é pouco respeitada no Brasil?
 
ER - Sem querer falar da questão da punição, mas com certeza a liberdade de imprensa no Brasil ainda tem sérias restrições. O Brasil é o país mais perigoso da América Latina para o jornalista trabalhar. Esse ano nós tivemos, no Brasil, quatro jornalistas mortos em atividade. Isso demonstra que para uma sociedade que não tem guerra civil, ordeira e democrática, nós temos alguns abusos relativos à liberdade de imprensa sim. Infelizmente alguns retratos mais fiéis do que realmente está acontecendo em São Paulo e no Rio só podem ser buscados na imprensa internacional. Nós estamos tendo algumas dificuldades de buscar informações mais reais, mais verossímeis na imprensa nacional.
 
BN - Por que você acha que isso acontece?

ER - Eu estou buscando uma resposta para isso.  Mas de certa forma são divergentes algumas informações da imprensa nacional e da imprensa internacional. 
 
BN - Algumas pessoas reclamam quando ocorre esse tipo de manifestação. Principalmente quando atrapalha o trânsito, causa engarrafamento... Você acredita que falta ao brasileiro a cultura de coletivização, de lutar pelos direitos de forma conjunta?
 
ER - Eu acredito que falta uma discussão grande sobre a formatação das manifestações, do direito de manifestação e de que forma esse direito pode ser exercido. Eu sou defensor da livre manifestação e acredito que a organização popular é o modo mais salutar de conquista de direitos. Mas essas manifestações devem seguir uma ordem, ter uma organização para que não afetem a vida da sociedade como um todo e não acabem tirando do foco o objetivo daquela manifestação e criando na população uma visão deturpada do que o movimento está defendendo. Ás vezes isso uma parte da população acaba ficando contra o protesto por esse interferir no seu direito de forma mais imediata.
 
BN - Algumas reportagens publicadas sobre as manifestação que ocorreram em São Paulo foram apontadas como tendenciosas pelos usuários das redes sociais. Em um dia os manifestantes foram chamado de vândalos, depois quando jornalistas foram feridos se mudou o tom. Você acredita que em nome da liberdade de imprensa, algumas vezes, os veículos extrapolam o que está estabelecido na própria lei?
 
ER - Todo jornalista é um contador de histórias. Quando você vai contar uma história acaba colocando um pouco de si. Evidentemente algumas reportagens acabam tendo uma visão ou versão que vai depender de qual veículo de comunicação está passando essa versão. 
 
BN - Qual a posição da comissão de direitos humanos da OAB em relação a liberdade de manifestação aqui na Bahia. Vocês já deliberaram em relação a isso? A polícia mudou o modus operandi com relação à manifestação na Bahia, vocês pretendem publicar algo sobre o assunto?

ER - O conselho seccional soltou por ocasião do dia 7 de junho [dia da Liberdade de Imprensa]  em defesa da liberdade de imprensa. Quanto as atitudes da polícia não houve qualquer manifestação ainda. A comissão não foi empossada ainda, mas em caso de necessidade, ela se manifestará.