Luislinda Valois - Juíza
Fotos: Maiana Marques/BN
“Negro não quer esmola. O negro quer educação de qualidade e continuada.”
Por Evilásio Júnior
Coluna Justiça – Como a senhora vê a questão do racismo no Brasil atualmente? Houve avanços? Quais são os principais problemas a resolver?
Luislinda Valois – No Brasil, a situação melhorou bastante, mas ainda não é a que nós acreditamos ser a melhor para nós. Até porque ainda não se atingiu o que determina a Constituição federal, ou seja, de que todos somos iguais. Falta este detalhezinho e eu espero em Deus que não demore de acontecer.
CJ – Muito se diz que a política de cotas seria inconstitucional por este aspecto da igualdade, mas por outro lado há quem defenda a medida, porque seria uma inserção importante dos negros dentro de um cenário de defasagem histórica muito grande no país. Qual é a posição da senhora na questão das cotas?
LV – Eu digo que não é inconstitucional, porque estamos lidando com duas igualdades diferentes. Então, são desigualdades. O tratamento é desigual ao tratamento dispensado ao negro. Eu advogo a política de cotas, inclusive com outras mulheres aqui na Bahia, mas não ad eternum, porque senão vai virar esmola. Negro não quer esmola. O negro quer educação de qualidade e continuada. O que é que nós precisamos? De uma escola pública à altura do nivelamento da escola privada. Tudo isto acontecendo, não precisaremos mais de cotas. Nós somos inteligentes. Somos competentes. Não precisamos de cotas. O que acontece é que o Brasil está pagando um déficit que ele tem para conosco.
CJ – É a reparação...
LV – Exatamente.
“Sou filha de Iansã, sou pintada, raspada, uso minhas contas onde passo e defendo meus orixás em todos os espaços que Deus deixou no mundo.”
CJ – Agora, em relação a Salvador, especificamente, na última semana houve a aprovação da emenda à Lei Orgânica do Município (LOM) que permite a regularização fundiária dos templos religiosos, inclusive os terreiros. O debate foi iniciado com a derrubada do terreiro Oyá Onipó Neto (Imbuí) pela Sucom, há três anos, por débitos de impostos municipais. A senhora acha que essa medida contempla as necessidades dos templos religiosos, ou ainda está aquém e seria uma medida paliativa?
LV – Eu acredito que é uma medida paliativa que veio em bom tempo. Nós aguardávamos uma solução, talvez mais avançada. Mas, como nós temos que lidar com o que nos é oferecido, recebemos esta dádiva, não restam dúvidas. Mas continuaremos lutando para que outras medidas sejam adotadas, no sentido de que situações semelhantes a esta que você acabou de colocar não venham a ocorrer novamente, não somente com os terreiros, mas com as pessoas físicas que integram e ocupam os terreiros de candomblé. Eu falo isso de cátedra, pois sou filha de Iansã, sou pintada, raspada, uso minhas contas onde passo e defendo meus orixás em todos os espaços que Deus deixou no mundo.
CJ – Embora seja do candomblé, recentemente um livro seu foi assinado pelo bispo da Igreja Universal, deputado Márcio Marinho (PRB). É a tolerância religiosa?
LV – Exatamente. Eu tenho alguns convênios, alguns processos de evolução, de crescimento, celebrados com a Igreja Universal do Reino de Deus. Agora mesmo eu fui convidada para ser paraninfa da turma de Direito da Faculdade Batista e fui homenageada, domingo passado (14), pela Igreja Católica. Estamos em um país laico, então vamos nos tolerar. Todos falam em Deus. Não importa o rótulo, se Oxalá , se Deus, se Alá, tem um superior que nos comanda. Então, vamos respeitar esse cidadão maior. Eu acho que vale à pena. Ele é o comandante.
CJ – Uma coisa curiosa que aconteceu recentemente foi que teve a eleição presidencial e foi debatida a questão religiosa, foi debatido o aborto, que foi um dos temas polêmicos da campanha, mas não se falou em reparação e políticas para a população negra. Por que a senhora acha que isso aconteceu? O público ainda é muito conservador em relação a essa discussão e os candidatos não quiseram tratar ou houve uma displicência em relação a um tema tão importante?
LV – Eu comentava isso com o meu filho, que é promotor de Justiça da Educação no Estado de Sergipe. Todos os dias eu dizia para ele “vamos assistir o programa eleitoral. Vamos ver se hoje algum candidato vai tocar nas políticas públicas voltadas à nossa comunidade negra”. Em nenhum momento nós vimos candidato algum sequer pincelar este assunto. Eu acredito que ainda se esteja pensando em termos de racismo, de escravidão. Ainda é uma coisa que está muito arraigada no brasileiro. E também não se tem a tradição histórica da inclusão do negro na política brasileira, ocupando lugares como deputados, senadores, presidente da República, isso aí ainda está sendo olhado como uma coisa que ainda vai acontecer. Mas eu tenho certeza, inclusive, de que vai acontecer. Nós vamos buscar isso. Agora já eleita, eu espero que a nossa presidente, que é uma mulher muito inteligente, senão não teria atingido o ponto que atingiu, nos dê a oportunidade de, pelo menos, dizermos e levarmos ao seu conhecimento as nossas necessidades, que estão no meu livro “O negro no século XXI”, que é um relato do que nós precisamos, merecemos e tanto cobramos dos gestores públicos.
“Agora estou pensando em ser desembargadora e, posteriormente, talvez uma ministra. Quem sabe? Se eu for convidada pela presidente Dilma eu digo sim. E, depois, presidente do Brasil.”
CJ – A senhora foi a primeira juíza negra do país e até hoje o Tribunal de Justiça da Bahia ainda não foi presidido por um negro. Como a senhora vê a questão do negro no exercício do Direito no estado? Há pouco campo?
LV – Eu diria que não é só no Tribunal de Justiça da Bahia. Os tribunais não têm o histórico de negros ocuparem espaços como juízes, desembargadores e ministros. Basta que nós passemos a vista nos tribunais superiores. No Supremo nós só temos um ministro (Joaquim Barbosa), no Superior Tribunal de Justiça nós só temos também um ministro (Benedito Gonçalves). Ministros. Homens. E ministra, mulher, nós não temos ocupando esses lugares. O Tribunal da Bahia também não tem esse histórico, mas eu, como negra, como magistrada que sou, sei que sou competente, sou dedicada, sou leal ao meu Poder Judiciário, estou lutando e tenho certeza que os meus orixás, meus santos, meu Deus, meu povo negro, branco, azul, amarelo, rico, pobre, vão fazer com que eu seja desembargadora já. Hoje eu sou desembargadora substituta. Eu quero que atrás de mim venha uma onda negra, que me tenha como parâmetro, como desembargadora.
CJ – Luislinda Valois pensa em ser presidente do Tribunal de Justiça da Bahia?
LV – Não. Não penso em ser presidente do Tribunal. Agora estou pensando em ser desembargadora e, posteriormente, talvez uma ministra. Quem sabe? Se eu for convidada pela presidente Dilma eu digo sim. E, depois, presidente do Brasil. A minha sequência é essa.
BN – Tem intenção de ocupar o Palácio do Planalto?
LV – Tenho. E por que não uma mulher negra? Já temos uma branca. Eu estou já me habilitando a esse cargo.
BN – Já tem negociado o ingresso em algum partido político?
LV – Não. Ainda não articulei nada com partidos, mas é meu sonho e tenho certeza que Deus vai transformá-lo em realidade.
BN – Qual a mensagem que a senhora deixa ao povo de Salvador nesta semana da Consciência Negra?
LV – Uma mensagem de que nós negros não podemos e não devemos delinquir. A nossa juventude está enveredando por um caminho muito difícil. Mas o trabalho e a educação são as formas da inclusão, então, negros, negras desta terra querida, por favor, joguem-se, lutem, aprendam com o meu espelho. Vale a pena ser honesto. Vale a pena trabalhar.