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Entrevista

“É uma gestão de continuidade, não vai haver uma ruptura”, diz Pedro Maia sobre comando do MP-BA no biênio 2024-2026

Por Camila São José

“É uma gestão de continuidade, não vai haver uma ruptura”, diz Pedro Maia sobre comando do MP-BA no biênio 2024-2026
Foto: Igor Barreto / Bahia Notícias

Integrante do Ministério Público da Bahia (MP-BA) desde 2004, o promotor Pedro Maia, 44 anos, assumirá uma nova missão a partir de 1º de março de 2024. Ele ocupará o assento de procurador-geral de Justiça, substituindo Norma Cavalcanti. Em um movimento de pacificação dentro do órgão, o seu nome foi o único na disputa - cenário que se repetiu apenas por outras duas vezes nos últimos 20 anos. 

 

Em conversa com o Bahia Notícias, Maia comentou os planos para os próximos dois anos no comando do MP-BA, com recorte especial para atuação no campo da segurança pública e combate às organizações criminosas. “Eu diria que nós temos ampliado a estrutura e entregado os resultados efetivos, e no médio prazo vamos conseguir vencer esse quadro de segurança pública que é a prioridade para o Ministério Público da Bahia”, frisou. 

 

Outro ponto destacado é a incorporação da inteligência artificial no desempenho dos trabalhos da entidade e a interiorização do MP-BA. 

 

“Estamos também com um investimento muito forte na área de inteligência artificial e, sem dúvida alguma, nesse próximo biênio, que eu estarei à frente, essa vai ser uma das marcas do Ministério Público da Bahia. Vamos estar conectados com o que tem de mais moderno, utilizando já da inteligência artificial para que ela possa realmente impactar no incremento dos serviços para a população baiana”, demarcou. 

 

Natural de Salvador, Pedro Maia integrou a lista tríplice para PGJ como o mais votado nas últimas quatro eleições. Ao longo desses 20 anos, passou pelas comarcas de Canarana, Santa Maria da Vitória, Barreiras, Gandu, Feira de Santana e Vitória da Conquista, sendo promovido para Salvador em 2013 - sempre com atuação na área criminal, seja na Promotoria do Júri, de Tóxicos ou Núcleo de Prisão em Flagrante.

 

Na capital baiana, Maia coordenou o Grupo de Atuação Especial de Combate à Sonegação Fiscal e Crimes Contra a Ordem Tributária (Gaesf), o Centro de Apoio Operacional Criminal (Caocrim) e foi secretário-executivo do Comitê Interinstitucional  de Recuperação de Ativos (Cira). Nos últimos quatros anos atuou como chefe de Gabinete da Procuradoria-Geral de Justiça e de março de 2022 a março de 2023 foi secretário-executivo do Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União (CNPG).

 

O senhor foi o único a se candidatar para a vaga de procurador-geral de Justiça do Ministério Público da Bahia para o próximo biênio e obteve o número recorde de votos na história da instituição. Como percebe este cenário da disputa? Considera que seu nome foi um movimento para uma espécie de pacificação dentro do MP baiano?

Eu não tenho dúvida que foi um movimento de unidade, pacificação dentro do Ministério Público da Bahia. É uma votação que realmente me deixou muito feliz, nos dá uma legitimidade muito grande junto à instituição, junto à classe de membros, procuradores, procuradoras, promotores e promotoras. É um processo que vem de algum tempo. Eu me candidato a procurador-geral desde 2016. Eu me candidatei em 2016, 2018, 2020, 2022 e agora em 2024: cinco eleições. Nas quatro anteriores eu figurei como o mais votado, tive a alegria de integrar a lista tríplice, mas como mais votado pela classe e venho numa crescente também em termos de votos. Na última eleição, eu já tinha tido uma votação também recorde com 87% dos votos dos membros e essa eleição acho que consolida esse processo. Eu atribuo isso a uma confiança muito grande na minha trajetória institucional, dentro da instituição atuando tanto na área fim, na ponta, nas minhas promotorias, nos grupos que eu trabalhei, mas principalmente na gestão administrativa e traz uma marca de êxito da atual gestão conduzida pela procuradora-geral, a amiga Norma Cavalcanti, que me deu a possibilidade de trabalhar como seu chefe de gabinete e lhe suceder. Então é um processo de pacificação interna e de confiança na atual gestão, e no meu nome para dar seguimento no trabalho que vem sendo realizado.

 

Queria adiantar sobre as suas perspectivas. O que o senhor tem pensado como prioridade para o órgão nos próximos dois anos?

Marcar primeiro que é uma gestão de continuidade, não vai haver uma ruptura, alguns ajustes sim, uma marca pessoal à frente da Procuradoria-Geral, mas é uma continuidade do trabalho que vem sendo realizado, é a continuidade do projeto que em 2020, há quatro anos atrás, passou a ser implementado no Ministério Público da Bahia que é o projeto que traz a marca da transparência nas ações da Procuradoria-Geral, do Ministério Público da Bahia, de organização administrativa, de eficiência na gestão, suporte à atividade finalística, priorizando os recursos do Ministério Público para essa atividade que é a atividade que está descrita na Constituição Federal e é a atividade do Ministério Público por excelência, que deve se estruturar com uma finalidade: servir a população baiana. Então, é investimento maciço em tecnologia, é atuação nas mais diversas áreas, é a palavra para a segurança pública no Ministério Público da Bahia, prioridade, compreendendo que infância é prioridade pela Constituição Federal, atuação do meio ambiente, na área do consumidor, de direitos humanos, pensando sempre em inclusão e diversidade, educação, saúde, e, enfim, a atuação em todas as áreas que o Ministério Público serve à população baiana. Mas a partir desses pilares de estruturação administrativa, transparência das atividades, melhoria dos fluxos e investimento em tecnologia. 

 

O senhor falou sobre essa questão administrativa. Já tem debatido a questão da ampliação do MP no interior do estado? A possível reestruturação de sedes e quem sabe a inauguração de novas sedes? Tem acompanhado o debate orçamentário neste sentido?

Na verdade é o que eu fiz nesses quatro anos como chefe de gabinete, minha atuação ficou marcada pela atuação na parte administrativa. Em relação à parte estrutural do Ministério Público entregamos só neste ano de 2023, quatro sedes de grande porte, quatro promotorias regionais: Porto Seguro, Eunápolis, Euclides da Cunha e Jacobina - sedes próprias construídas com recursos do Ministério Público. Foram feitas uma série de reformas, aquisição de algumas outras áreas para construção de sedes, cessões de órgãos públicos para o Ministério Público. Então, tem um planejamento bem acentuado para poder o trabalho acontecer da melhor forma possível, sendo um espaço digno de trabalho para os membros e servidores da instituição e, principalmente, para acolher e receber bem a população baiana. Além da parte estrutural, a parte de sistemas, que hoje o trabalho do Ministério Público da Bahia, o trabalho dentro do sistema de Justiça acontece através de sistemas. Temos investido bastante em um sistema de informática, construindo um sistema próprio, adquirindo softwares e isso tem dado um resultado de eficiência para atuação dos membros do Ministério Público. Estamos também com um investimento muito forte na área de inteligência artificial e, sem dúvida alguma, nesse próximo biênio, que eu estarei à frente, essa vai ser uma das marcas do Ministério Público da Bahia. Vamos estar conectados com o que tem de mais moderno, utilizando já da inteligência artificial para que ela possa realmente impactar no incremento dos serviços para a população baiana. 

 

O senhor tocou nesse ponto da inteligência artificial, Salvador no ano passado sediou o Congresso Nacional do Ministério Público que trouxe a temática da inteligência artificial, o Supremo também tem defendido a utilização e regulamentação dessas ferramentas. Como o senhor avalia esse debate e de que forma acredita que esse instrumento pode e deve ser utilizado pelo Ministério Público?

O Ministério Público da Bahia, em 2023, teve o Congresso Nacional que foi o maior congresso em número de participantes da história do Ministério Público brasileiro, eu participei da coordenação desse evento, e no primeiro semestre sediou o Enastic - que é o Encontro Nacional de Tecnologia e Inovação dos Ministérios Públicos, e Tribunais de Contas do Brasil. E eu falar como a inteligência artificial vai impactar a atividade do Ministério Público, preciso ir para o momento anterior, dizer como é que a inteligência artificial vai impactar a humanidade. Acredito firmemente que nos próximos cinco anos a humanidade vai viver a revolução parecida com a que ocorreu por ocasião da Revolução Industrial, vai haver uma mudança completa na forma de produzir, de se relacionar, de viver e tudo isso vai ter que ser muito pensado pelos governos, pelas organizações, pela sociedade civil, porque o impacto será marcante. Vai se produzir muito mais, vai haver uma necessidade de melhor distribuição da força de trabalho, das riquezas. Sem dúvida alguma é uma revolução que vai acontecer e a parte que cabe ao Ministério Público é estar antenado com essa evolução, se antecipar ao que está por vir e caminhar nessa direção. Fechamos com o Cimatec um curso de pós-graduação para toda a nossa equipe de analista de TI, em inteligência artificial. Nossa equipe hoje está preparada para poder lidar com a inteligência artificial, estamos construindo nossos robôs, já tem alguns em fase de teste avançado, e nesse evento que eu citei, fizemos a primeira simulação dentro do Ministério Público brasileiro de um robô trabalhando em cima de inquéritos policiais com inteligência artificial. O resultado foi absolutamente satisfatório, surpreendente, para alguns até assustador, em milésimos de segundos uma resposta bem satisfatória para produzir o resultado final da atividade de assessoramento a um Promotoria de Justiça pronta, o que nos deixa bastante entusiasmados. A gente já tem robôs rodando em fase de teste. A gente tem nosso sistema que é o Fratria, que é um sistema de inteligência artifical que a gente está construindo, um sistema próprio, e a gente vai estar disponibilizando para uso já na atividade fim, na ponta, nesses dois anos, para que a instituição se beneficie desse avanço.

 

O senhor poderia detalhar um pouquinho mais quais seriam as funções desse robô, de que modo eles auxiliam? 

Desde a atividade administrativa, reduzindo o tempo de resposta para os fluxos, na verdade há uma substituição do trabalho humano naquelas rotinas pela inteligência artificial, e a capacidade de produção é incomparavelmente maior; até a atividade na ponta, a confecção de peças processuais, confecção de pareceres. Hoje no Fratria, já está em fase de teste, a gente entrega o inquérito, a máquina faz a leitura do inquérito, corrige a digitalização - que muitas vezes vem falhado -, a partir do conhecimento que a máquina já tem indica a orientação jurídica, o posicionamento, qual seria o tipo de peça - se é uma promoção de arquivamento, uma denúncia, pedido de diligência para autoridade policial já indicando como é que seria -, minuta essa peça e fica só para o promotor realmente analisar, como faz com assessor, e validar. Isso gera economia de recursos, economia de tempo e dá condições de enfrentar as demandas que são cada vez maiores de forma eficiente.

 

Agora, o senhor acha que possam ter aspectos negativos? Levantamos até aqui apenas pontos positivos, mas existe alguma parte negativa, algo que precise estar em alerta?

A principal preocupação que se tem é com a questão da força de trabalho, diversas atividades tanto no Ministério Público quanto em outras áreas do Direito, da Medicina, Engenharia, Publicidade…hoje a inteligência artificial faz música, pinturas, obras de arte - se é que aquilo pode ser considerado arte. A gente tem um conceito de arte que é subjetivo, mas a partir dos parâmetros sinalizados a máquina já faz isso, então há substituição da atividade humana por uma atividade produzida pela inteligência artificial, pela máquina. É de se pensar o que vai se fazer com essa mão de obra ociosa e da própria parte relacional também. A máquina, a gente tem que ter cuidado para não substituir as relações humanas de uma forma plena e que gera transtornos dos mais variados, principalmente para as crianças, os adolescentes, para aquelas pessoas que começam a vida já com essa nova realidade. Tudo na vida tem efeito colateral, a gente tem que extrair a parte boa e tentar projetar e minimizar os danos que advêm dos avanços tecnológicos, principalmente com a revolução como vai ser a inteligência artificial..

 

Foto: Igor Barreto / Bahia Notícias

 

Durante a sua gestão, pensa em debater algum plano de reestruturação do plano de cargos e carreiras dos promotores baianos?

Em relação à interiorização, eu falei só da parte de sedes e eu queria pontuar, para deixar registrado. Recebemos o Ministério Público com mais de 100 unidades que não tinham nem servidor lotado. O Ministério Público está presente em todas as comarcas do estado, temos promotorias que funcionam em todas as unidades do estado, temos um déficit no número de promotores de Justiça e estamos com um concurso em curso, já em fase de prova oral para diminuir esse déficit, mas hoje não temos nenhuma promotoria que esteja desfalcada de servidor. Então temos todas as promotorias do Estado abertas à população, o que nos traz um alento de saber que o cidadão pode procurar o Ministério Público a qualquer momento, inclusive agora em qualquer comarca e vai encontrar alguém para atendê-lo. Temos canais de comunicação também com a população, como o nosso site de atendimento ao cidadão e o número 127 - que é o artigo que define o Ministério Público na Constituição - e foi um avanço que foi colocado a partir do ano de 2021. Qualquer cidadão que discar 127 vai entrar em contato com a equipe de atendimento, que vai direcionar ele ao setor onde a demanda será tratada. Além disso, nós temos a nossa Ouvidoria interna e, como eu coloquei, a presença física de servidores atendendo em todas as localidades do estado. Há uma necessidade de melhoria da estrutura física como eu coloquei, há uma necessidade de avanço da parte pessoal, fizemos um concurso, colocamos mais analistas, servidores e tem um concurso para membros em curso, vamos colocar mais promotores na instituição. Tudo isso considerando que a gente tem um orçamento limitado e que a gente precisa cumprir esse orçamento.

 

Falando sobre o seu histórico de atuação dentro do Ministério Público, o senhor coordenou o Grupo de Atuação Especial de Combate à Sonegação Fiscal e Crimes Contra a Ordem Tributária, o Centro de Apoio Operacional Criminal, atuou no Gaeco, no Núcleo de Prisão em Flagrante, na Promotoria de Tóxicos de Salvador. Com toda essa experiência na área criminal, como classifica a atuação do MP no combate ao crime organizado, às facções que têm chegado e se instalado no território baiano?

Em que pese eu olhar para a instituição na condição de gestor como um todo, na minha atuação profissional eu tive uma vinculação muito grande com a área criminal, com a área de segurança pública. Eu vejo a atuação do Ministério Público no combate às organizações criminosas, principalmente nesses últimos quatro anos, como exemplar. Para o cidadão que está sofrendo as consequências desse momento da segurança pública, que juntamente com as forças policiais, com o sistema de defesa, sistema de Justiça, nós vamos vencer essa luta. Para essa população pode soar como arrogante dizer isso, mas eu tenho que vir à realidade do Ministério Público, a história do Ministério Público, e dizer o que foi feito. Foram 120 operações só do Gaeco, durante esse período. Eu somo isso a três operações do Gaesf, mais outra tantas do Geosp e agora do Gaep. Geosp é o grupo de segurança pública criado nesta gestão, no ano de 2022, para tratar da questão do controle externo da atividade policial, das questões de segurança pública. O Gaep foi um grupo criado em 2023, que trata do sistema prisional. Juntamente com o Gaesp e o Gaeco, o Gaeco sendo o grupo que tem mais robustez, uma estrutura de trabalho muito grande, eu posso dizer que o enfrentamento à criminalidade feito pelo Ministério Público, em parceria com o sistema de defesa, entregou resultados expressivos à população tanto no enfrentamento da criminalidade organizada clássica, aquela que vem do sistema prisional, que trata do tráfico de entorpecentes, dos grupos de extermínio, até aquela criminalidade do colarinho branco que trata dos crimes de corrupção. Então o Ministério Público [tem atuado] de forma efetiva nesses últimos quatro anos e tem muito mais projetado para frente com o uso e emprego maciço de tecnologia nessas investigações, com reforço no número de promotores, servidores e policiais. Hoje a gente tem um órgão de inteligência composto por mais de 70 pessoas trabalhando para dar suporte a essa atividade. A gente interiorizou o Gaeco, colocando um braço do Gaeco no Norte do estado, outro no Sul e já com diversas operações. Fizemos uma campanha, está no nosso site, um mapa do estado da Bahia onde está pontilhado onde foi realizada qualquer operação de enfrentamento ao crime organizado, e quem observar esse mapa vai ver mais de 120 operações realizadas de forma espalhada em todo o território. Investigamos e denunciamos mais de 150 policiais, em desvio de sua atividade, praticando crimes. Foram 500 denúncias de feminicídio. Ampliamos o número de promotores, na verdade ampliamos em 50% o número de promotores no júri na capital; ampliamos em 50% o número de promotores atuando na área de tóxico na capital, criamos a Promotoria de Controle Externo da Atividade Policial da capital, número de seis. Eu diria que nós temos ampliado a estrutura e entregado os resultados efetivos, e no médio prazo vamos conseguir vencer esse quadro de segurança pública que é a prioridade para o Ministério Público da Bahia.

 

E o que senhor acha que são os principais gargalos para poder conseguir vencer esse atual cenário?

O sistema prisional é o principal gargalo hoje. Eu não tenho dúvida disso. É um problema nacional e que aqui na Bahia se acentua bastante, nosso sistema prisional é poroso e é algo que a gente vai enfrentar, já vem enfrentando com os promotores que atuam em cada unidade prisional do estado e agora com um grupo para fazer uma articulação e integração e um diálogo interinstitucional para enfrentar essas questões. Hoje no nosso sistema prisional, à exceção do sistema federal, há entrada de celulares, de armas, há diálogo de quem está dentro do sistema prisional com quem está fora - diálogo que eu falo, permanente e para prática de atividades ilícitas. O outro gargalo que a gente tem, na verdade não é um gargalo, é uma situação nacional, é um problema que a gente resolve com a atuação firme e integração entre as instituições, entre as forças, para enfrentar essas organizações que transcendem o território baiano, que extrapolam o território baiano, são organizações nacionais e algumas transnacionais, que realmente comprometem todo o quadro de segurança pública. Eu quero deixar claro que a questão da segurança pública é um tema que não se resolve apenas com repressão. Eu acho que tem que se pontuar isso aqui, a gente não pode limitar o debate a essa condição, mas hoje é um enfrentamento com repressão desse momento agudo que vive a segurança pública e a outra mão para trabalhar isso aí é um trato transversal de diálogo com outras áreas para compreender e enfrentar fatores etiológicos. A gente vive sobre um tecido social extremamente esgarçado, que sem dúvida é o componente máximo que alimenta essas organizações criminosas. É a falta da presença do Estado como um todo, eu não estou falando do governo, do Executivo baiano, mas do Estado brasileiro nas áreas mais carentes, nas periferias e o ajuste, a sintonia fina é fazer esse enfrentamento a essas organizações criminosas e entrando com os serviços do Estado, com políticas públicas, para que, principalmente, os jovens da periferia não entrem no crime. 

 

Sobre uma questão que também envolve segurança pública; as disputas de terras no sul e extremo sul do estado. De que forma pretende colocar isso em debate e fazer o MP presente nessa discussão?

Eu já anuncio aqui, a gente está na transição dentro do Ministério Público, vamos criar um núcleo para tratar questões fundiárias dentro do Ministério Público da Bahia - esse núcleo vinculado à Coordenação de Direitos Humanos do Ministério Público da Bahia -, para um olhar especial justamente para a situação dos povos tradicionais: quilombolas, indígenas. Para justamente com esse olhar de direitos humanos enfrentar a questão, identificar todos os fatores de conflitos e utilizar da capilaridade do Ministério Público para fazer esse enfrentamento. Ouvi com muita alegria a criação de um batalhão especializado para tratar dessa temática, que é uma temática aguda em nosso estado e não tenho dúvidas que essa é uma questão delicada, e o Ministério Público vai estar atuando de forma firme para diminuir o tensionamento e a violência no campo.

 

Ainda nesse desenrolar sobre o futuro, o futuro secretário nacional de Segurança Pública, Mário Sarrubo, defendeu recentemente a criação de um “Gaeco Nacional” para combater o crime organizado, uma proposta que teria sido sugerida pelo agora ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski. Associações apontam a inconstitucionalidade do projeto. O senhor acredita que este é o caminho para enfrentar as organizações criminosas?

Primeiro registrar a alegria em ter Mário Sarrubo como o secretário nacional de segurança pública, ele saiu da cadeira de procurador-geral do Ministério Público de São Paulo, mas a relação dele com o Ministério Público, baiano inclusive, vem de uma convivência com o Conselho Nacional dos Procuradores Gerais quando a atual procuradora-geral, doutora Norma, presidia e eu o secretariava o colegiado, e ele coordenava o Grupo Nacional de Combate às Organizações Criminosas. É uma pessoa talhada para a missão, a difícil missão de tratar em âmbito nacional da temática da segurança pública. E a fala dele em relação à criação do Gaeco Nacional, eu confesso que não ficou claro para mim o que seria esse Gaeco Nacional, mas eu imagino que seja uma espécie de força-tarefa integrada entre as forças policiais e o Ministério Público, que é a forma de atuar dos Gaecos estaduais. O antigo procurador-geral da República, doutor Augusto Aras, já criou o Gaeco Federal, do Ministério Público Federal, à semelhança do que acontece nos Gaecos estaduais. Eu imagino que o debate proposto pelo secretário nacional seria a criação de uma força integrada nacional, trazendo à baila da integração dessa estrutura o Ministério Público brasileiro e participando diretamente das investigações que têm um âmbito nacional e pode ser acionada nas maiores crises que aconteçam em cada estado. Então, eu acho que é muito preliminar ainda falar de constitucionalidade, inconstitucionalidade da criação desse Gaeco Nacional. O Ministério Público não está dentro da estrutura do Executivo e a Secretaria Nacional de Segurança Pública é órgão do Executivo Federal. Eu acho que a expressão Gaeco Nacional veio de uma história do procurador Mário Sarrubo dentro do Ministério Público de São Paulo e na condição de presidente do Grupo Nacional de Combate às Organizações Criminosas, que é um grupo que reúne justamente os Gaecos de cada unidade estadual. Eu não teria como comentar sobre constitucionalidade e legalidade. O que eu posso marcar é que o Ministério Público não tem vinculação, não faz parte da estrutura do Executivo, mas está sempre pronto para participar e colaborar nessa temática, integrando qualquer força-tarefa que seja criada no âmbito da Secretaria Nacional de Segurança Pública.

 

O senhor citou a PGR. A gente vê, desde a Operação Lava Jato, uma espetacularização da atuação do MPF. Como percebe esse cenário de um possível estrelismo do Ministério Público? Na Bahia a gente tem esse cenário um pouco mais tímido, mas o senhor percebe esse papel?

A expressão que eu usaria para atuação do Ministério Público da Bahia não seria tímido, seria uma atuação responsável. Eu defendo dentro do Ministério Público da Bahia e defendo quando o diálogo para fora, que há um amadurecimento da instituição nesse sentido. O Ministério Público deve prestar informações do seu trabalho, deve dialogar com a sociedade, com a imprensa, mas dentro do espectro que não se destrua reputações e que não se antecipe o julgamento dos investigados, e a instituição vem cumprindo esse roteiro. Eu falei aí de números elásticos, números bastante expressivos de atuações, de operações, de atuações sensíveis de repercussão social, mas a sua fala sobre a timidez da atuação do Ministério Público acho que demonstra de forma clara de que não houve essa espetacularização na atuação do Ministério Público da Bahia. Sobre a Lava Jato, eu acho que nacionalmente já foi discutido o roteiro daquela operação, que não se confunde também com o Ministério Público Federal como um todo, ali foi uma atuação do Ministério Público Federal em Curitiba, mas eu acho que dentro do Ministério Público da Bahia a gente tem uma linha clara compreendida pelos membros que atuam em questões sensíveis, da importância de se respeitar os espaços e o que vai ser divulgado é aquilo que não compromete a investigação, nem expõe o investigado. Eu acho que essa é uma forma responsável de trabalhar, atuar, atuar em silêncio, mas sempre dando transparência à atuação e preservando esses dois valores.

 

O senhor acha que pode ter tido uma politização do papel do que é o Ministério Público, tanto a nível federal quanto estadual?

Pois é, eu vou falar novamente sobre a realidade do Ministério Público da Bahia e desde a formação dos promotores, eu participei ativamente nos últimos cursos de formação dos promotores, o que a gente transmite é que deve se respeitar o espaço de quem foi legitimado através do voto popular para ocupar o cargo de gestor. Então, o promotor de Justiça não pode chegar e começar, através de recomendações e ações, pautar a atuação do gestor municipal, estadual, federal, mas o Ministério Público deve sim observar se há uma atuação desse gestor em conformidade com as normas constitucionais. O papel de fiscal não se confunde com a substituição do gestor, então o promotor de Justiça não deve querer ser o prefeito, o governador, o presidente. Não cabe ao Ministério Público isso aí. Eu acho que uma atuação responsável do Ministério Público, como vem ocorrendo dentro do Ministério Público da Bahia pela totalidade de seus membros, traz uma tranquilidade tanto no meio político quanto da sociedade civil que vê resguardar seus direitos, mas também não vê uma usurpação dessa função de gestor por parte do Ministério Público. Acredito que a gente tem acertado nos últimos anos, a partir de um processo de diálogo interno, de compreensão desse cenário, de compreensão da posição constitucional de cada poder e do Ministério Público que não integra nem o Executivo, nem o Legislativo, nem o judiciário, permeia entre os poderes cumprindo seu papel de fiscal, uma compreensão e desse papel para ter uma atuação amadurecida e que  fortalece não só a posição do Ministério Público, mas serve realmente como uma instituição que entrega ainda mais para a sociedade sem se usurpar de qualquer atividade que não seja aquela que está demarcada e delimitada pela Constituição Federal. 

 

Gostaria de acrescentar mais alguma coisa? O espaço está aberto para as considerações finais. 

Dizer que eu vou estar sempre à disposição é da imprensa baiana para poder prestar contas do trabalho do Ministério Público. Estou muito motivado para esse biênio à frente da instituição. Eu sou promotor por vocação. Saí da faculdade de Direito e prestei concurso para o Ministério Público da Bahia, antes de ser promotor de Justiça eu era estagiário do Ministério Público, estagiário de direito, e recebo essa oportunidade de ser Procurador Geral de Justiça como um momento para poder realmente servir de forma plena à minha instituição e à sociedade baiana.