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Marca Bahia Notícias Justiça

Entrevista

Diversificar o judiciário pode impactar nos julgamentos de casos de violência de gênero, aponta diretora da Tamo Juntas

Por Camila São José

Diversificar o judiciário pode impactar nos julgamentos de casos de violência de gênero, aponta diretora da Tamo Juntas
Foto: Gabriel Lopes / Bahia Notícias

De acordo com o Anuário do Fórum Brasileiro da Segurança Pública no ano passado, 245.713 casos de violência doméstica foram registrados no Brasil. O aumento dos números reforça a necessidade em torno do debate da violência de gênero. E como o poder judiciário tem papel nessa discussão?

 

A advogada e diretora da Tamo Juntas, Letícia Ferreira, conversou com o Bahia Notícias sobre os avanços, obstáculos e desafios no combate à violência doméstica e familiar. A ONG, fundada em Salvador em 2016, atua diretamente na proteção a mulheres vítimas de violência e com ações preventivas, numa perspectiva multidisciplinar. 

 

Sobre o sistema de Justiça, Ferreira comenta a instituição do protocolo para julgamento com perspectiva de gênero, a derrubada da legítima defesa da honra e a urgência de ter um judiciário mais diversificado, com a presença de mais mulheres, pessoas negras e outras representações. Para a advogada, a pluralidade nos membros dos órgãos que compõem a Justiça brasileira também podem refletir nos julgamentos dos casos de violência contra mulher. 

 

Mesmo com a intensificação de campanhas e abordagens sobre o tema, os índices de violência contra a mulher no Brasil apresentaram alta em 2022, como apontou o Anuário do Fórum Brasileiro da Segurança Pública divulgado em junho deste ano – principalmente os casos de estupro e feminicídio. Nos casos de violência doméstica, foram 245.713 registrados no último ano. Como acredita que o sistema de justiça pode trabalhar em conjunto com as forças de segurança, o executivo e legislativo para reverter este cenário?

 

Eu acho que é importante a gente pensar em estruturas que visem uma rede de atendimento de proteção para além somente da responsabilização criminal. O que nós temos incidido muito é que essa rede de proteção pode evitar feminicídios, pode fazer com que a violência cesse no estágio menos letal do que o que ela tem acontecido. Geralmente a rede de Justiça, a rede de segurança pública criminal vai atuar muito após o crime ocorrer, então a gente já tem um dano que a gente tem que dar suporte a essa vítima e a gente entende também os limites dessa responsabilização criminal, e do quanto isso não é reverberado de fato em uma diminuição dos crimes, das ocorrências de feminicídio. Eu particularmente acredito que além do sistema de Justiça e da segurança pública que agem após o crime, deve haver um reforço e uma prioridade no fortalecimento dessa rede de atenção, dessa rede de proteção que envolve assistência social, políticas de enfrentamento à violência preventivas, educação, mídia e comunicação, envolve também a ação de segurança pública e do Executivo sobre outras incidências que a gente percebe que incidem nesse aumento que é a liberação de armas. Quando a gente tem uma maior flexibilização na questão do porte de armas e na compra de armas, até dos clubes de tiro que estão bastante populares agora no Brasil, a gente está vendo um crescimento [dos casos de violência]. Outra situação que eu acho que a segurança pública e o próprio sistema de Justiça devem incidir mais fortemente é sobre a criação de grupos de ódio, grupos misóginos, esses ‘red pills’, como isso tem fomentado mais violência. Acreditamos que isso também é um ponto de incidência, que a gente possa atuar especialmente na prevenção e de forma integrada, compreendendo que não adianta somente penalizar e criminalizar esse agressor, que isso não tem tido uma função de diminuição dos crimes. Hoje a gente tem a Lei do Feminicídio, a Lei Maria da Penha já há 17 anos consolidada e a gente não consegue ver essa diminuição, e principalmente nos últimos anos tem visto um aumento. 

 

Dentro dessa lógica punitivista, se cobra muito a punição do agressor, mas a gente vê um índice de reincidência muito alto. Como assegurar a redução desses números de reincidência? Como vocês, atuantes nesta área, têm debatido o tema? 

 

Eu acho que a gente tem que trabalhar com ações preventivas, ações educativas, trabalhar numa perspectiva geracional da sociedade. Devemos incluir esse debate em escolas, no trabalho, nos diversos ambientes, e também desmistificar o que é a violência de gênero e a violência contra as mulheres, que ainda está muito centralizada na violência física e na ocorrência entre parceiros, ex-companheiros – que sim, representam hoje a maioria, mas a gente ainda tem muita violência invisibilizada. Muitas formas de violência acontecem e elas estão naturalizadas.

 

Patrimonial, psicológica…

 

É, patrimonial, psicológica. Estão naturalizadas nas relações familiares, nas relações afetivas e acabam não vindo à tona, e acabam só vindo à tona num momento mais gravoso, quando tem um feminicídio, uma tentativa de feminicídio. Então, eu acredito que também é importante que o sistema de Justiça reflita sobre a condução desses processos criminais, de como as vítimas se sentem nesses processos. Porque existe também uma centralidade nessa preocupação muitas vezes de condenação, e uma precarização de outras redes que dão suporte às famílias, à vítima. Tem uma série de consequências sociais da violência de gênero, no mercado de trabalho, que não têm a devida repercussão e que acabam revitimizando mulheres, e que também acabam perpetuando violências, a reincidência. A gente vai falar reincidência no Direito quando já tem uma condenação. Infelizmente, atualmente, a gente tem hoje ainda uma dificuldade da própria condenação porque os inquéritos são muito demorados, quando eles chegam no judiciário para se tornar uma ação penal muitas vezes quando as ações são crimes de ameaça, por exemplo, já estão prescritos e o Estado já não pode mais punir esses agressores. Então, até o próprio sistema de punição é falho pela precarização dessa rede de proteção.

 

Foto: Gabriel Lopes / Bahia Notícias

 

Acha que esse debate passa também por uma revisão do Código Penal? Seria necessário pensar isso ou não?

 

Eu não acredito. Eu tento deslocar o meu debate para outras formas de enfrentamento à violência, acho que no Brasil nós temos vários instrumentos repressivos e que, infelizmente, as reformas do Código Penal caminham sempre para o aumento dessa repressão, dessa função repressiva do Direito e eu não acredito que isso tenha surtido efeito, principalmente nessa seara. Acho que as prisões por descumprimento de medida protetiva são importantes, porque garantem a integridade física e psicológica da mulher, e de fato isso tem conseguido ter o efeito, digamos, mais simbólico da própria medida protetiva, reverbera melhor para que esse agressor cumpra a medida protetiva, sob o risco de ser preso em caso de descumprimento. Mas, eu acredito que o enfrentamento à violência contra a mulher vai passar muito mais por um trabalho em rede, por fortalecimento de serviços de proteção e de apoio, prevenção, educação, informações corretas e de acesso às políticas públicas do que a gente focar somente na função repressiva. E isso, eu acho que é amplo no Brasil. A gente sempre foca na repressão, no aumento de pena. O que a gente tem aí? Um superencarceramento que caminha também ao lado com uma violência que tem também crescido. Eu acredito que essa ineficácia vem justamente por essa centralidade na questão repressiva do direito sem se atentar que, principalmente, situações de violações de direitos humanos devem focar em prevenção, educação, informação, acesso e políticas sociais integradas. Então, que essa mulher possa recorrer ao sistema de Justiça, mas que junto com essa denúncia, essa ocorrência com a medida protetiva, ela também possa ter política pública de acesso a emprego e renda, de moradia e habitação, de acesso à informação. Acho que essas demandas precisam ser compreendidas em conjunto para que consigamos fazer um enfrentamento intersetorial, e em rede. O enfrentamento somente repressivo é falho e ineficaz. 

 

Segundo levantamento feito pelo Elas no Congresso, projeto da revista Az Mina, no Congresso há quase 20 projetos de lei em tramitação que propõem a suspensão do porte, a proibição da aquisição e apreensão de arma de fogo de pessoas com denúncia de violência doméstica ou contra a mulher; e projetos que entendem que a solução para a violência de gênero é armar as mulheres. Acredita que este é um caminho possível ou se trata apenas de mais uma lógica punitivista sem pensar nessa rede de apoio?

 

A lógica de privatização da vingança. Seria assim uma transferência desse poder punitivo até para um poder de vingança privada. Isso é um retrocesso civilizatório, porque quando você tem o Estado para mediar essas relações, que tem o poder repressor para fazer isso e o poder legislativo e a sociedade caminham para armar a população para se defender, nós estamos aí assinando um pacto anticivilizatório praticamente. As armas de fogo representam, isso também algumas pesquisas já trazem, um aumento da violência doméstica, um aumento das ocorrências letais de violência. Então, que nem as vítimas nem os agressores possam ter o acesso flexível a armas, porque o que tem se mostrado é que de fato isso piora as ocorrências letais que são aquelas que não existem mais possibilidade de fazer qualquer enfrentamento. Aí, só nos resta de fato punir os agressores, prender. 

 

Sobre a questão de julgamento, o CNJ já instituiu o protocolo para julgamento com perspectiva de gênero. No entanto, ainda existem relatos de má conduta de magistrados. Teve o caso de Mariana Ferrer e recentemente um juiz foi acusado de constrangimento durante audiência sobre assédio sexual, em Juazeiro do Norte. O que tem mudado na prática com a aplicação deste protocolo, tanto no processo judicial quanto no julgamento?

 

Eu acho que até o fato da gente ter conhecimento dessas situações é um sinal importante de mudança. A sociedade perceber que pode sim questionar a postura do judiciário, que o judiciário deve estar pautado pelo respeito, assim [pela] absoluta dignidade das pessoas que estão ali. A gente tem instrumentos de pressionar o judiciário e esses agentes da Justiça a se comportarem de forma condizente com respeito, integral dignidade das vítimas, que excluam situações vexatórias, constrangedoras. Acho que esse protocolo é um instrumento de algo que tem sido denunciado e que tem sido muito abafado. Porque a gente tem no sistema judicial, um sistema muito corporativo e que é muito difícil que você consiga fazer mudanças estruturais, um poder ainda majoritariamente masculino, branco, com pessoas com privilégios de classe, então você tem esses valores reverberados no sistema de Justiça porque são essas pessoas que tão ali conduzindo audiências, fazendo sentenças. Também acho que esse protocolo é uma mudança importante e ele é fruto dessas denúncias. Como o próprio CNJ que já é um órgão que foi um avanço no poder judiciário, porque ele proporciona que o poder judiciário tenha algum tipo de controle, que ele não só se autorregule, mas que também tenha uma regulação externa que é tão importante e necessária porque implica diretamente na vida das pessoas. Então o protocolo de gênero é um avanço, mas a gente ainda tem o desafio que ele seja cumprido integralmente. Acho que atualmente teve um avanço muito importante na defesa de direitos das mulheres que foi a proibição da tese de legítima defesa da honra. 

 

Esse é um outro ponto que eu ia entrar, a tese de legítima defesa da honra derrubada pelo STF no início do mês de agosto.

 

Isso assim, é um avanço histórico, importantíssimo, sabendo quantos feminicídios já saíram impunes historicamente no Brasil, quantos assassinatos de mulheres, quantas mulheres foram assassinadas e os seus algozes não tiveram qualquer resposta criminal com base na legítima defesa da honra. Como se a honra desse agressor fosse mais importante do que o valor da vida. Isso foi sendo combatido, denunciado já desde a década de 60, de 70 pelo movimento de mulheres e finalmente agora a gente tem uma previsão definitiva do STF quanto à legítima defesa da honra. Isso para nós é uma vitória.

 

Foto: Gabriel Lopes / Bahia Notícias

 

É um impacto bem grande… 

 

É um impacto muito grande, principalmente, no tribunal do júri onde são julgados os crimes contra a vida. Os feminicídios mais assassinatos de mulheres são julgados nessa via do Tribunal do Júri e ainda, infelizmente, a tese de legítima defesa da honra era muitas vezes aventada como uma autorização para que homens matassem mulheres em nome da sua própria honra. Isso era uma objetificação de mulheres, um desprezo pela vida das mulheres e que estava ali em muitos julgamentos sob o argumento da defesa plena. Então, a gente começa a ter uma baliza, uma régua melhor que vai considerar mulheres como sujeitos de direito, porque a gente tem esse processo político no sistema de Justiça que é que o sistema compreenda e atue na defesa de mulheres como sujeitos de direitos em iguais condições aos homens, e que essas desigualdades possam ser suplantadas. Mas para isso a gente precisa de ações, precisa do protocolo de gênero, proibir a legítima defesa da honra, precisa que os crimes de violência de gênero tenham prioridade de julgamento, de tramitação e que principalmente essas mulheres não sejam revitimizadas no sistema de Justiça porque isso afasta muitas mulheres. Quando uma mulher vê na televisão a Mariana Ferrer, aquela audiência, quantas vezes ela vai pensar antes de denunciar a violência sexual que ela sofre? É muito importante que a gente garanta um sistema de Justiça, um sistema de segurança pública, de proteção a mulheres que não revitimize e que considere que elas são sujeitos de direitos e iguais, em condições equânimes e que possam assim ter seus direitos protegidos e garantidos. Porque ainda é uma batalha, não está não colocada, não está posto.

 

Você chegou a pontuar o perfil das vítimas. A maioria delas é de mulheres negras, de baixa renda e pouca escolaridade. Do outro lado, no sistema judiciário temos a predominância entre juízes, defensores públicos, promotores, procuradores, desembargadores de homens, brancos e até com uma linha mais conservadora. Acredita que isto impacta no acolhimento das vítimas e, consequentemente, no julgamento dos casos de violência de gênero, doméstica e feminicídios?

 

Certamente. Eu acho que isso tem um impacto sim, ainda que a gente tenha o valor da imparcialidade para o judiciário, nós percebemos o quanto é difícil o enfrentamento diário nos processos, nas audiências. Aí a gente vai ver historicamente mesmo, institucionalmente, somente em 2022 a gente consegue instituir um protocolo de gênero, somente em 2023 a gente derruba uma tese de legítima defesa da honra que já foi legitimada por muitos juízes e pelo sistema judiciário ao longo do tempo. Então a gente tem um enfrentamento, inclusive uma luta recente do movimento de mulheres, do movimento de mulheres negras e do movimento negro, é que tenha uma mulher negra no STF e que elas possam também estar em diversos espaços e instâncias de poder do sistema de Justiça. A gente percebe que quanto maior a hierarquia do sistema de Justiça, quanto maior o posto hierárquico mais branco, mais rico, mais masculino se torna o sistema de Justiça. A gente tem já muitas mulheres, acho que até a maioria como advogadas, por exemplo, nas categorias de juízas de primeiro grau, já temos uma inserção, mas a gente percebe que quando o posto sobe você vai tendo uma menor representação até que ela se torna muito mínima. Isso sem dúvida impacta, impacta principalmente nessas ações que têm repercussão institucional, então num protocolo de gênero, numa derrubada de tese da legítima defesa da honra, quando a gente leva, por exemplo, a pauta dos direitos sexuais e reprodutivos para o STF. Quem está lá decidindo por nós? Quem é que pode falar sobre tantas mulheres que são vítimas? Que morrem em razão de abortos legais e inseguros no Brasil e não tem garantido isso? Muitas vezes não tem garantido nem o direito ao aborto legal, que é um direito também das mulheres garantido desde 1940. É um debate que muitas vezes essas pessoas que dependem do sistema público não vão conseguir travar, porque não têm condição de travar – seja pela proteção da sua vida, seja pela garantia de um direito que está estabelecido. Então, quando a gente começa a ter mais mulheres, mais negros e negras, mais pessoas que têm pertencimento da classe popular e conseguem entrar na hierarquia do judiciário, eu acho que maiores são as possibilidades da gente pluralizar, diversificar e trazer mais elementos para ações institucionais do sistema de Justiça. A gente não pode focar em decisões pontuais, mas numa mudança estrutural mesmo desse sistema que historicamente tem servido não para garantir direitos de forma equânime, mas tem servido para garantir e manter privilégios, e manter uma impunidade e ser insatisfatório na proteção e garantias de direitos humanos. É isso que a gente tem debatido, o sistema de Justiça precisa ser mais eficaz na proteção e garantia dos direitos humanos, não pode se ausentar, essa é a sua grande missão. A gente vai ver um sistema que super encarcera a população jovem negra periférica e ao mesmo tempo não tem impunes situações flagrantes de violação de direitos. Eu acredito que quanto mais a gente pluralizar, diversificar e trazer representatividade nesse judiciário mais possibilidade a gente tem de mudar esse quadro no Brasil.

 

A gente pontuou muitos problemas, mas é possível ter um raio-X positivo desde a sanção da Lei Maria da Penha, que se tornou uma grande referência, em 2006?

 

Acho que a gente tem sempre muitos problemas a apontar, mas é sempre bom apontar coisas positivas. A Lei Maria da Penha tem 17 anos, é um marco político, medidas protetivas têm sido concedidas, a gente tem avanços nesse sentido de poderem ser concedidas em prazo menor, no relato da mulher e da manifestação do temor pela vida delas já serem suficiente para conceder a medida protetiva, da desnecessidade atual de ter uma ocorrência policial pra ter uma medida protetiva, na implantação de centros de referência, de delegacias especializadas. As delegacias são desde a década de 80, mas a gente atualmente teve uma legislação que traz a obrigatoriedade dessas delegacias funcionarem 24 horas – uma luta para efetivar –, mas é um instrumento que a gente tem para cobrar isso. Então tem avanços sim no enfrentamento violência doméstica e familiar, se a gente pensar que antes da Lei Maria da Penha, muitas dessas agressões iam parar no Juizado e as sentenças eram cesta básica. E a Lei Maria da Penha veio para proibir, veio pra proibir que um agressor pague cesta básica como pena. A importância que esse tema tem tomado, os instrumentos que a gente tem avançado, ainda temos muito a avançar, principalmente nesse campo da prevenção, da educação, do enfrentamento nesse campo integrado, de diversas políticas públicas integradas e atuando nesse sentido, não só a segurança pública e o sistema de justiça criminal, mas uma integração que a Lei Maria da Penha propõe. Então, isso já é um avanço muito importante. Mesmo que os números agora tragam uma realidade preocupante que é do aumento, principalmente após pandemia, eu acho que isso também é contextual, é conjuntural do que a gente teve na pandemia, um desmonte dos serviços públicos. A gente teve um desmonte grave, uma redução imensa no orçamento desse serviço, da manutenção desse serviço e sem orçamento público que priorize o enfrentamento à violência doméstica. Nós não temos ações. Porque a sociedade civil se mobiliza, se organiza, a Tamo Juntas é um reflexo, é uma organização que faz isso, faz controle social, incidência, acolhe também mulheres, mas nós não somos o Estado. É o poder público que precisa providenciar centros de referência, assistência multidisciplinar a mulheres, abrigamentos especializados, que seja também núcleos reflexivos para agressores se for esse caso, enfim várias medidas, ações educativas, medidas que precisam ser priorizadas pelo orçamento público. Nós temos política pública, avanço e por que os números não avançam? Porque a gente teve uma queda de investimento nessas áreas muito grave, e esses serviços com a queda de orçamento, de investimento vão fechando, precarizando. A psicóloga tem uma lista de espera, porque só tem uma psicóloga, só tem uma Deam para atender vários municípios, a polícia não consegue ter uma estrutura para absorver as denúncias. A gente tem na Bahia 17 delegacias especializadas e temos 417 municípios. Temos três abrigos para mulheres em situação de violência, e 417 municípios. Temos pouquíssimas várias especializadas de violência doméstica. Então, essa falta de investimento reverbera nesses números. 

 

E para encerrar, no sentido de uma orientação mesmo, gostaria que dissesse porquê é importante essas mulheres buscarem os órgãos de justiça e como tem sido o tralho da Tamo Juntas nesses sete anos de atuação.

 

Nossas ações sempre estão aliadas em eixos da educação popular em direitos humanos, de dialogar com essas mulheres, de fazer rodas de conversas, materiais informativos, parcerias, justamente para não naturalizar as violências, despertar a identificação da violência. A gente sabe que identificar precocemente a violência é definitivo para evitar mortes. Nós queremos ter essa ação preventiva, oferecer o acolhimento sem essa perspectiva da revitimização, observando que é importante ter um acolhimento que seja empático, que seja na nossa perspectiva também feminista, acreditando que a violência nunca é culpa da mulher, nunca é responsabilidade da mulher. Desmistificando esse lugar, porque essa mulher precisa de proteção e apoio, e não de julgamento, não de sofrimento. A gente tem atuado nessa perspectiva de prestar assessoria individualizada para mulheres em situação de violência e vulnerabilidade social, mas também de fazer um projeto de diálogo, de conversa, de acolhimento, multidisciplinar, nossa organização é multidisciplinar. A gente entende também que a atuação no sistema de Justiça é muito limitada, de que a gente precisa ter um suporte sócio jurídico, psicossocial pra essa mulher, fazer com que essa mulher acesse políticas públicas e atravessar com ela um pouco essa trajetória que é de superar a violência.