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Marca Bahia Notícias Justiça

Entrevista

Nova Lei de Licitações pode ajudar no combate às fraudes, aposta especialista

Por Camila São José

Nova Lei de Licitações pode ajudar no combate às fraudes, aposta especialista
Foto: Bahia Notícias

A partir de 1º de abril, novas normas gerais de licitação e contratação para as Administrações Públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, dos Estados, do Distrito Federal e municípios, entrarão em vigor. A Lei 14.133/21, conhecida como a Nova Lei de Licitações e Contratos, entrará em vigor completamente a partir desta data. 

 

Em entrevista ao Bahia Notícias, a advogada, especialista em licitações e contratos administrativos e Direito Público, consultora jurídica no ramo do Direito Público municipal, notadamente em licitações e contratos administrativos, desde 2009, Eliene Neiva esclarece os principais pontos da nova legislação. 


“Embora ela seja bem mais complexa, eu acredito que vai ajudar bastante o município. Porque a nova lei de licitações implementa mudanças profundas no processo de licitação, para tornar a contratação de bens e serviços mais eficiente”, afirma.

 

Na visão da advogada, a nova lei também será um instrumento para o combate às fraudes nos processos licitatórios. “Justamente porque existem etapas a serem seguidas, o que antes não tinha. E com as etapas a serem seguidas, a possibilidade de erro, fraude, de benefícios a terceiros diminui”, sinaliza.

 

Por quanto tempo ficou em vigor a Lei 8666/93? Por que os municípios, os poderes públicos precisam adotar um sistema de licitação?

Curiosamente, acho que a gente nunca falou tanto em licitação como nos últimos dois anos. A Lei 8.666 é de junho de 93, esse ano ela completa 30 anos de vigência. Justamente neste ano, em que completa 30 anos, é que vai acontecer a sua revogação completamente. A Lei 8.666 era muito antiga e muita coisa mudou nesse período, inclusive em termos de necessidade da Administração Pública e prazo para atendimentos de cada uma delas. Por isso, era preciso garantir um processo menos engessado, mais objetivo e transparente. Então, a partir do dia 1º de abril de 2023 é que a gente vai deixar de utilizar a Lei 8.666 e vai passar a utilizar uma nova lei de licitação, que é a Lei 14.133. E qual a importância da licitação em si? A licitação é um procedimento formal para que a administração pública – quando eu falo administração pública eu falo todos os entes federativos, seja ele Estado, União ou município – quando precisam adquirir determinado produto, contratar determinado serviço precisam adotar o procedimento licitatório. Então, é uma obrigação legal.

 

Qual o desafio dessa nova lei de licitações? Como era e como passa a ser agora?

A Lei 8.666, como eu falei, tem 30 anos, então a gente entende que uma coisa que tem 30 anos tem um certo tipo de vida. Ela deixou de atender às necessidades completas da Administração Pública, porque houve muita mudança na legislação, muitas mudanças em termos de procedimentos, e a lei ficou desatualizada. A partir do momento que foi necessário buscar novas formas de procedimento, novos regulamentos, aí veio a necessidade de uma mudança completa. A Lei 14.133 veio para aperfeiçoar os processos licitatórios do país, garantir mais agilidade para a compra ou contratação de bens e serviços, bem como mais transparência para todo o processo. Além disso, ela deve diminuir os custos operacionais, já que a nova lei estabelece que as licitações devam acontecer por meios eletrônicos como regra, sendo a licitação presencial a exceção. A nova lei de licitações trouxe muitas mudanças e atualizações, entre elas regulamentar a rotina de compras das entidades governamentais, fase de planejamento, extinção das modalidades convite e tomada de preços, e a inserção da nova modalidade diálogo competitivo. A proposta da Lei 14.133 é justamente acompanhar a evolução dos tempos, é tornar o processo menos engessado, menos burocrático, mais objetivo, transparente e dinâmico.

 

Qual a importância do planejamento para implantação dessa nova lei?

Na Lei 8.666 não se falava tanto de planejamento. O planejamento foi elevado a princípio das licitações e dos contratos, em conformidade com o caput do artigo 5º da Lei nº 14.133/2021, e o legislador houve por bem dedicar à fase preparatória, em que ocorre o planejamento, um capítulo inteiro da nova lei, o Capítulo II do Título II. O que entendo que é algo extremamente necessário e útil para Administração Pública, porque muitas vezes a Administração Pública fazia compras sem planejamento, com o planejamento o município passa a pensar de uma maneira mais organizada.

Dito isso, podemos ressaltar que a fase preparatória inaugura a sequência do processo de licitação e se caracteriza pelo planejamento e deve compatibilizar com o plano de contratações anual, sempre que elaborado, e com as leis orçamentárias, bem como abordar todas as considerações técnicas, mercadológicas e de gestão que podem interferir na contratação, e, ainda, compreende a elaboração de estudo técnico preliminar; termo de referência; orçamento estimativo; análise de riscos; instrumento convocatório; minuta de contrato; e ata de registro de preços, se for o caso, constituindo-se num dos seus pilares fundamentais.

 

Como fica a dispensa de licitação na nova lei. Qual a diferença entre a dispensa na Lei 8.666 e na Lei 14.133/2021?

O artigo 75 da NLLC (Nova Lei de Licitações e Contratos) estabelece 29 hipóteses nas quais a licitação pode ser dispensada, sendo que, destas, 25 já eram previstas anteriormente na Lei 8.666/93. A alteração mais evidente da NLLC reside na majoração dos limites de dispensa em razão do valor (art. 75, incisos I e II). Outro ponto importante em relação a essa dispensa é a atualização anual de valor, conforme previsão do artigo art. 182 da nova lei. Essa correção será realizada pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E). A título exemplificativo, os valores na edição da Lei era R$ 100.000,00 para obras e serviços de engenharia e para serviços de manutenção de veículos, foram atualizados e hoje estão 114.416,65 e para outros serviços e compras que era de R$ 50.000,00, foram atualizados, passando para R$ 57.808,33, ou seja, já houveram duas atualizações desde a edição da lei em 2021.

Outra alteração está relacionada à transparência que, pela nova Lei 14.133/2021, prevê, dentro do art. 75, § 3º, que seja realizada a adoção preferencial de divulgação da dispensa de licitação por valor (aviso) em sítios eletrônicos das respectivas esferas, para que seja possível a participação de empresas que, além de oferecer o melhor preço, também sejam o melhor custo-benefício para a Administração Pública. Essa divulgação deve acontecer em um prazo de, no mínimo, três dias, com a especificação do objeto. No campo da inexigibilidade, a vantagem permeia o campo da exclusão do termo “singular”, visto que empresas ou profissionais que são renomados podem ser contratados por sua relevância e renome no serviço que é esperado pela Administração Pública. Ainda trouxe para esta modalidade os processos de contratação de aluguel de imóveis, que na Lei 8.666/93 eram realizados por processo de dispensa.

 

E a questão do Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), o que ele é e por que é inovador nessa Nova Lei de Licitações?

O Portal Nacional de Contratações Públicas é um marco inovador no Direito Administrativo, trazido pela Lei Federal 14.133, no seu artigo 174, é o sítio eletrônico oficial destinado à divulgação centralizada e obrigatória dos atos exigidos pela já mencionada lei e já está em funcionamento, o mesmo será gerido por um comitê cuja composição e atribuições foi materializada pelo Decreto Federal nº 10.764/2021. Em relação à adoção do PNCP, a Nova Lei de Licitações prevê uma regra especial para os municípios com até 20.000 habitantes – que terão o prazo de 6 anos, contado da data de publicação da lei, em 2021, para cumprimento das regras relativas à divulgação neste portal, até 2027.

 

Quando entrará em vigor a nova Lei de Licitação?

A nova Lei entrou em vigor na data de sua publicação, em 1º de abril de 2021, conforme previsão contida no artigo 194. No entanto, as leis anteriores que disciplinam a matéria – Lei nº 8.666/93, Lei nº 10.520/00 (Lei do Pregão) e Lei nº 12.492/11 (Regime Diferenciado de Contratação) – não foram revogadas imediatamente, pois ficou estabelecido que permaneceriam vigentes por dois anos, ou seja, até o dia 1º de abril de 2023.

 

A nova Lei de Licitações necessita de regulamentação para ser usada, por quê?

A Lei n º 14.133 institui normas gerais de licitações e contratos administrativos. Vale dizer, há dispositivos da nova lei que, para serem aplicados, dependem de edição de outros atos regulamentares, inclusive na lei, há aproximadamente 50 pontos que precisam de regulamentação. É evidente que, sob determinado aspecto, os municípios podem aplicar a nova lei sem a edição de regulamentação própria. Poderão, inclusive, aplicar os regulamentos editados pela União para a sua execução (artigo 187). Contudo, entendo que há uma disparidade entre o nível de maturidade e de estrutura dos órgãos municipais, especialmente dos pequenos municípios se comparado à estrutura dos órgãos da Administração Pública Federal se mostra um empecilho à adoção cega das regras editadas pelo governo federal, inviabilizando o atendimento de todos os seus termos, podendo ser objeto de apontamento pelos órgãos de controle.

Assim sendo, entendo ser essencial que os municípios normatizem alguns artigos em âmbito local para tratar das excepcionalidades e particularidades de cada ente federativo, sempre observando as normas de caráter geral, para que não inove algo que já é obrigatório a seguir e isso certamente será eficaz para evitar erros grosseiros (condutas praticadas com culpa grave – grave negligência, grave imprudência ou grave imperícia).

 

 

Por que tanto se fala em capacitação de servidores desde a edição da referida lei? Tem uma deficiência dos servidores no entendimento dela, no processo de licitação?

A capacitação, treinamento e aprimoramento profissional constante são necessidades permanentes de todos os profissionais, independentemente da área, esfera ou setor em que atuem. Assim sendo, a capacitação dos agentes públicos também tem sido uma cobrança constante dos Órgãos de Controle compromissados com a boa governança e a moderna gestão pública, ágil e transparente. Outrossim, com o surgimento da Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei Nacional n.º 14.133/2021), a capacitação dos agentes públicos para o desempenho das funções essenciais se mostra imperativa, face ao disposto no inciso II do artigo 7º e inciso X do §1º do art. 18, art. 171, § 3º e artigo 173, da referida norma.

 

Quais as modalidades licitatórias a serem extintas?

O convite e a tomada de preço, eles não estão disciplinados na Lei 14.133. Então, eles só podem ser utilizados até o final do mês de março, dia 31. Portanto, as modalidades de convite e tomada de preços não são previstas na Lei nº. 14.133/2021 e serão extintas quando da revogação da Lei nº. 8.666/93, a partir de 1º de abril de 2023.

 

E serão substituídos por alguma outra modalidade?

No artigo 28 da Nova Lei de Licitações e Contratos são previstas como modalidades de licitação: pregão, concorrência, concurso, leilão e diálogo competitivo. Entre essas, cabe ressaltar que o diálogo competitivo é uma nova modalidade, veio como uma inovação da nova lei.

 

Como seria o diálogo competitivo? Já está sendo aplicado ou ainda não?

Não. O diálogo competitivo, grosso modo, é quando Administração deseja fazer uma contratação em que o objeto da licitação não é um bem ou serviço de uso comum, ou seja, que não pode ser encontrado com facilidade em vários fornecedores diferentes ou que quando o objeto deve ser desenvolvido sob medida para a atender a demanda. Então, existe o diálogo competitivo justamente para que sejam convidadas empresas para que junto com a Administração Pública criarem determinadas soluções.

 

Licitação realizada pela 8.666, e o contrato contínuo assinado ele poderá ter a vigência de até 60 meses? Mesmo após a lei 8.666 ser revogada?

A revogação da Lei nº. 8.666/1993, não altera os contratos contínuos de 60 meses assinados durante sua vigência. No momento de sua prorrogação, permanece obrigatória a comprovação da vantajosidade e a disponibilidade orçamentária. Considerando que a prorrogação contratual não muda o regime administrativo que incide sobre o processo administrativo de licitação, não é possível realizar um aditivo fazendo uso da nova lei ou incorporando elementos nela previstos a um contrato já existente. Os contratos e quaisquer aditivos nele realizados deverão seguir a mesma lei da licitação ou contratação direta que os originaram.

 

E quanto à pesquisa de preços, o que mudou?

Sobre o tema, é sabida a dificuldade enfrentada pela administração na realização do procedimento, quer seja pela diversidade dos objetos contratuais e principalmente a resistência dos fornecedores e prestadores de serviços em apresentar as informações requeridas pela consulta realizada pelos órgãos e entidades para a devida instrução processual.

Com a edição da Lei 14.133, ficou muito claro que o levantamento de mercado e a estimativa do valor da contratação assumem grande relevância para o resultado obtido na contratação. O levantamento de mercado consiste na análise das alternativas possíveis a atender a demanda da administração, devendo a escolha do tipo de solução a contratar encontrar respaldo em justificativa técnica e econômica. Portanto, a partir da identificação da necessidade da administração, busca-se junto ao mercado a solução que melhor atenda ao interesse público e, posteriormente, realiza-se a estimativa do valor da contratação.

A Instrução Normativa número 65, de 7 de julho de 2021, dispõe sobre o procedimento administrativo para a realização de pesquisa de preços para aquisição de bens e contratação de serviços em geral, cabendo ao seu artigo 5º estabelecer os parâmetros a serem observados pela administração pública federal direta, autárquica e fundacional.

Resumidamente devemos entender que a pesquisa de preços não deve revestir-se de mero cumprimento de formalidade, tendo em vista que o valor estimado deve representar aquele praticado no mercado, ou seja, não deve conter sobrepreço ou ser subdimensionado, ao tempo que deve retratar fielmente o objeto pretendido pela administração.

 

Em sua opinião a lei 14.133 vai melhorar o processo de compras públicas? Você está otimista com essa lei?

Sim, sem dúvida. A Nova Lei de Licitações implementa mudanças profundas no processo licitatório, para tornar a compra ou contratação de bens e serviços mais eficientes. E, como tudo o que é novidade requer estudo e adaptação, certeza não será algo simples, mas, trará resultados significativos para a Administração Pública.

Cabe ressaltar ainda, que a melhoria da qualidade das contratações também deve vir da obrigatoriedade de planejamento das ações a serem empreendidas pelos órgãos públicos, com base na apuração criteriosa de suas necessidades ao longo do ano. Temos ainda a tipificação dos crimes relacionados a licitações, que foi reunido em um capítulo próprio no Código Penal. Esses crimes abrangem as condutas de agentes privados e públicos relacionadas a contratações em todas as esferas do setor público, inclusive em empresas estatais e sociedades de economia mista, entendo assim, que as penas ficaram mais duras.

E você está otimista com a aplicação da nova lei? Ela vai ser benéfica para o sistema de compras públicas, municípios, os entes federativos?

Embora ela seja bem mais complexa, eu acredito que vai ajudar bastante o município. Porque a nova lei de licitações implementa mudanças profundas no processo de licitação, para tornar a contratação de bens e serviços mais eficiente. E com certeza não será algo simples, mas trará resultados significativos. Uma outra inovação trazida pela Lei 14.133, que eu entendo também como boa, é que a partir da nova lei de licitações a responsabilização dos atos vai para cada ente que participa do processo, ou seja, eu tenho quem fez o edital, o gestor que autorizou e o pregoeiro que fez o processo licitatório. Então, quando houver uma responsabilização, cada ator desse será responsável dentro do que te compete. Antes, a responsabilização era apenas do gestor municipal, do prefeito no caso.

 

Essa nova lei pode combater com mais facilidade as fraudes em licitações?

Entendo que sim. A princípio para evitar fraudes em licitações, uma estratégia importante é o fortalecimento das medidas de controle sobre os processos de contratação exercidos pelo poder público e nesse quesito ressalto mais uma vez, a importância da etapa do planejamento, uma vez que esta fase tem um papel de destaque na nova lei e esta, estabelece etapas a serem seguidas, o que antes não tinha; a questão da transparência e da responsabilização dos agentes envolvidos na contratação, dentre outros, se forem  realizados corretamente diminui a possibilidade de erro, fraude, de benefícios a terceiros, etc.

 

E os municípios já estão se preparam para aplicar a nova lei? Aqui na Bahia, qual a sensação que você tem?

Eu ainda acho que nem todos os municípios estão com essa preocupação. O que eu vejo é que muitos municípios estão realizando capacitação, estão buscando normatizar a lei para atender às suas necessidades, em contrapartida muitos municípios estão também esperando chegar o dia 1° para poder pensar efetivamente na implantação da Lei 14.133.

 

E esses terão mais prejuízos, podem ter mais problemas por essa demora de capacitação?

Entendo que a capacitação é essencial para que para que todos os envolvidos no processo compreendam os principais pontos e as inovações trazidas pela nova lei, sem a capacitação não vejo como aplicar a Lei 14133 corretamente. A capacitação tem dois focos principais, que são o planejamento da contratação e gestão contratual. É preciso destacar a fase preparatória, que é onde se faz todo o planejamento da contratação e a fase contratual, pois precisamos que os fiscais e gestores de contratos conheçam muito bem como será a atuação deles para fazer a coisa acontecer de fato. Ressalto ainda, que não só pelas várias inovações trazidas pela nova lei, entendo que a capacitação precisa ser algo continuado e não só no momento de implantação da mesma.