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Entrevista

'Defensoria tem se empenhado em atender melhor a população', diz representante da DPU

Por Cláudia Cardozo

'Defensoria tem se empenhado em atender melhor a população', diz representante da DPU
Fotos: Divulgação

Nesta semana, foi comemorado o Dia da Defensoria Pública, uma instituição que tem sido apontada em pesquisas populares como uma das de maior credibilidade perante a população. Ainda assim, a Defensoria Pública enfrenta restrições para atender a população que mais precisa dos serviços prestados por ela: a mais carente, sobretudo, em uma pandemia. O defensor público federal Vladimir Correia, coordenador da área de Direitos Humanos e Tutela Coletiva na Bahia, afirma que a instituição só pode comemorar os avanços obtidos através da própria atuação. 

 

Para ele, é evidente que há um projeto político para “desestruturar por completo o serviço público”. “Apesar disso, temos muito a comemorar dentro do possível. O corpo da Defensoria tem se empenhado em atender melhor a população, ainda mais na pandemia. Talvez a gente possa focar nas comemorações nesses pontos, no que tem dado certo, que é aquilo que podemos fazer e entregar para população”, afirma na entrevista. A Defensoria Pública da União (DPU) possui apenas 639 defensores em todo país, com 1320 servidores, sendo a maioria cedido por outros órgãos, enquanto que, no âmbito do Ministério Público Federal (MPF), são 1.143 procuradores da República, enquanto o país tem aproximadamente 1,8 mil juízes federais. Na Bahia, são apenas 30 defensores da União para atender a toda uma população carente, que precisa de ajuda imediata para receber o auxílio-emergencial.

 

No Dia Da Defensoria, os defensores públicos têm algo para comemorar?

É uma pergunta difícil. No atual estágio que nos encontramos, a Defensoria precisa de muito mais estrutura, de mais investimentos, por parte de nossos governantes. Lógico que a instituição cresceu bastante ao longo do tempo, mas ainda falta muito para atender a população carente brasileira. Ainda neste cenário de pandemia, vemos um debate no Congresso da Reforma Administrativa e o nosso receio é de como isso pode impactar na Defensoria. E temos um governo que quer desestruturar por completo o serviço público. E a Defensoria é um órgão que precisa crescer.

 

Apesar disso, temos muito a comemorar dentro do possível. O corpo da Defensoria tem se empenhado em atender melhor a população, ainda mais na pandemia. Talvez a gente possa focar nas comemorações nesses pontos, no que tem dado certo, que é aquilo que podemos fazer e entregar para população.


A população tem reconhecido mais a importância da Defensoria?

Sem dúvida. Ainda mais agora na pandemia que uma grande parcela da população ficou sem direitos e houve a necessidade de se buscar um órgão para prestar assistência, como no caso do auxílio-emergencial. As pessoas que tiveram dificuldades para obter o auxílio nos procuraram muito. No primeiro momento, 41 milhões de pedidos foram indeferidos por computadores. Fizemos mutirão para atender a população. Fizemos mais de 180 mil atendimentos. Nesse momento de crise, a população precisou mais da Defensoria e ficou evidente o quanto ela precisa de estrutura. E onde mais a Defensoria teve destaque, com serviço evidente, foi na tutela coletiva, principalmente, para atender as comunidades mais vulneráveis, como quilombolas e indígenas. Também movemos ações para medicamentos importantes para a população.

 

As comunidades tradicionais ficaram muito mais expostas e vulneráveis durante a pandemia?

Com certeza. Primeiro, com a saúde. Eles já tem um serviço precário de saúde. Isso, na pandemia, pode gerar um problema maior. Essas comunidades têm dificuldade até com água, que é mais essencial na pandemia. Tem dificuldades com energia elétrica e outros serviços básicos, por exemplo. No início da pandemia, ingressamos com uma ação contra a União e o Estado para que fornecessem cestas básicas, materiais de higiene e de limpeza, além do fornecimento de água potável. Ganhamos a liminar, fizemos audiências e um acordo. Foram mais de 60 mil cestas básicas doadas para essas comunidades. Neste período, também aumentou a violência e o conflito no campo. A política, mentalidade e ideologia do governo federal é de legitimar atos de violência e desestruturar órgãos responsáveis por defender essas comunidades, como a Funai, Incra, Fundação dos Palmares. São crimes praticados por fazendeiros e latifundiários.

 

A Justiça tem se mostrado sensível a esses pedidos?

Com relação à reintegração de posse, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que esses processos devem ser suspensos durante a pandemia. Infelizmente, alguns juízes federais do interior da Bahia não estavam cumprindo essa determinação do STF. Tivemos que ingressar com uma reclamação constitucional. Aí sim, os processos aqui foram suspensos. Mas a situação ainda persiste.

 

Quais os maiores riscos que essas comunidades podem sofrer se houver a reintegração de posse?

Um procedimento desse é bem complexo e gera risco de contaminação. Por outro lado, essas pessoas ficarão sem ter para onde ir com segurança, gerando aglomeração e mais risco de contaminação. No momento da pandemia, essas pessoas não têm condições de se manter. Tirar elas de suas casas é submetê-las a viver em situações de rua ou em muitas situações precárias, o que viola os princípios do direitos humanos e dignidade humana.

 

Você acha que falta sensibilidade dos magistrados?

Não é bem uma crítica aos magistrados, mas ao Judiciário como um todo, que é muito conservador, que tende a proteger muito mais a propriedade do que outras condições sociais de comunidades tradicionais, como o direito à moradia e tudo mais. Nós ainda temos órgãos montados para defender a propriedade. Ainda temos um Judiciário que defende a propriedade, enquanto que nós temos uma constituição federal, que mudou esse paradigma para o princípio da dignidade humana.

 

Como foi o funcionamento da Defensoria nesta pandemia?

Antes da pandemia, nós já vivíamos no limite da nossa capacidade de atendimento, com apenas 30 defensores no estado. É um volume muito grande de ações contra o INSS, contra a Caixa econômica, questões como FGTS, Fies, minha casa minha vida, e ainda fizemos esse atendimento do auxílio emergencial, em um modelo de atendimento remoto. Tivemos que criar uma estrutura de telefones e email para esse atendimento. Estamos lidando com isso da melhor maneira possível.

 

Como vocês avaliam o funcionamento do INSS na pandemia, um dos maiores demandados da Defensoria?

O público alvo do INSS é um público muito carente, não só financeiramente, não tem acesso a certas tecnologias necessárias neste momento. Estamos tentando driblar essa dificuldade. Dentro do possível, estamos superando essas adversidades. Temos uma articulação nacional com o INSS para dar mais celeridade na realização das perícias, que são difíceis de realizar a distância. Eles se comprometeram a reduzir o prazo de realização de perícias para evitar a judicialização. Nessas demandas previdenciárias temos uma quantidade de êxito muito grande. Nós sabemos que o INSS cometem muitas falhas, sem critérios necessários. Temos um êxito grande no Judiciário. E isso é muito importante pra população, porque os valores as vezes são muito poucos para população ainda ter que pagar advogado

 

Em 2014, foi aprovada a Proposta de Emenda Constitucional que prevê a dotação de um defensor público em todas as comarcas brasileiras. Como está a situação atual para cumprir essa medida?

Infelizmente, já são 7 anos após a emenda, e estamos apenas em 30% dos lugares em que têm Justiça Federal. Em 70% dos locais, você vai ter os órgãos de acusação, os advogados da união, advogados da caixa, mas não vai ter defensor público federal para fazer a defesa da pessoa carente. Isso é muito grave. Nós tínhamos um plano de ampliação, mas tudo isso depende de orçamento, de liberação de verba e inclusão no orçamento da União. Acontece que a situação ficou mais agravada com aprovação da Emenda do Teto dos Gastos Públicos. Essa emenda engessou os investimentos e impossibilitou a Defensoria de implementar sua expansão. E a situação tende a ficar mais grave com a proposta da Reforma Administrativa. Estamos fazendo um trabalho na Anadef [Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais] para compatibilizar o que diz a Emenda das Comarcas com a do Teto dos Gastos Públicos. Entendemos que nessa reforma administrativa, a Defensoria deve ser relativizada, pois não é um órgão que está totalmente estruturado, que já alcança todas as localidades como o Judiciário e Ministério Público. Essa é a nossa luta atual. Entendemos a crise econômica, mas é preciso entender que a Defensoria é essencial para atender as pessoas que em um momento de crise mais precisam. Vale lembrar que a Defensoria ainda não tem um quadro próprio de servidores. Sem os servidores, não conseguimos fazer um trabalho mais eficiente.