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Entrevista

Empobrecimento da população será um grande desafio para Defensoria, diz Rafson Ximenes

Por Cláudia Cardozo

Empobrecimento da população será um grande desafio para Defensoria, diz Rafson Ximenes
Foto: Zoom

Os próximos dois anos serão um desafio maior ainda para a Defensoria Pública da Bahia, segundo o chefe da instituição, Rafson Ximenes. Reconduzindo recentemente para o cargo, Rafson afirma que a Defensoria deverá ser mais demandada devido ao empobrecimento da população em decorrência da pandemia da Covid-19. Em 2020, a pandemia impôs desafios no atendimento da população, que antes era presencial, e agora, precisa ser à distância. A pandemia também atrasou os planos de expansão da instituição pelo interior baiano. Em entrevista ao Bahia Notícias, Rafson Ximenes avalia que a eleição por ele liderada é um divisor de águas na Defensoria por ter sido feita com apresentação de projetos, sem ataques pessoais. Também considera que a Defensoria está sendo mais valorizada pelos demais poderes públicos e pela própria população.

 

Como o senhor avalia a eleição da lista tríplice para o cargo de defensor público-geral da Bahia e sua recondução? 

Eu acho que esse processo de eleição será um divisor de águas na Defensoria Pública da Bahia. Fizemos questão de fazer uma campanha totalmente baseada em propostas, em projetos e não fazer ataques pessoais. O quadro da Defensoria está crescendo e a política deixa de ser algo personalizado para ser impessoal. A eleição deixou de ser algo de quem tem mais amigo por uma disputa de projeto, o que é muito mais saudável para a instituição. A escolha rápida do governador também mostra o reconhecimento do trabalho que está sendo realizado. Ele poderia ter escolhido qualquer nome da lista, o que seria legítimo também.

 

Qual maior desafio que a Defensoria atravessa nessa pandemia?

É um desafio que ainda não acabou. Sem dúvida, é  o maior desafio que a Defensoria já enfrentou. É fato que a pandemia é um desafio muito grande para todo mundo, mas para a Defensoria Pública é mais. Dentro do sistema de Justiça, ela é a instituição que tem mais dificuldades por ter o menor orçamento e por ter um trabalho centrado no atendimento ao público. É o diferencial que temos, em que o defensor público conversa olho no olho com a população. Dentro do sistema de Justiça, nenhuma instituição faz isso com a intensidade que a Defensoria faz.

 

De uma hora para outra, sem que ninguém esperasse, surgiu uma pandemia, e não fazer o atendimento olho no olho se tornou uma necessidade sanitária. E claro que, em alguns momentos batemos cabeça, era tudo novidade. Faço a avaliação de que a gente implantou o atendimento remoto muito cedo. Poderíamos ter esperado um pouco mais para implantar, mas era o momento que todo mundo estava aprendendo a lidar com o vírus.

 

Se fosse com o conhecimento que temos hoje, teríamos esperado um pouco mais para fazer o atendimento remoto. Conseguimos voltar a fazer o atendimento no mês de novembro. Nenhuma instituição fez o atendimento presencial como fizemos. Voltamos a fazer atendimento à distância, mas com mais consciência do que no momento inicial. Dessa vez, baseada em estudos e pesquisa de tendência de aumento de casos, como vem se confirmando.

 

Nos adaptamos a um serviço remoto, tendo em vista que sempre foi presencial, tendo poucos recursos, fazendo atendimento por telefone,  pela internet, com a equipe que a gente tem. Não tem recursos para fazer grandes investimentos. Tivemos que refazer remanejamentos para criar linhas telefônicas para o pessoal do interior ligar sem pagar. Não basta oferecer um serviço de atendimento remoto se as pessoas tiverem que pagar para falar. Tivemos que criar mecanismos na internet. O agendamento online aumentou mais de 300% durante a pandemia. Mas ainda existem problemas para serem enfrentados e inerentes a esse serviço.

 

Para muitas pessoas, esperar meia hora para ser atendido é um bloqueio. Apesar de parecer muito mais rápido do que se deslocar até o lugar pessoalmente,não é só tempo, é da qualidade da tecnologia que a pessoa dispõe. O atendimento remoto é uma necessidade agora, mas jamais queremos que isso aconteça, de ser a única opção. Estamos ansiosos para voltar ao atendimento presencial, mas com segurança para todos.


Como será o trabalho nos próximos anos com perspectiva de um empobrecimento da população?

2021 deverá ser um ano pior que 2020. Acabou o auxílio emergencial, que segurou a economia em 2020. Tem uma tendência de empobrecimento por várias razões. A primeira é que, no momento de crise, os litígios aumentam. Pessoas que antes talvez não procurassem a Defensoria, e contratassem um advogado particular, hoje não tem mais essa opção. Pode ter perdido o emprego, estar endividadas, por exemplo. Imaginamos que vai haver uma busca muito grande pelo serviço da Defensoria. Isso vai exigir da gente e dos governantes, no país todo, uma sensibilidade maior para o trabalho que a instituição faz e muita criatividade.

 

Nesse cenário, vai demandar mais, por exemplo, da atuação coletiva. Mais rápida, ela atende mais pessoas, e traz efeitos estruturais. Tivemos atuação dessa forma como da merenda escolar na pandemia. Logo no início, houve essa questão, muito grave, de alunos que dependiam da merenda escolar para ter alimentação no dia a dia. Com a merenda suspensa, estavam sem alimentação. Não teria como agir de um por um. Foi mais fácil fazer uma ação conjunta e beneficiar a população. Vamos ter que atender assim.

 

Vamos ter que aumentar nossa capilaridade tecnológica também. Além disso, vamos ter que investir na mediação e conciliação de conflitos. Vamos ter que ter criatividade. O desafio dos meios políticos é ter a sensibilidade de perceber que a população vai precisar mais do que nunca da Defensoria.


 

Já há sensibilidade dos governantes em investir na Defensoria?

Para quem tem a visão centrada de valorização da carreira, do trabalho, já está compreendendo que a carreira só é valorizada quando a instituição é valorizada, de quando se presta um trabalho que é valorizado. Nós temos feito um esforço para demonstrar o quanto o investimento na Defensoria Pública além do retorno para a população, é mais barato. E vale lembrar que o objetivo do Estado não pode ser mensurado em finanças. O êxito de uma gestão de Estado é mensurado nos serviços que são oferecidos, nos direitos sociais que são garantidos. Importa para a população a qualidade do serviço prestado. É que cada vez mais pessoas sejam atendidas.

 

No início, era explicar o beabá do porquê era importante investir. Hoje é muito maior a compreensão. Já compreenderam que é um pilar essencial da democracia. Como se pode falar em democracia se uma pessoa não puder fazer um divórcio ou pensão alimentícia porque não tem condições de pagar um advogado.  Ou se a gente considerar que essa pessoa que não tem condições, merece uma defesa por caridade, por voluntariedade ou por uma qualidade menor, que democracia é essa, que seu acesso à Justiça é proporcional ao dinheiro que você tem? Para mim foi muito visível que a reação dos políticos foi mais forte que em 2019. Tanto em manifestação pública e privada. Demonstra que é um serviço essencial prestado. Sem fortalecer a Defensoria, não adianta falar em  melhores condições sociais. Vai ser uma falácia.

 

Estava no seu primeiro plano de gestão a expansão da Defensoria no interior baiano, com instalação de defensores em mais comarcas. A pandemia atrapalhou esse projeto?

A pandemia atrapalhou sim. A expansão prevista para 2020 não foi concluída. Tem algumas unidades para concluir se possível em 2021. Em Cachoeira, Ipiaú e Poções, por exemplo. Além disso, o concurso esgotou. Não temos mais cadastro reserva para ser chamado. Nossa programação é começar a trabalhar no concurso de defensores imediatamente. A realização de um concurso leva, geralmente, um ano para ser concluída. Vamos começar a  preparar o novo concurso para aumentar o trabalho da Defensoria.

 

Eu avalio que, nos últimos anos, fizemos uma mudança geográfica na Defensoria. Em 2015, o desenho da Defensoria era 38% no interior, 53% na capital, o restante estava na Instância Superior. Hoje, invertemos esse quadro: 51% está no interior, 40% na capital e Região Metropolitana de Salvador. Estamos mudando o mapa da Defensoria. As cidades mais distantes da capital, são os lugares que mais precisam da Defensoria. Ainda não temos previsão de vagas, mas temos que levar em consideração a Lei Complementar 173 que impede a abertura de concurso, exceto para reposição de vagas. Tem o aspecto financeiro também, que só podemos abrir com planejamento financeiro.

 

Há um projeto de lei na Assembleia Legislativa da Bahia (AL-BA) para criação de plano de cargos e salários da Defensoria. Em que pé está essa proposta?

Esse projeto está defasado. Teríamos que refazer um novo projeto ou uma readequação. Está defasado até em relação com a própria Defensoria. Aquele projeto não previa vagas para população negra, não tinha políticas públicas afirmativas. E hoje a Defensoria já pratica essas ações. Esse ano, não podemos mexer neste projeto por conta da LC 173. Mas é preciso fazer esse esforço. Não faz sentido que toda instituição não tenha um quadro próprio de servidores. A Defensoria funciona com Reda, servidores cedidos e terceirizados. Não é o ideal. Mas confio no quadro atual. Eu quero aprovar um PCS, mas isso não significa uma mudança imediata. Seria algo a longo prazo.

 

Como é o diálogo com o governador Rui Costa, tendo em vista que, no ano passado, houve conflitos entre a Defensoria e o Executivo por conta do concurso da PM e da merenda escolar?

Não vejo como conflito. É uma atuação natural. A Defensoria atende a população mais vulnerável e nosso objetivo jamais será derrotar o Estado ou uma prefeitura. Nosso objetivo é defender a população em extrema pobreza. A gente não tem problema em sentar e conversar e entrar com uma ação judicial, não tem problema em conversar depois que entrar com uma ação judicial. Nas conversas, podemos perceber que nosso pleito é justo, mas que o Estado ou Município não tem como atender o pedido. Também podemos entender que nosso pleito parecia totalmente justo, mas não era. Também podemos perceber que o nosso pleito não estava correto. E isso faz parte do jogo. Nós não nos furtamos de dialogar. Às vezes, é necessário entrar com uma ação e ir com ela até o final. E quando entramos, mesmo existindo uma resistência inicial, a parte que resistiu entende que era necessário. Como é o caso da merenda escolar.

 

Agora, o próprio Estado apresentou projeto de lei para regulamentar e é uma das principais bandeiras do Estado sobre atuação na pandemia. Tem outdoor no estado inteiro falando sobre isso. Para gente, o processo não tem lado derrotado. O único vencedor é a população. E acho que é um aprendizado que a sociedade vai tendo também. Antes, a Defensoria era pequena. E agora é um ator novo na disputa e isso causa algum incômodo. Mas as pessoas vão entendendo que nosso trabalho é muito sério.

 

E como é o relacionamento com a Associação dos Defensores Públicos da Bahia (Adep-BA)?

O papel da associação é defender a categoria. E o pleito de equiparação com a magistratura é um pleito justo. Não vejo isso pelo aspecto financeiro. Não vejo como uma queixa de que defensores ganham pouco. Isso eu não acho razoável. Não dá mais para falar isso. Mas existe um valor simbólico de que a pessoa que defende a pessoa pobre tem que ser tão valorizada quanto aquela que vai julgar ou acusar essa mesma população. Nesse ponto, é justo e saudável que aconteça. Eu estou otimista pelo comportamento da nova diretoria da associação. Eles são muito responsáveis desde que assumiram. Tanto responsável com os interesses da categoria, quanto com a sociedade, de entender o momento que a gente vive. Isso também é reflexo de amadurecimento institucional. Essa ideia de que deve haver uma guerra, não tem como prosperar mais. A associação nacional tem uma atuação, por exemplo, para o fortalecimento institucional. O interesse da categoria é um reflexo do interesse da população. A Defensoria está passando por um processo de amadurecimento.

 

As pessoas estão tendo mais orgulho, digamos assim, de ser assistido pela Defensoria?

Sim. Por conta dessa mudança de visão, ano passado, fizemos critérios mais objetivos para avaliar quem pode e quem não pode ser atendido pela defensoria. Percebemos muita gente que não parecia estar em situação de pobreza e que estavam nos procurando. E isso estava ocupando espaço no atendimento. Seria pessoas que teriam outra opção, mas preferiam ser atendidos pela Defensoria por sua atuação.

 

Veja a força da Defensoria, por exemplo, na ação da vacina Sputnik. A Defensoria da Bahia puxou a Defensoria de outros estados. Por vários dias, fomos notícia no país, por pedir a liberação da vacina. Isso mostra o prestígio da instituição e demonstra que as pessoas estão começando a entender, que numa atuação como essa, deixa de ser uma disputa entre um partido e outro, e fica claro que o interesse é da população. Para isso, criamos a atuação de um defensor em Brasília, para atuar nos tribunais superiores. Hoje, uma pessoa de Bom Jesus da Lapa, por exemplo, que há alguns anos não tinha nem juiz, - colocamos defensor antes de ter juiz-  e de repente,essa pessoa tem acesso à justiça e se for necessário, o recurso dela vai até o supremo. Hoje, o percentual de êxito nos tribunais superiores é maior por parte da Defensoria do que de advogados particulares.