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Entrevista

Ministério Público pode ser fragilizado com reformas legislativas, diz presidente da Ampeb

Por Cláudia Cardozo

Ministério Público pode ser fragilizado com reformas legislativas, diz presidente da Ampeb
Fotos: Ampeb

Os próximos meses exigirão das associações de membros do Ministério Público e da magistratura um esforço político maior para manter direitos de seus pares e não enfraquecer as instituições. A avaliação é do presidente da Associação dos Membros do Ministério Público da Bahia (Ampeb), Adriano Assis. Com pouco tempo no cargo, ele já se vê à frente de desafios e na promoção de campanhas contra a Reforma Previdenciária e a da já aprovada Lei de Abuso de Autoridade. Ao Bahia Notícias, ele ressalta que a atividade legislativa é legítima para modificar a Constituição Federal e as leis vigentes, mas reforça que toda alteração deve partir de um princípio: “necessidade de melhorar o quadro institucional do nosso país”.

 

“Essas medidas afetam a base do funcionamento de nossas instituições. Nós temos defendido junto ao parlamento e ao governo que haja regras que preservem o trabalho dessas instituições e que não ponham em risco o exercício legítimo da atividade dos colegas ao investigar crimes graves, ao investigar o crime organizado, o trabalho de combate à corrupção, que é uma atividade que expõe muito os membros do MP e os juízes”, explica Adriano Assis. Ele conta que muitos membros do MP e da magistratura, “por apenas decidir ou investigar”, podem responder a ações até criminais com a vigência da Lei do Abuso de Autoridade.

 

Já com relação à Reforma da Previdência, o presidente da Ampeb afirma que os atos adotados pela instituição são adotados “para não desestruturar as nossas carreiras, gerando desincentivo para que as pessoas boas ingressem nessas instituições”. Outro fator que ele aponta é que, com o texto aprovado em 1º turno na Câmara dos Deputados, pode haver uma “injustiça grave” com as pessoas que já contribuíram com a Previdência por muito tempo e agora serão submetidos a novas regras, “com perda de seus benefícios”. Ainda na entrevista, Adriano Assis reflete que, com essas medidas, a carreira do Ministério Público pode esvaziar e que muitos colegas terão medo de atuar, com receio de retaliações de cunho político.

 

O senhor assumiu e já entrou promovendo campanhas, sendo contrário à Reforma da Previdência, contra a Lei de Abuso de Autoridade. Neste contexto, a entidade vai ter que ter muito mais força política nos próximos tempos?

É bom ressaltar que a atividade legislativa é legítima para se modificar a Constituição, as leis, mas deve partir de um princípio, que é da necessidade de melhorar o quadro institucional do nosso país, melhorar a prestação de serviços, a entrega do serviço à justiça, envolvendo todas as instituições que colaboram para que a prestação jurisdicional seja entregue ao cidadão, e o Ministério Público é parte disso. Também consideramos legítima a iniciativa do Poder Executivo em mandar projetos para o Congresso. Agora, nós não podemos perder de vista que essas instituições são fundamentais para um país e qualquer projeto que tenha como objeto alterar o estatuto jurídico dessas instituições tem que considerar a Separação de Poderes, o equilíbrio institucional, o incentivo para que essas instituições sejam povoadas por bons valores, pessoas que têm vocação. As associações de membros do Ministério Público e da magistratura estão preocupadas com essas duas questões. A Lei do Abuso de Autoridade já foi aprovada e foi inserida dentro do pacote das 10 Medidas de Combate à Corrupção, e agora, a Reforma da Previdência, que está em andamento. Essas medidas afetam a base do funcionamento de nossas instituições. Nós temos defendido junto ao parlamento e ao governo que haja regras que preservem o trabalho dessas instituições e que não ponham em risco o exercício legítimo da atividade dos colegas ao investigar crimes graves, ao investigar o crime organizado, o trabalho de combate a corrupção, que é uma atividade que expõe muito os membros do MP e os juízes. Por apenas decidir ou investigar, ele pode vir a responder até criminalmente por essas questões, por tomar decisões baseadas em evidências objetivas, que mais para frente podem até não se confirmar como suficientes para uma condenação. Isso não justifica a punição de colegas. Já com relação à Reforma da Previdência, nossos atos são para não desestruturar as nossas carreiras, gerando desincentivo para que as pessoas boas ingressem nessas instituições e também corrigir o que nós consideramos uma injustiça grave, especialmente para as pessoas que já contribuíram por muito tempo para a Previdência e agora podem ser submetidas a novas regras, com perdas em seus benefícios. Nós fizemos várias propostas através da Conamp [Associação Nacional do Ministério Público] e da Frentas [Frente Nacional da Magistratura e do Ministério Público] para incluir na Reforma da Previdência regras de transição que respeitassem esse princípio de justiça, mas infelizmente nada foi acatado até o presente momento. Ainda há a votação em segundo turno na Câmara dos Deputados e dois turnos no Senado. O nosso trabalho vai ser de tentar convencer o parlamento sobre os ajustes necessários.

 

O governo prega que essa reforma é necessária, para suprir o rombo da Previdência, e é justa para a população. Por outro lado, tem as associações, os sindicatos, diversos movimentos sociais alertando que ela não é boa. Ainda se tem os argumentos que há pagamentos de aposentadorias que são imorais, como o pagamento de pensão para filhas de militares não casadas e para magistrados que foram condenados a aposentadoria compulsória por cometer algum ato infracional. Essa reforma fará justiça nesse ponto ou evidenciará mais questões como essa?

É preciso separar algumas coisas, pois é muito comum no discurso político se criar inimigos para que emplaque na opinião pública e facilite a adesão às ideias que são apresentadas como de realização da justiça. No caso da Reforma da Previdência, isso é muito claro para gente. Nós teremos que retroceder um pouco para saber por que a Previdência Social chegou a esse ponto.  É público e notório uma série de desvios que foram feitos ao longo dos anos, desde a construção de Brasília e outras situações em que recursos que seriam para financiar tanto a Previdência Geral quanto a Previdência Pública sofreram com irregularidades, malversação de recursos, desvios foram praticados, e agora apresentam essa proposta, como se do nada tivesse surgido a necessidade de fazer uma Reforma da Previdência com essas características. Também podemos citar os subsídios que são dados a grupos empresariais, muitas vezes, de forma ilícita, sem objetivo legítimo, se tornando praticamente um fundo perdido. Por trás desta reforma, há muitas decisões de natureza político-econômica equivocadas. A situação realmente é preocupante. O que nós temos é trabalhadores privados e servidores públicos que ingressaram nesse regime atendendo às exigências que eram feitas tanto pelo poder Legislativo e Executivo, pelas leis, pelos regulamentos, confiantes que estavam contribuindo para lá na frente receber os benefícios que lhes eram prometidos. E de repente, tudo isso muda. E os responsáveis por essas decisões econômicas, políticas, muitas delas envolvendo até atos ilícitos, não vão pagar por isso. Quem vai pagar são os trabalhadores privados e os servidores públicos, que foram escolhidos como os responsáveis por essa situação da Previdência, como se fossem os algozes da situação fiscal do país, o que não é verdade. Há injustiças dentro do sistema previdenciário e elas devem ser corrigidas, mas partindo do princípio que os trabalhadores não são os responsáveis pela situação fiscal do país. Nós temos duas situações que são questionadas: uma é a pensão das filhas de militares, e outra é a aposentadoria compulsória. Sobre a aposentadoria compulsória, só para esclarecer, a lei diz que a sanção administrativa é a aposentadoria compulsória, mas que a perda do cargo é só por sentença judicial. Isso foi editado em um contexto, a fim de evitar perseguições e dar uma garantia de mais independência para os magistrados. Nós temos conversado com os deputados e senadores na expectativa de sensibilizá-los, no sentido de que não basta fazer alusão a um número mágico de R$ 1 trilhão de uma suposta economia, quando sabemos que não é através de um passe de mágica que os problemas do país se resolverão, pois não estão dizendo como esse recurso será revertido em benefício da população. Esse discurso é passado para as pessoas de forma distorcida e não está claro o quanto isso vai afetar a vida das pessoas. 

 

Era necessária a atualização da Lei de Abuso de Autoridade?

A Lei de Abuso de Autoridade já tem mais de 50 anos, e só por isso demonstra que ela precisava de uma atualização. Agora, essa atualização não pode ser feita de forma açodada, não pode ser feita no calor do momento, com fatos envolvendo membros do MP, da magistratura e de políticos. A gente observa que isso acontece desde o julgamento da Ação Penal 470, conhecida como Mensalão, e, mais recentemente, pela Operação Lava Jato. Essa tensão é natural no meio jurídico, e é preciso serenidade, sabedoria das pessoas que conduzem instituições no meio político para encontrar soluções adequadas. Mas não se pode transformar isso em uma disputa para ver quem vai conseguir causar um mal maior ao outro, fora da Constituição ainda. Ela precisa de atualização, mas veja que ela só contemplou os membros da magistratura e do Ministério Público e deixou de fora a Polícia. Pela própria atividade da Polícia, ela está muito mais próxima às pessoas quando está atuando, muitas vezes, com contato físico direto, sujeitos, portanto, a cometer abusos de autoridade, mas não foram incluídos nesta lei. O texto usa uma expressão para punição com muitas interpretações, sobre o evidente propósito político, o que é condenável quando se fala de regime disciplinar e penal, que é preciso ter as condutas bem definidas, e isso leva os colegas a refletir, no momento que vão decretar uma prisão, uma apreensão, se pede medidas de interceptação, essa tipificação pode trazer prejuízos para a investigação e, no final, não termos justiça. Nosso inconformismo está nesta situação, que pode inibir a atuação dos colegas. 

 

Ela foi editada ainda sem considerar que já há regras e normas para punir eventuais abusos desses membros?

Cada Ministério Público tem sua lei orgânica que prevê a existência das Corregedorias, e elas têm atuado para combater ilícitos cometidos por seus pares. Na parte criminal também. Além de termos o Conselho Nacional do Ministério Público [CNMP], a Corregedoria nacional, que na última semana esteve em Salvador para avaliar a atuação dos MPs baianos. Ir além, é preciso de uma necessidade legítima. Sem isso, nos parece como intimidação dos colegas. 

Mas não há o risco do corporativismo?

O corporativismo é sempre um problema. Agora, não podemos enxergar isso de uma forma absurda. Tanto os corregedores nos estados, quanto o corregedor nacional, têm um mandato e são escolhidos pela mais alta instância dos seus órgãos, escolhidos por seus pares. São pessoas de grande experiência, com independência total. Os corregedores estaduais também estão submetidos ao CNMP e não é incomuns se avocar ações e provas colhidas nos estados para se julgar com independência pelo órgão. O CNMP é formado por diferentes pessoas, com representantes do MP, da magistratura, da advocacia e ainda tem os conselheiros indicados pelo Senado e pela Câmara. São pessoas com independência total. O corporativismo existe e é um risco, mas ao longo dos anos o que temos visto é que tem se reduzindo bastante, e com o controle social, controle da mídia, controle das corregedorias, do CNMP, é um sistema bastante amplo, que dá para responder a muitas das questões. E a pessoa que se sente injustiçada ou ofendida por um colega pode mover uma ação popular, uma ação indenizatória contra o Estado, entre outras medidas. O que vier além disso precisará de um bom fundamento e com o objetivo claro de aperfeiçoar o sistema, o que não verificamos na Lei de Abuso de Autoridade. 

 

Há risco de operações similares à Lava Jato ou desmembramento dela diminuírem após essa lei, devido a receio dos promotores e procuradores de Justiça?

Existe um clamor social com temas ligados à corrupção e também existe a obrigação da sociedade ser informada. Nos casos de improbidade administrativa, temos obrigação de informar. A sociedade tem o direito de saber. Essa informação não pode ser passada menosprezando os investigados, fazer juízo de valor. A informação deve ser para que a sociedade tenha conhecimento daquele fato. Tem os casos de sigilo, que devem ser observados. E assim, se permite o controle social da atividade das instituições. Nos casos de corrupção, imagine se não houver a informação, sobre os investigados, das empresas, de pessoas que perderam seus cargos, com bens congelados, e ninguém soubesse do que se trata, envolvendo pessoas de altos cargos, até eleitos pela população. Aqui na Bahia, os colegas atuam com muito cuidado, sobretudo no de informar, eu diria até que com muita discrição. Essas questões, por revanchismo, não podem se traduzir em novas leis para coibir nossa atuação. Acredito que existe esse risco de intimidação, mas com relação a isso, as associações dão total respaldo aos colegas para que continuem atuando sem receio, com todo equilíbrio, com todas as formas de atuar que vêm caracterizando essas operações aqui na Bahia.

 

Há membros do MP baiano que sofrem perseguição?

Sim, nós temos e acompanhamos isso. É até natural da atividade. Um membro do Ministério Público sempre está preparado para lidar com incômodo. Atuamos para que o colega continue a fazer o trabalho dele e sempre que há uma situação de ameaça, buscamos uma resposta institucional para reforçar a atuação deste membro, seja dando uma proteção jurídica pessoal a ele, seja colocando ao lado dele outros promotores como auxiliares. Muitas vezes, o trabalho de investigação se personifica em uma pessoa, mas sempre, nessas grandes operações, há um trabalho em conjunto, muitas vezes com outros órgãos de controle, da polícia, da Fazenda. E nosso trabalho é sempre reforçar a atuação desse colega. 

 

Situações como essa, de incomodar as autoridades, de revanchismo, já eram observadas antes do Mensalão?

Não existe nenhuma instituição no sistema verdadeiramente democrático que sejam incomodas a outros poderes. Nossos representantes eleitos assumem seus cargos, mas não vivem em uma democracia de autorização, que podem fazer tudo que entendem, até com boas intenções. Faz parte do sistema democrático ter instituições de controle que são incomodas ao poder. Os representantes eleitos precisam entender isso. Hoje, eles são governo, e amanhã estarão na oposição. O que é incômodo para eles em um momento, amanhã pode ser um aliado na hora de fazer valer a Constituição, fazer valer a Legislação, de ter até proteção para exercício do seu mandato, seja para que as coisas que ele fiscaliza, as irregularidades, possam efetivamente ser reveladas. Claro que nós temos nos últimos anos, na última década e meia, o aperfeiçoamento dessas operações que buscam elucidar crimes complexos, tanto do crime organizado, quanto da corrupção. Principalmente depois da Constituição de 1988, quando esses instrumentos de atuação do Ministério Público e outras instituições de controle também se consolidaram, com a magistratura independente, e houve um aprendizado. Houve equívocos, houve casos anulados, não tínhamos uma jurisprudência muito clara a respeito de vários aspectos dessas legislações, que permitem medidas especiais de investigação, foram formas de aprendizado no decorrer dos anos. Mas quando chegamos na Ação Penal 470, se teve parâmetros no Supremo Tribunal Federal, estabelecimento condenações para pessoas importantes no sistema democrático. Isso tudo foi um aprendizado. E por isso, há uma resistência com a atuação do Ministério Público de pessoas que passaram muitas décadas imersas nessas práticas. É uma resistência natural, e a gente não podia esperar nada diferente dessas pessoas. A força da democracia está nisso, em instituições incômodas ao poder, que fazem seu trabalho, e têm que conviver com independência e harmonia. 

 

Há outra polêmica no país, que é a possibilidade do presidente da República não indicar um nome da lista tríplice para vaga de procurador geral da República. A Ampeb tem alguma posição relacionada ao tema?

Existe uma diferença. Para os Estados, existe a previsão na Constituição da formação da lista tríplice, que é entregue ao governador para escolha de um candidato para ocupar o cargo. No caso da União, não há previsão de lista tríplice para o cargo de procurador geral da República. Existe uma praxe da Associação Nacional dos Procuradores da República de se fazer uma votação nos moldes do que é feito nos estados e enviar ao presidente uma lista tríplice. A nossa Constituição não prevê que a lista tríplice deve ser entregue ao presidente para escolha. Ele é livre para escolher qualquer um do Ministério Público Federal [MPF]. Não se sabe se o presidente vai observar os três nomes indicados pela ANPR ou se ele vai escolher um outro nome. Pela nossa Constituição, ele pode escolher qualquer outro nome. Agora, é uma luta das associações fazer com que a lista tríplice seja uma referência para os chefes do Poder Executivo. Mais do que isso, nós defendemos que o mais votado seja sempre a preferência do chefe do Poder Executivo. Mas no âmbito federal, é preciso mudar a Constituição.  Nós consideramos uma prática saudável e salutar para a democracia, porque ela une tanto a visão dos colegas como também deixa a liberdade para o chefe do Poder Executivo. Temos a esperança que ele mantenha essa prática.

 

Este cenário seria o ideal até para se evitar a figura do "engavetador geral da República", não é?

O que o movimento associativo defende é a escolha do mais votado, pois ele representa aquela opção da classe, que entende aqueles candidatos como adequados para conduzir a instituição. Agora, o membro do Ministério Público, seja de tríplice ou escolhido livremente, no caso da União, pelo presidente da República, que se comporta como o que se denomina no passado como "engavetador geral da República", não é digno de estar na posição de procurador-geral da República, ou de Justiça nos estados. A atuação dele, pelo contrário, deve ser exemplar para todos. 

 

Tem alguma consideração que você tem a fazer das ações que acontecerão até o final do ano?

A Reforma da Previdência inaugura esse projeto de fazer várias reformas. Nós vamos acompanhar com muita atenção isso aí, porque a gente tem preocupação realmente com a estabilidade da carreira no sentido de ela continuar sendo uma carreira atrativa. Sabemos que vivemos no Brasil do ‘de repente’. De repente, pode surgir alguma coisa. Deve vir a tributária e administrativa. Temos preocupação com o pacote anti-crime. Tem medidas ali que são controversas, mas tem outras que são importantes. Vamos atuar tanto nessa parte de reformas constitucionais que afetam a carreira, como também de legislações que tem a ver com dia do trabalho dos colegas, o pacote anti-crime. Nós temos na associação nacional uma assessoria parlamentar que acompanha tudo que surge de projetos que podem afetar o desempenho do trabalho dos colegas. Então, não temos um minuto de descanso.