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Entrevista

'Eu saio mais humano do que entrei na OAB', diz Luiz Viana ao deixar OAB-BA

Por Cláudia Cardozo

'Eu saio mais humano do que entrei na OAB', diz Luiz Viana ao deixar OAB-BA
Fotos: Divulgação

Considerado como “porto e farol” da advocacia baiana, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Bahia (OAB-BA), Luiz Viana, avalia que sai da instituição “mais humano” do que entrou. Ao longo de seis anos liderando a advocacia no estado, ele diz que viu “a coisa que há de maior na grandeza da alma humana e o que há de pior, da pequeneza da alma humana”. Tudo indica que o fim da gestão na OAB-BA não será o fim da carreira política de Viana em uma entidade de classe. O nome dele integra a chapa, até então única, que disputará a eleição da presidência do Conselho Federal da OAB.

 

Questionado sobre o que ganhou e o que perdeu como presidente da Ordem, ele reforça que foi “humanidade”, e que, do ponto de vista profissional, nada mudou e que é difícil fazer uma conta sobre isso. “Minha advocacia não cresceu, mas não perdi a minha advocacia. Eu continuo advogando. Eu tenho uma vantagem por ser procurador do Estado. Tenho minha advocacia pública e meu escritório, que é bem pequenininho”. Viana ainda destacou a qualidade do trabalho das pessoas que integraram sua gestão.

 

Luiz Viana também avaliou o papel da OAB nos últimos anos. “A OAB é da sociedade civil, tem essa respeitabilidade exatamente por demonstrar em sua história que ela não é apenas uma entidade de classe. Ela é, ao mesmo tempo, uma entidade de classe, que regulamenta inscrição, Exame de Ordem, processo disciplinar, mas ela é mais do que isso. É uma instituição com assento constitucional. Na medida em que a gente abriu e aproximou a OAB da sociedade civil, a gente forçou esse papel institucional na defesa de temas que são da sociedade e não apenas da advocacia”, declarou. Entre os diversos enfrentamentos feitos pela entidade, estão as ações diretas de inconstitucionalidade contra o IPTU de Salvador, do ITIV, do IPVA, e discussões em audiências públicas sobre direitos humanos e meio ambiente.  Na entrevista, ele ainda aborda a participação das mulheres como uma conquista legitima feminina, a luta pela defesa das prerrogativas e toda mobilização pela aprovação do anteprojeto de lei do piso salarial da advocacia. 

 

Sempre que se pensa no que ganha um presidente da OAB. O exercício do mandato é voluntário, sem remuneração. O que o senhor ganhou e o que senhor perdeu nesta gestão?
Eu saio mais humano do que entrei na OAB. Eu vi perto de mim, dentro e fora da OAB, os limites da alma humana. A coisa que há de maior na grandeza da alma humana e o que há de pior, da pequeneza da alma humana. Eu aprendi mais a conhecer as pessoas. O que eu ganhei? Humanidade. Eu convivi com mais gente diferente de mim, aprendi a conviver com as pessoas. Do ponto de vista profissional, eu não ganhei e nem perdi. Minha advocacia não cresceu, mas não perdi a minha advocacia. Eu continuo advogando. Eu tenho uma vantagem por ser procurador do Estado. Tenho minha advocacia pública e meu escritório, que é bem pequenininho. Ao longo desses anos, eu tinha um escritório com dois sócios. Dois amigos, queridos irmãos, e, por uma série de divergências, inclusive pela própria dedicação na OAB, desfiz a sociedade. Eu não ganhei e nem perdi. Não dá para fazer uma conta. Eu ganho menos, mas não é essa conta. Na advocacia, eu não ganhei e nem perdi. Mas pessoalmente, eu ganhei muito, ganhei humanidade. Eu não entrei aqui menino. Eu entrei com 50 anos. Hoje, eu tenho 56. Mas o que eu conheci da alma humana, eu nunca tinha passado nem perto. Eu vejo pessoas aqui se dedicando aos outros. A qualidade das pessoas que trabalham aqui é incrível. Daniela Borges, por exemplo, é uma pessoa extraordinária. Tem dois filhos pequenos, advoga, é professora e trabalha aqui, servindo aos outros. Pessoas que sacrificam vida pessoal, patrimônio, para servir aos outros, atos como esses são cada vez mais raros em uma sociedade que é cada vez mais utilitarista e consumista. Ao mesmo tempo, eu vi dentro e fora da OAB, a mesquinhez da alma humana que eu nunca vi. Eu sou de formação católica, estudei em escola de padre e isso faz com que eu tenha aprendido melhor a ver as pessoas e tentar entender como a gente lida com as pessoas.

 

Como era a OAB antes de 2012 e como é agora, quando o senhor deixa a instituição?
A OAB tem uma história de 86 anos. Eu acho que ela deve ser entendida como uma de tantas instituições humanas que tem uma história. E como todas as histórias, ela tem avanços e recuos, transformações. Acho que cumprimos o nosso papel, no nosso momento histórico. Acho que o Conselho Pleno, nas duas gestões, ajudou a OAB a fazer o que precisa fazer. Mas ainda tem muito a ser feito. Abrimos a OAB para a advocacia. E temos algumas coisas que são simbólicas. A porta da presidência, por exemplo, está sempre aberta. Não é por acaso. É porque realmente abrimos a OAB para a advocacia. Trabalhamos aqui voluntariamente e todas as pessoas cooperam, independente da ideologia política. Outra coisa que fizemos foi abrir as portas da OAB para a sociedade civil. A OAB é da sociedade civil, tem essa respeitabilidade exatamente por demonstrar em sua história que ela não é apenas uma entidade de classe. Ela é, ao mesmo tempo, uma entidade de classe, que regulamenta inscrição, Exame de Ordem, processo disciplinar, mas ela é mais do que isso. É uma instituição com assento constitucional. Na medida em que a gente abriu e aproximou a OAB da sociedade civil, a gente forçou esse papel institucional na defesa de temas que são da sociedade e não apenas da advocacia. Nós lutamos pela defesa das prerrogativas e atuamos para combater a crise do Judiciário. Nós fizemos muitas batalhas tributárias. A mais notória foi a do IPTU [de Salvador], tivemos do IPVA, tivemos diversos debates sobre direitos humanos, de meio ambiente. Do ponto de vista estrutural, a gente já entregou mais de 22 mil carteiras de advogados. Isso é quase uma OAB nova quantitativamente. E isso traz uma série de desafios. Essas pessoas novas que estão chegando, estão chegando em um mercado complicado com um Judiciário em crise. Nós tivemos um desafio muito grande de melhorar o funcionamento da OAB para a advocacia. Por isso, definimos como prioridade fazer salas de advogados nos fóruns – fizemos mais de 80 – e fazer sedes mais dignas nas subseções, para se aparelhar minimamente para que possam exercer suas atividades de advogar.

 

Essa estrutura para quem está começando é realmente necessária?
Eu acho que nos últimos seis anos o perfil da advocacia mudou. Se tem um número enorme de novos advogados, o que por um lado é bom, pois demonstra que os jovens veem na advocacia uma profissão que podem se dedicar. Mas por outro lado, vemos que há demandas que não havia na advocacia liberal de 30, 50 anos atrás. Eu acho que a gente estruturou melhor, gastou melhor o dinheiro da OAB e aplicou melhor. O patrimônio imobiliário da OAB nesses seis anos cresceu 1051%. Em 2012, era de R$ 6,3 milhões. Hoje, é de 73 milhões. Outro investimento foi o navegador da Advocacia. Foi desenvolvido pela OAB da Bahia, pela comissão de Tecnologia e Informação, e foi uma coisa pioneira no país, serviu para toda a advocacia nacional. Hoje em dia, é impensável advogar sem essa ferramenta, que é relativamente simples, mas não tinha no mercado. No Brasil, se tem 52 softwares de processos judiciais, e se desenvolveu uma ferramenta que pode se peticionar qualquer processo em qualquer plataforma. Isso é estar preocupado com o advogado e desenvolver ferramentas para melhorar seu dia a dia de trabalho.

 

Outra ferramenta nova foi o Portal da Transparência. Como foi implantar esse mecanismo? Isso não provoca uma mudança de cultura? Em algum momento vocês sofreram algum ataque por expor os dados da OAB?
A transparência é um valor. Por isso as nossas sedes no interior tem muito vidro. Precisa ser transparente. A transparência é um valor, mas exige que se esteja preparado para responder a todo questionamento que for feito. Não há nenhum problema em os advogados quererem saber tudo o que foi gasto. Isso não gerou problemas para gestão. O que gerou foi à necessidade de estar mais habilitado para dialogar com quem queria saber mais. Acho que foi explorado indevidamente do ponto de vista eleitoral por alguns dos nossos adversários, mas não atrapalhou a nossa gestão, até porque, os números são esses. O Tribunal de Contas da União (TCU) decidiu que a OAB daqui a dois anos vai ter que prestar contas. Eu acho que é um erro constitucional. O Supremo Tribunal Federal já disse isso, e acho que a OAB federal vai discutir isso. Mas eu não tenho nenhum medo. O que a gente precisa é só se preparar do ponto de vista formal.

 

A partir desta gestão, a transparência deixa de ser um projeto para ser uma política da instituição?
É irreversível. Acho que a nossa gestão definiu algumas coisas que são irreversíveis. A presença das mulheres, a importância do interior. Não tem como voltar atrás. Eu, Fabrício, Ana Patrícia, Daniela não vamos ficar aqui para sempre, só estamos aqui de passagem, mas alguns dos legados que a gente deixa são irreversíveis. Quem estiver a frente da OAB não vai poder deixar de ter a transparência. Pelo contrário, vai ter que melhorar, pois nosso portal tem menos de um ano funcionando. Precisa ser melhorado. Por exemplo, há três anos, eu assumi o compromisso de colocar todos os dias o saldo bancário da OAB no site. Mas eu não consegui fazer o que eu queria que era um software, de ser automático. Isso é difícil? Não, mas se tem uma negociação bancária, que o nosso pessoal ainda não conseguiu encontrar uma solução técnica para isso. Atualmente, todo dia, nosso setor de patrimônio vai lá e informa manualmente. Mas poderia ser automático. Acho que isso é dos legados que fica e que Fabrício vai se aperfeiçoar, não tenho menor dúvida.

 

Um dos enfrentamentos constantes da OAB foi a crise do Judiciário baiano. Como o senhor reflete esse enfrentamento?
A medida que a gente vai se distanciado dos períodos eleitorais, podemos entender melhor o processo, como a OAB está. Tem muitas coisas que são  tratadas de forma apaixonada e a paixão é sempre uma má conselheira. Eu vejo algumas pessoas que gostariam que a OAB apresentasse certos resultados que não são da competência da OAB. A crise do Judiciário é uma delas. O TJ vai decidir se desativa ou não comarcas de entrância inicial, pois não tem um juiz. Nenhuma comarca de primeira entrância tem juiz. Ao invés de colocar um titular, desativa. É um negócio inacreditável. É como se estivesse como uma dor de dente, e, ao invés de tratar a dor, arranca o dente. Uma dor de ouvido, tira o ouvido. Um dia, vão cortar a cabeça se tiver uma dor de cabeça. Então, assim, posições apaixonadas estão exigindo que a OAB resolvam problemas que ela não tem como resolver.

 

Logo no início de sua primeira gestão, a OAB apresentou um diagnóstico para o TJ-BA, tentaram instalar as mesas de negociação permanente para tentar dialogar com o Judiciário. Isso foi muito difícil, né? Mas o que a OAB propôs ao longo dos anos que trouxe melhorias para o Judiciário, a partir do diálogo?
Eu acho que parte é da atuação da OAB e parte da atuação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Eu acho que tem uma tentativa da Administração do Tribunal de Justiça de encontrar melhorias para a ineficiência da prestação jurisdicional. O que me parece que é ineficiente. As soluções apresentadas são muito tímidas, muito pequenas e não vai ao coração dos problemas. Para mim, há dois grandes problemas: gestão de pessoal - que é muito ruim, fruto de um histórico decorrente da existência de uma autarquia, que não existe mais, o Ipraj. É uma má gestão endêmica: sempre foi assim, vai ser sempre assim. Não faz sentido que você tenha um quadro tão extenso de pessoas, e que seja tão ineficiente, e que o custo de pessoal seja tão grande e ineficiente. Ainda há inversão de prioridades. O segundo grau, por exemplo, vai muito bem. É o segundo mais eficiente do país. Dizem que é porque tem menos processos. Mas é que ao longo do tempo, o segundo grau do TJ foi privilegiado e o primeiro grau se deixou chegar aonde chegou hoje. 25% das vagas de juízes estão vagas, estão para preencher, e há mais de 20 mil vagas de servidores para preencher. Acho que eles querem melhorar, mas é ineficaz, pois não vai ao cerne do problema mesmo. Eu tenho 33 anos de advocacia. Eu vi que, em um determinado momento, o Tribunal se apequenou, depois conseguiu recuperar sua autonomia. Mas hoje, ninguém fala que o Judiciário está submetido ao governador do Estado. Isso não existe. Isso fez com que, a administração de pessoas fosse ineficiente, que a administração financeira fosse ineficiente. E a outro problema grave é que os juízes – que são formados para serem juízes – precisam gerir fóruns e varas. São homens e mulheres que não sabem nada de gestão. A impressão que me dá de que os juízes devem ser os gestores é completamente equivocado, que vem de séculos, e não pode continuar assim. É preciso criar uma equipe para administração independente dos que julgam. Mas não é assim que funciona. Eu não sei se é por ser uma relação de poder, de não ser responsável apenas pelos processos, como também pelas varas. Mas isso não faz sentido.

 

Mas isso se transforma em pecúnia. Os juízes administradores de fóruns recebem um incremento no salário de 5% do vencimento.
Francamente, eu acho que eles recebem tanto problema, que esse percentual não compensa. A impressão que eu tenho. Os cartórios integrados, por exemplo, é uma boa ideia, em tese. Mas na prática, é difícil. Os advogados são revoltados com isso. Disseram que iria funcionar, mas afastou completamente o advogado dos juízes. Era para melhorar, piorou. Mas isso é típico do ser humano, das autoridades brasileiras, de não olhar para o espelho para se encarar e encarar os problemas mesmo.

 

A OAB teve problemas com o TJ por ter se colocado contra turnão, para barrar a nomeação para as novas vagas de desembargadores?
Nenhuma. As relações institucionais se estabelecem de forma diferente das pessoais. A OAB tem uma relação institucional, de respeito, com o TJ, e a melhor forma de respeitá-lo, é ser capaz de fazer uma crítica leal. E nós temos feito isso há seis anos.

 

Essas críticas também foram feitas ao TRT. Em dado momento, a OAB apoiou as manifestações pelo funcionamento da Justiça do Trabalho, mas foi contra a redução no horário de atendimento, né?
Em 2013, logo depois que eu assumi, houve uma audiência pública para discutir a construção da sede do TRT no CAB e a OAB foi a única instituição que disse que não era aceitável se gastar R$ 500 milhões em um prédio público para servir de sede. Isso gerou mal estar com alguns desembargadores que adoram aquele projeto. O projeto é lindo, mas não serve para o serviço público. Aí, o TRT suspendeu a obra, só fez um de sete módulos, o menor, que deveria ser o arquivo. Não fizeram os outros porque era inviável. O fato de estabelecer uma crítica leal, do que se pensa, pode estar certa ou errada. A OAB tem bandeiras, princípios e valores que ela sempre defende. O importante é defendê-las. Ter um posicionamento crítico, não gera problemas institucionais, retaliação, nada disso, e tenta, no limite, preservar as relações pessoais. As coisas no Brasil estão muito confusas com relação a isso: política, moral, direito, vida privada, vida pública. Parece que é tudo a mesma coisa e não é. Eu como presidente da OAB não preciso ter relações pessoais com o presidente de nenhum tribunal. O que não quer dizer que, pessoalmente, eu não possa ter relação com desembargadores, juízes. São coisas diferentes. Quando eu falo, não é o meu querer, o meu sentimento. Às vezes, eu até manifesto o que estou sentindo, mas tento sempre fazer uma manifestação institucional do que espera-se que a OAB seja capaz de falar.

 

Um dos pontos enfrentados também por sua gestão foi a defesa das prerrogativas. Nos últimos anos, elas foram mais violadas, ou as pessoas passaram a denunciar mais para OAB?
Eu acho que é as duas coisas. Eu fui o primeiro dirigente de Ordem no Brasil a diagnosticar que a violação das prerrogativas se tornou sistêmica. Não é a violação porque fulano não gosta do advogado. A questão não é essa. A ineficiência do serviço público, o serviço jurisdicional, a delegacia de polícia, ou INSS, a ineficiência do serviço público para o cidadão através do advogado passou a gerar um conflito cotidiano, com centenas de profissionais todo dia. E como não dá para atender, o sujeito enfrenta problemas. Eu acho que na Justiça Federal aqui tivemos pouquíssimos casos de violação a prerrogativas. Tem outra discussão que é com relação a honorários. Você não tem problema de atendimentos, não tem problemas de mal tratamento. Na Justiça Federal, você impetra um mandado de segurança e 48 horas depois tem uma decisão. Você não precisa ir lá para falar com o juiz. E se precisar bater na porta, ele atende bem, porque ele presta bem o serviço que ele tem que fazer. Na crise do Judiciário baiano, isso se tornou sistêmico. Mas por outro lado, quando criamos um sistema de proteção as prerrogativas, com aplicativo, com uma comissão ampliada, com atendimento 24 horas, com Procuradoria de Prerrogativas, isso fez com que os advogados percebessem que podem contar com a OAB.

 

Uma das pautas mais enfrentadas pela OAB foi a criação do piso salarial da advocacia. Foi difícil aprovar o piso no valor de R$ 3,5 mil? O valor definido terá que ser revisto quando o projeto for apresentado à Assembleia Legislativa, tendo em vista que o anteprojeto foi encaminhado para a Casa Civil? Já há defasagem?
Uma das principais características de nossa gestão não foi ter jogado nada para debaixo do tapete. Foi a primeira vez que a Ordem discutiu isso, e como tudo que é a primeira vez, nós tivemos que aprender como fazer. Acho que fizemos isso da melhor forma possível com apoio da OAB Jovem. A gente fez uma discussão com a classe, na capital e no interior, fomos ouvindo as pessoas e chegando ao denominador comum, a um valor que não é nada demais, mas o mínimo do mínimo, porque o mercado não segue esse mínimo. Tem um monte de advogado que não ganha isso. Infelizmente, ainda não conseguimos que o governo do estado encaminhasse o texto para a Assembleia Legislativa e a sensibilidade para fazer isso. O anteprojeto está na Governadoria. Eu nunca tive nenhuma reunião com o governador. Eu não tenho nenhuma aproximação pessoal e nem institucional com o governador, apesar de ter uma interface em vários órgãos do governo, como a Secretaria de Segurança Pública, que sempre me atendeu muito bem, apesar de termos tido alguns conflitos, pois a gente se posiciona criticamente, como no Caso Cabula. Mesmo com toda pressão política que a gente fez, não conseguimos ainda avançar com esse projeto. Eu espero que Fabrício e a próxima gestão consigam, pois isso é muito importante. Uma vez aprovado na Assembleia, deve se fazer uma discussão sobre a atualização dos valores. Já são três anos que chegamos a esse valor. Ele precisa ser revisto sempre. No curso do debate do valor, era esperado que houvesse conflito de interesses. Alguns achavam que não era bom para o mercado da advocacia que os valores fossem tabelados, pois acham que cabe ao mercado tabelar livremente. Eu sou a favor do livre mercado, mas acho que é preciso estabelecer um piso para evitar a exploração de jovens e das mulheres pelo mercado. É uma tentativa de contribuir para a nossa classe para que tenham uma remuneração diferente.

 

A indisposição do governador seria por conta das audiências e debates sobre o Caso Cabula?
Não acho. Eu acho que é natural de um governo democrático tenha posições distintas. Acho que tem pessoas dentro do governo com posições distintas. E às vezes, a política tem esse tempo mesmo. Não é uma reação à OAB por isso ou aquilo. Acho que faz parte da dinâmica. Também acho que tem a ver com o ser novo, pois nunca teve. Temos tentado sensibilizar o governador e esperamos que ele consiga entender a importância disso.

 

A mulher também foi um avanço na sua gestão, com maior participação. E agora, a chapa de Fabrício foi composta por 50% de mulheres. Essa participação é efetiva e legítima?
Eu acho que é um caminho sem volta na sociedade brasileira. E acho que na OAB também. Na prática, quando você vai a um escritório de advocacia, você percebe as mulheres em número muito maior, advogando. Eu tenho uma conversa franca com elas sempre, com todas as minhas colegas de Ordem. Esta é uma questão política, não é uma questão moral, não é uma questão jurídica. Quando o Conselho Federal da OAB, seguindo a legislação eleitoral brasileira, estabeleceu a cotas, isso aparece como uma regra, não como uma questão jurídica, e sim política que a jurídica reproduz. A chapa de Fabrício é uma afirmação política. Nunca se teve isso e precisa ser viabilizado. Eu acho que vai ser melhor e não porque são mulheres. Vai ser melhor porque são advogadas competentes e que podem trazer sua contribuição para OAB.

 

Foi difícil formar essa chapa, sobretudo pelo histórico da instituição, que sempre foi formada por mais homens?
Não houve problema. Não houve essa coisa na hora de formar a chapa, de decidir que seria 50% para as mulheres. Levamos dois anos conversando com as pessoas de que era preciso criar os espaços. As mulheres se organizaram e tiveram nosso apoio, e essa organização aconteceu durante a Conferência das Mulheres Advogadas.

 

Foi uma demanda natural das mulheres?
Foi uma conquista. Na verdade, é o reconhecimento da importância política das mulheres. Publicamente, não teve nenhuma reação contra a essa composição. Pode ter gente que não concordasse, mas não manifestou. Eu sou muito franco. Eu não posso dizer tudo o que penso, mas eu nunca minto para ninguém. Eu não faço esse jogo, de assumir uma coisa, e fazer outra. Aquilo que é da política é na disputa do poder. O que eu me interesso na política é para servir as pessoas. Aqui, servimos de forma voluntária, mas é uma disputa de poder. Nós acabamos de vencer uma eleição. Agora, por exemplo, no cenário nacional, vai ser eleita uma nova chapa para substituir a diretoria atual. Os novos conselheiros vão eleger a nova diretoria. Eu fui eleito conselheiro federal e estou pleiteando que a OAB da Bahia represente o nordeste na próxima gestão, que, provavelmente será presidida por Felipe Santa Cruz, e estou pleiteando que a Bahia tenha a vice-presidência. Há uns três meses, quando eu estava no Conselho Federal, um grupo de mulheres veio me pedir apoio para que haja mulher na diretoria. Eu falei para elas que a nossa tradição, que já é um costume, é que cada região – são cinco – indique um diretor: Sul, Sudeste, Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Eu falei para elas que eu não poderia falar pelas outras regiões, mas que pelo Nordeste, não vai ter mulheres na diretoria, pois eu estou pleiteando essa vaga. Eu tenho apoio dos nove estados do Nordeste. Se eu não dissesse isso, seria um jogo de mentiras. Eu não posso falar pelo Norte, pelo Sudeste, se deve ter mulher. Assim, fica uma conversa franca, não fica uma coisa de ‘frufru’. Eu não trato as mulheres assim. Minha mãe trabalhou a vida inteira, foi professora, agora é aposentada. Minhas irmãs trabalham, minha esposa trabalha. Eu sou um homem que convivo com mulheres que são iguais. Eu não nasci em uma casa que tratasse uma mulher como uma bonequinha de porcelana.

 

Como foi ser presidente da OAB?
Nesses seis anos, aqui, eu nunca ocupei uma posição de mando. Só tem duas coisas que eu faço como presidente: eu meço e decido. Eu avalio e decido. Não é simples. É um mundo de coisas. Mas eu nunca faço isso com a posição do meu querer pessoal, como alguém capaz de mandar em alguém. Eu sempre chamo as pessoas para avaliar junto comigo. E sempre que uma decisão precisou ser legitimada coletivamente, sempre foi legitimada coletivamente.

 

Muitos advogados o intitulam "porto e farol" da advocacia baiana. Como é receber esse reconhecimento dos colegas e o que a experiência baiana acrescenta para a OAB nacional?
Eu disse isso na primeira posse, em janeiro de 2013, e Marcos Vinicius Coêlho, que era presidente da OAB nacional, veio e ouviu o discurso, e passou a dizer isso, como eu sendo ‘porto e farol’. E isso pegou. Eu acho isso meio contraditório. Eu, pessoalmente, acho que tem a ver com a representação, pois me dediquei a representar as pessoas com todo ônus que isso significa. É muito mais ônus do que bônus. Eu sempre contive meu querer, minhas vontades, em nome do que é melhor para a advocacia. Raras vezes eu disse o que eu pensava sobre o que seria o melhor ou pior para advocacia. Já fiz isso, mas por erro. Representar é difícil, representar é tentar entender o que a maioria quer, gostaria, e atuar em relação a isso, deixando seu interesse pessoal em segundo plano. De alguma forma, quando dizem isso, me reconhecem como representante. Eu tentei fazer isso da melhor forma possível. Eu criei a expressão para a OAB da Bahia. Não me acho qualificado a esse ponto não. Mas sou determinado, e sou um bom estudante, e vou aprendendo. É preciso entender os anseios da advocacia e o que a advocacia quer é trabalhar. É sobreviver do seu trabalho, mas isso virou quase uma impossibilidade. Virou um inferno, pois não tem mercado para todo mundo, o Judiciário funciona muito mal, as faculdades preparam mal as pessoas. Se torna um conjunto de coisas para algo tão simples. Na OAB nacional, acho que as pessoas podem esperar alguém com maturidade para servir à advocacia, e servir à gestão de Felipe Santa Cruz, que vai ter pela frente um desafio grande, diante do atual contexto, nos próximos três anos. Internamente, com relação à advocacia, e externamente, com relação ao Brasil. Na advocacia, a inteligência artificial será um desafio, porque tecnologia desemprega. Se já está difícil o mercado, na hora que um computador fizer melhor e mais rápido que os advogados fazem, se tende a desempregar mais ainda. Não tem como conter o avanço tecnológico, mas precisamos de uma política para discutir com a classe e o que vamos fazer. Vamos pautar o tema para enfrentar o problema. E vamos mostrar que é possível advogar mesmo com a inteligência artificial. E temos a questão do governo novo, independente da coloração ideológica, e isso vai fazer com que haja muitas mudanças e muitas mudanças pelo que se mostra, com grandes repercussões jurídicas. A OAB vai precisar estar preparada para discutir o tema, sem paixão política.