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Entrevista

Justiça Federal: Corte de 24% no orçamento pode afetar combate à corrupção

Por Cláudia Cardozo

Justiça Federal: Corte de 24% no orçamento pode afetar combate à corrupção
Foto: Cláudia Cardozo/ Bahia Notícias

O juiz Dirley da Cunha Júnior foi eleito em junho deste ano para dirigir a Justiça Federal na Bahia (SJBA) para o próximo biênio. E ele assume a direção do órgão em um momento delicado. A Justiça Federal na Bahia teve um corte orçamentário em custeio de quase 24%, que poderá impactar no atendimento ao cidadão, sobretudo os que movem ações previdenciárias. “A Justiça Federal da Bahia, este ano de 2018, recebeu na distribuição orçamentaria R$ 40 milhões, que já foi muito pouco por conta da emenda 95 de 2016. Ano que vem, vamos receber R$ 30 milhões. Uma perda de quase 24%”, estima o diretor. “Nossos aparelhos de ar condicionado são desligados, em todo estado da Bahia, às 17h45. Vamos ter que antecipar esse horário de desligamento dos aparelhos de ar condicionado. Vamos ter que cortar esse tipo de gasto, coisas banais também, como no café. É açúcar e café. Há um bom tempo que a gente só serve puro. Leite? Nem pensar”, elenca o magistrado algumas medidas que deverão ser adotadas. 

 

O corte ainda deve impactar em operações importantes realizadas pela Justiça Federal, como a Lava Jato. A falta de recursos pode afetar a contratação de estagiários no próximo ano. Para o juiz federal, a “sociedade ainda está um pouquinho alheia” ao colapso que a Justiça Federal pode enfrentar. “Eu acredito que a sociedade vai acordar quando, de fato, começar a sentir direta e indiretamente os efeitos perversos desses cortes no orçamento”. 

 

Como foi sua eleição para o cargo de diretor da Justiça Federal na Bahia?
É um critério bem objetivo, na verdade. O nosso Tribunal Regional Federal, que tem sede em Brasília, segue um rodízio pelo critério de antiguidade. Então, chegou a minha vez. A Seção Judiciária de todo o estado da Bahia é formada por 24 varas federais sediadas na capital, e 19 varas federais distribuídas no interior, nas chamadas 15 subseções. De todas as varas federais, hoje eu sou o mais antigo que não participei ainda do rodízio. Isso acontece também por uma tradição, que já existe há décadas, no que tange a eleição da presidência, como no Supremo Tribunal Federal por exemplo. Eu fui vice-diretor na gestão anterior. Normalmente, quem foi o vice-diretor na gestão anterior passa a ser diretor na gestão posterior. Atualmente, nós temos o nosso vice-diretor, juiz Fábio Ramiro, que na próxima gestão assumirá como diretor e aí sucessivamente. Nós recebemos com bastante tranquilidade essa notícia, já previamente sabida, para esse grande desafio no biênio de 2018 a 2020.

 

Como vai ser atuar como gestor da Justiça Federal no estado?
Atuar na condição de gestor de toda Justiça Federal da Bahia não é brincadeira. Hoje, nós temos mais de 1,2 mil servidores no quadro, além dos colaboradores, que trabalham conosco, que são os chamados terceirizados - vigilância, serviços gerais, etc. Nós temos, hoje, claro que isso é sazonal, 80 juízes federais em todo o estado da Bahia, um numero aquém do que deveríamos ter. Na verdade, salvo engano, nós deveríamos ter mais de 90, porque são dois juízes por vara. São 33 varas, no total, mais 6 varas de JEF [Juizado Especial Federal], 4 turmas recursais. Em cada turma recursal, nós temos 3 juízes. Então, só nas turmas recursais são 12 juízes. Nós temos entre 1,2 mil a 1,3 mil servidores quando, na verdade, deveríamos ter muito mais, porque muitos dos nossos servidores se aposentaram, por uma questão de despesa. Por determinação do Conselho Nacional de Justiça, as vagas provenientes de aposentadoria não podem ser providas, para não gerar um duplo pagamento. Ou seja, de quem se aposentou e o novo servidor. Pelo receio de uma futura reforma previdenciária, muitos dos nossos servidores antigos estão se aposentados e as vagas não estão sendo providas. Estamos perdendo, cada vez mais, a nossa força de trabalho.

O senhor assume a diretoria em um momento delicado, com corte no orçamento da Justiça Federal para custeio. Como vai ser gerir com orçamento limitado?
É um grande desafio. Vamos tentar gerir com criatividade. Sobre o corte de despesas, nós estamos fazendo um estudo. Eu montei uma equipe para fazer estudos profundos para depois apresentar sugestões de cortes no âmbito de toda a Justiça Federal da Bahia. Estamos pedindo que o estudo abranja toda a justiça baiana. Eles vão apontar de forma bem criteriosa e objetiva onde nós vamos ter que gastar. E muito disso é em decorrência da Emenda 95, que estabeleceu o novo regime fiscal da União e, por consequência, um teto máximo de gastos no âmbito federal, de modo que os órgãos com autonomia orçamentaria da União - porque essa emenda não se aplica aos Estados nem aos Municípios - passa a se sujeitar a mais esse limite estabelecido por essa emenda. E esse limite é exatamente o seguinte: o orçamento de todos os poderes da União de 2016 será congelado e aplicado para os 20 anos seguintes. Ou seja: nós vamos aplicar o orçamento de 2016 até 2036. Mas com uma correção meramente monetária com base no IPCA, que, para este ano foi de 2,1%.  Essa é a realidade. Por conta disso, a Justiça Federal está com cortes absurdos. A Justiça Federal da Bahia, este ano de 2018, recebeu na distribuição orçamentaria R$ 40 milhões, que já foi muito pouco por conta da emenda 95 de 2016. Ano que vem, vamos receber R$ 30 milhões. Uma perda de quase 24%.

 

Com isso, quais medidas deverão ser adotadas?
O que a gente recebe é para custear os nossos serviços: água, luz, por exemplo. Já utilizamos algumas medidas de economia há um bom tempo. Nossos aparelhos de ar condicionado são desligados, em todo estado da Bahia, às 17h45. Vamos ter que antecipar esse horário de desligamento dos aparelhos. Vamos ter que cortar esse tipo de gasto, coisas banais também, como no café. É açúcar e café. Há um bom tempo que a gente só serve puro. Leite? Nem pensar. Fora a contratação de terceirizados. Isso vai gerar um problema? Vai. Nós temos terceirizados que colaboram conosco em serviços gerais, por exemplo limpeza. A limpeza vai ficar prejudicada? Vai. Nós vamos ter que cortar na vigilância. Se nós temos 10 vigilantes, vamos cortar 3 ou 4. Vamos ter um prejuízo na segurança dos nossos servidores, dos nossos juízes, e dos jurisdicionados, que são os cidadãos que nos procuram diariamente. Tem que cortar tudo, infelizmente.

 

Esse corte seria uma retaliação, diante do trabalho da Justiça Federal em operações como a Lava Jato?
A princípio, não vejo isso como retaliação, porque foi um corte generalizado. A Emenda 95 é causadora disso. Só que esse corte generalizado está de fato prejudicando muitas das nossas atividades, entre as quais, atividades de combate a corrupção e criminalidade do colarinho branco. Sem sombra de dúvidas, operações como a Lava Jato, - que é a mais importante, temos outras de expressiva relevância em andamento - vão sofrer. Não tenho dúvidas disso. Vão sofrer, como também vão sofrer todos os cidadãos, principalmente o cidadão de baixa renda.  Nós vamos ter um prejuízo muito grande nas nossas cidades, especialmente nos Juizados Especiais Federais, onde se faz justiça para as pessoas de baixa renda, principalmente para os segurados da previdência.

 

Que é a maior demanda da Justiça Federal, não é?
O INSS é a nossa maior clientela. São os maiores demandados, porque os segurados se utilizam muito da Justiça Federal, por ter um rápido acesso, sem a necessidade de advogados, e por ser mais célere. Os segurados estão sabendo seus direitos, e alie-se isso a algumas operações desencadeadas pelo governo federal, como Operação Pente Fino, que determinou o corte de muitos benefícios existentes de incapacidade – auxilio doença e aposentadoria por invalidez. E os segurados que tiveram seus auxílios-doença, suas aposentadorias por invalidez, cortadas, cessadas, que é o termo mais técnico, vão judicializar, vão procurar muito a Justiça Federal, e o JEF. A gente espera um crescimento muito grande de procura da Justiça Federal, principalmente aos Juizados Especiais, e com o problema de corte no orçamento, claro que isso vai reverberar na Justiça Federal.

 

A sociedade ainda não se deu conta do colapso que pode acontecer?
Infelizmente, a sociedade ainda está um pouquinho alheia a tudo isso. Eu acredito que a sociedade vai acordar quando, de fato, começar a sentir direta e indiretamente os efeitos perversos desse cortes no orçamento da Justiça Federal.

 

A Justiça Federal tem tido algum diálogo com os parlamentares no sentido de suplementar esse recurso?
É um diálogo intenso com relação a isso entre as nossas entidades representativas - tanto dos servidores da Justiça Federal e das associações dos juízes federais, além da presidência dos Tribunais Regionais Federais. Há a tentativa de um diálogo intenso, mas o que a gente observa é que não está tendo um eco muito grande com relação a isso, de tal modo que não está tendo esse acolhimento. A gente tenta dialogar, eles nos ouvem, mas as respostas são sempre as mesmas: "vamos tentar", "não deu", e isso é um problema.

 

Como a Justiça Federal pode ficar daqui a dois anos, caso não ocorra essa suplementação?
Até o final deste ano, apesar do valor já ser pouco, a gente está, de forma bastante criativa, administrando os recursos atuais, para conseguirmos até dia 31 de dezembro deste ano colocar o serviço em ordem e deixar em pleno funcionamento. Mas no ano que vem, nós vamos ter muita dificuldade, isso é muito grave porque nós estamos com dificuldade de pagar, por exemplo, bolsa de estagiário.

 

E são quantos estagiários?
Nós temos, em media, 300, 400 estagiários. O custo mensal com bolsas de estágio é de aproximadamente R$ 450 mil. E nós já diminuímos porque nossa bolsa de estagiário correspondia a R$ 900, para o trabalho diário, de 4 horas, de segunda a sexta. Nós tivemos que diminuir para R$ 800 e diminuímos também o trabalho diário para carga horaria de 3 horas e meia. Para bolsa dos estagiários, estamos tentando administrar os valores atuais até o final do ano. No ano que vem a coisa está pior ainda. Nós vamos perder bastante estagiário, e obviamente que isso é ruim para os acadêmicos de Direito que precisam de uma atividade prática.

 

Qual a possibilidade da Bahia sediar um Tribunal Regional Federal? É algo distante?
Esse sonho não está distante, mas hoje ele está muito difícil. Os quatro Tribunais Regionais Federais já foram criados pela emenda constitucional 73, que foi aprovada em junho de 2013. A emenda criou o TRF-8, com sede na Bahia e compreende também o estado do Sergipe. Os tribunais estão criados, mas houve uma propositura de uma ação direta de inconstitucionalidade contra essa emenda. O então ministro do Supremo, Joaquim Barbosa, resolveu monocraticamente, ou seja, sozinho, suspender os efeitos dessa emenda 73. Então, o efeito de se implantar os tribunais que a emenda 73 criou está suspenso. Está no Supremo parado há 5 anos. Houve uma inclusão de julgamento dessa ação direta de constitucionalidade para ocorrer no dia 6 de junho deste ano, ou seja, há dois meses. Só que, no dia do julgamento, a presidência do STF retirou da pauta sem nenhuma justificativa. Seria possível a instalação desses tribunais, sim. É possível que uma outra emenda à Constituição amplie o orçamento para implantação destes tribunais, é possível, desde que haja essa outra atividade legislativa.

É necessário que a Bahia e Sergipe tenham um tribunal só pra eles? Porque o TRF-1 é muito grande.
Ele é mais da metade do país. São 14 estados da federação, incluindo o Distrito Federal, para um tribunal só, enquanto os outros tribunais são dois estados ou um pouquinho mais. Nós precisamos, não tenha duvida disso. O acervo da Bahia é gigantesco, considerado o fato de que o tribunal não seria só a Bahia, mas também, Sergipe - claro que o acervo processual de Sergipe é muito menor que o da Bahia, mas complementaria.

 

Como tem sido o relacionamento com a OAB? Os advogados reclamam muito dessa falta de estrutura? Compreendem o momento que a Justiça Federal vive aqui na Bahia?
A OAB tem uma relação institucional muito harmônica com a Justiça Federal. Estamos sempre em diálogo, em debate com seus dirigentes, tanto com o presidente da OAB quanto com as presidências das diversas comissões integrantes da OAB da Bahia, além das subseções da OAB localizadas no interior. Semana passada, por exemplo, atendi aqui a Comissão Previdenciária da OAB. Semana que vem, eu vou atender a comissão nova que foi criada, da Justiça Federal. Achei inovador a OAB criar a Comissão da Justiça Federal, exatamente pra estreitar mais ainda as relações institucionais. Mas claro que, individualmente os advogados se queixam - e justamente, corretamente, quem não se queixaria, né? – mas, ao mesmo tempo, compreendendo o cenário atual, o cenário de dificuldade da Justiça Federal no Brasil inteiro, especialmente na Bahia, onde os advogados aqui militam. Há sim uma conscientização muito grande por parte dos advogados. Mas eu encaro qualquer tipo de reclamação, de queixa, como algo absolutamente natural. Eles sabem que nós dependemos muito dos recursos públicos para a gente melhor servir a toda comunidade, especialmente ao próprio advogado, cuja profissão é fundamental, essencial à administração da Justiça, como a própria Constituição proclama no artigo 133, do texto constitucional.

 

O supremo aprovou por 7 votos a 4 o aumento salarial dos ministro, que vai gerar um efeito cascata. A preocupação é com o orçamento. Vai ter recurso para pagar salários dos magistrados, caso venha a ocorrer esse aumento?
Na verdade essa iniciativa do Supremo foi para inclusão no orçamento. O Supremo não chegou a encaminhar ainda um Projeto de Lei para o Congresso, porque a iniciativa compete ao próprio Supremo, é iniciativa privativa. O Congresso vai apreciar em suas duas casas, em sessões separadas e sucessivas. Então, a providência que nós tivemos recentemente no STF foi para incluir na proposta do orçamento geral da União. E o fundamento que o Supremo utiliza é de uma correção de mais de uma década. Os juízes são trabalhadores, os juízes têm filhos, os juízes precisam pagar suas despesas e os juízes de um modo geral, - eu falo em âmbito da União, porque cada estado tem sua politica econômica -, os juízes da União estão há mais de dez anos sem nenhuma atualização monetária. Essa proposta do Supremo é de correção de 16 anos, é uma atualização monetária e não de reajuste real, acima da inflação. O problema é que, de fato, a sociedade interpreta como se fosse um aumento do ano, mas isso é um aumento retroativo, que compreende uma década sem qualquer atualização monetária.

 

O não reajuste do salário dos juízes federais há uma década seria perseguição?
Neste caso, hei de concordar que a resistência, a pretensão de atualização remuneratória da Justiça, pode sim estar associada a qualquer tipo de retaliação. Estou aqui apenas dando uma sugestão, baseado em um juízo de probabilidade. É diferente com relação ao limite estabelecido nos gastos, que foi um limite que se aplicou a todos, e diante desse limite, veio a imposição dos cortes. Quando se aplicou a todos, eu não vejo muita relação. Mas a resistência à pretensão de uma remuneração, ou da atualização monetária dos valores concedentes aos juízes, eu vejo de uma certa forma, reitero, nesse juízo de probabilidade, uma tentativa de retaliação sim, da magistratura federal.

 

Gostaria de deixar o espaço em aberto aqui para considerações finais.
Eu falo pela Justiça Federal. Eu fui procurador da República, membro do MPF já atuante aqui na esfera da Bahia por cinco anos, e pelo que eu tenho visto ao longo de 20 anos é que a Justiça Federal, em razão do seu trabalho, em razão da sua dedicação, em razão até da sua respeitabilidade diante da sociedade, vem sendo muito acreditada. Há uma credibilidade institucional muito grande em relação à Justiça Federal. E isso, obviamente, é o resultado de uma atuação conjunta dos juízes, dos servidores, e obviamente dos próprios advogados, que são protagonistas e que nós servimos. Servimos ao jurisdicionado, temos a ideia de que estamos aqui para servir. Então, mesmo diante desse cenário de corte, de redução, de retaliação, eu acredito que a Justiça Federal vai continuar forte e vai continuar sendo respeitada pela sociedade, porque estamos, com todas as dificuldades, resistindo a todas elas. E vamos tentar, de uma forma criativa, manter nosso nível de credibilidade e de respeitabilidade para que todos os cidadãos que precisem da Justiça Federal estejam muito bem servido pela Justiça Federal, principalmente para o cidadão de baixa renda e de poucos recursos. Antes de virar diretor do foro, eu era juiz dos Juizados Especiais Federais. O contato que eu sempre tive nas audiências com as pessoas que me procuravam me deixava muito animado, porque eu via as pessoas saindo muito felizes com as sentenças proferidas pelos JEFs, pelo acolhimento que os JEFs sempre deram, principalmente os segurados da Previdência Social e das pessoas que necessitam da assistência social.