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Entrevista

DPU-BA conta com apenas 21 defensores na capital: ‘Número é insuficiente’

Por Júlia Vigné / Cláudia Cardozo

DPU-BA conta com apenas 21 defensores na capital: ‘Número é insuficiente’
Charlene Borges | Foto: Paulo Victor Nadal/ Bahia Notícias
Contando com apenas 21 defensores públicos em sua atuação, não contabilizando servidores em seu quadro próprio, atendendo apenas a duas cidades no interior do Estado e com 1,5 mil processos acumulados, por defensor, a Defensoria Pública da União na Bahia (DPU-BA) se encontra desestruturada e com dificuldades de atuação na capital baiana e em todo a Bahia. A defensora pública-chefe Charlene Silva Borges fez um balanço de seus 10 meses de gestão e da dificuldade encontrada em gerir a DPU baiana, que encontra diversos percalços em todas as instâncias de atendimento. Charlene conta que diversas áreas de atendimento tiveram que ser suprimidas da ação dos defensores, justamente por conta da falta de quadro. “O número [de defensores e de servidores] é insuficiente. Na verdade a DPU atua em várias áreas distintas e hoje temos que restringir o atendimento por conta do número insuficiente de defensores. Hoje, nós temos uma limitação de atendimento”, explicou. A principal área atingida é a trabalhista, que foi suprimida pelo órgão por conta da falta de estrutura para acompanhar os processos. “Nós não atuamos [na área trabalhista] porque é impossível com o atual quadro de defensores. São 17 defensores para atender as 39 varas de Trabalho e nós tivemos que optar por não atuar na área trabalhista”, explicou. Mesmo com todas as adversidades, a defensora federal conta que houve um aumento de 10% do atendimento em relação ao ano passado, mas requer um olhar “especial” do governo federal em relação ao órgão. “Não temos previsão para aumento no quadro, isso depende muito das negociações com o governo federal e do interesse do governo em fortalecer a instituição que defende os necessitados. A nossa expectativa é que o governo se sensibilize com a situação da DPU e com a importância de atender às pessoas carentes”, destacou.

Como funciona a Defensoria da União na Bahia e como ela está estruturada atualmente?
A Defensoria Pública da União da Bahia (DPU-BA) está estruturada atualmente com 21 defensores para atender todas as Varas federais situadas no município de Salvador e região metropolitana. Dos 21 defensores, quatro atuam na segunda instância e 17 na primeira instância. A equipe de defensores para atender a população de Salvador é composta por 17 defensores federais e isso é muito pouco, se formos considerar o universo de demandas que existem na capital baiana relacionada às áreas federais. Em média, podemos contar com mais de 1,5 mil processos de assistência jurídica ativos na capital, por ano, por defensor. Esse total acaba indo e voltando dependendo da movimentação processual.
 
Esse número de servidores é suficiente para atender a todas as necessidades dos cidadãos baianos ou é preciso ampliar esse quadro?
O número é insuficiente. Na verdade, a DPU atua em várias áreas distintas e tivemos que restringir o atendimento por conta do número insuficiente de defensores. Hoje, nós temos uma limitação de atendimento, através do sistema de senhas, de agendamento, que faz com que a agenda esteja um pouco mais para frente. Agora, por exemplo, já estamos alcançando o mês de março de 2017 para esses agendamentos. Se tivéssemos mais defensores, os assistidos não iriam precisar esperar tanto para ter o primeiro atendimento realizado pela defensoria. Outra questão é em relação às áreas de atuação. Se tivéssemos mais defensores, poderíamos atuar em outras áreas. A exemplo da área trabalhista, que é atribuição da Defensoria Pública da União, mas nós não atuamos porque é impossível com o atual quadro de defensores. São 17 defensores para atender as 39 varas de Trabalho e hoje nós tivemos que optar por não atuar na área trabalhista.
 
E como fica esse atendimento no interior?
Além de Salvador, nós temos 15 subseções judiciárias, como se fossem comarcas federais. Dessas 15, nós só atuamos em duas, que é Feira de Santana e Vitória da Conquista. O que temos é o universo de 13 municípios que possuem vara federal e que não tem Defensoria Pública da União. O município de Juazeiro, por exemplo, é atendido pela DPU com sede em Petrolina. Fora essa situação, nós temos 13 varas federais que não têm representantes da DPU-BA. A região sul é uma área muito carente, principalmente relacionado às demandas das causas indígenas e nós não temos DPU lá. Muitas vezes, nós temos que deslocar um defensor federal da capital para atender essa região, para atuar em alguma demanda coletiva de um grupo vulnerável, mas o ideal é que tivéssemos uma sede lá para atender. E neste ano, nós não conseguimos implantar nenhuma unidade nova no Estado.
 
A Emenda Constitucional 80 foi aprovada e, a partir dela, como tem sido a nomeação de defensores para cada comarca?
Na realidade aqui da Bahia, não houve implantação de nenhuma unidade nova. O dispositivo constitucional não foi cumprido nesse sentido. No Brasil, ainda é muito tímida a implantação de novas unidades. O país tem o total de 25% de presença nas subseções judiciárias federais, então é muito pouco. Na Bahia, não foi implantada nenhuma unidade nova desde 2010, quando foi implantada em Vitória da Conquista. Isso é muito sério. Temos seis anos sem ampliação da Defensoria Pública da União no interior do Estado.
 
E o que isso pode acarretar para a população? Quais são os principais serviços que ficam prejudicados tendo em vista que a defensoria atua em casos como previdência, saúde, entre outros?
Em relação à área de saúde, felizmente nós podemos contar com a atuação solidária da Defensoria Pública da Bahia (DP-BA) nos municípios onde não tem DPU. Mas, em algumas matérias da área federal, muito sensíveis à população vulnerável, a exemplo da área previdenciária, que envolve verbas de caráter alimentar, é muito preocupante que as pessoas que estão em situação de vulnerabilidade tenham uma incapacidade. Essas pessoas não podem trabalhar e, às vezes, precisam de um benefício previdenciário de incapacidade, não têm um amparo assistencial para o idoso, para uma pessoa portadora de deficiência. Essas são as principais matérias relacionadas a área previdenciária que envolvem a população carente. São os benefícios de incapacidade e as aposentadorias. Essas pessoas ficam desprovidas da assistência da Defensoria. E, muitas vezes, desconhecem que podem levar uma pretensão pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) até o poder Judiciário Federal. Ainda é muito tímido o conhecimento da população sobre o direito a ter uma Defensoria Pública também na área federal. A população do interior acaba ficando prejudicada, porque, muitas vezes, acaba não tendo condições de vir à capital para buscar uma assistência jurídica. No ano de 2016, a Defensoria Pública Geral da União desenvolveu um projeto chamado 'Defensoria para todos' e nós implantamos aqui, a partir do segundo semestre de 2016. Nós estabelecemos alguns municípios do interior do estado em que nós enviaríamos uma equipe de quatro defensores para fazer o projeto itinerante,  semanal, com média de quatro, cinco dias de atendimento à população. No processo, nós entramos com petições judiciais aqui em Salvador e passamos a acompanhar pela capital. Aconteceu em Santo Antônio de Jesus, por exemplo, uma parceria com a Defensoria Pública estadual, que cedeu instalações para que, periodicamente, fizéssemos atendimentos lá. Foi uma forma encontrada de suprir essa deficiência de DPU no interior, com esses atendimentos itinerantes. Mas é uma solução que não pode durar muito tempo, porque o ideal é ter uma unidade fixa, instalada com um defensor que resida no município, para que possa atender a população de maneira permanente. Essa solução de itinerantes busca melhorar, mas, nem de longe, a gente consegue alcançar a demanda que está à espera da gente, principalmente nesses períodos em que a União resolveu realizar diversas revisões na área previdenciária, vários cortes de benefícios. Estamos vivendo em um período com uma demanda muito grande pela Defensoria na área previdenciária. Nós temos a reforma da previdência aí batendo às portas, que envolve também a necessidade de discussão sobre esses temas. Quem perde é a população vulnerável por não ter a defensoria no interior do estado. Aqui na capital, a atuação já é difícil porque não damos conta do total de volume, imagina no interior.
 

 
Já há uma articulação a nível federal para tentar trazer mais defensores para a Bahia?
Nós temos o quadro de mais ou menos 600 vagas de defensores sem provimento. Há três anos, nós aprovamos uma lei que determinou a implantação desses cargos federais de defensores, só que não conseguimos prover porque depende de orçamento. Nós temos as vagas, mas não temos orçamento pessoal para prover. E agora com a PEC 55, nós não temos perspectiva de crescimento atual, que já é muito inferior às demais carreiras da área jurídica. O grande problema é o orçamento de pessoal para nomear os cargos que nós temos. Nós temos cargos, mas não temos orçamentos para nomeação. Para a Bahia, nós não temos perspectiva, não temos previsão para aumento no quadro, isso depende muito das negociações com o governo federal e interesse do governo em fortalecer a instituição que defende os necessitados. A nossa expectativa é que o governo se sensibilize com a situação da DPU e com a importância de atender às pessoas carentes. Não temos perspectiva de fortalecimento da DPU, nem de ocupação dos seus cargos. Pelo contrário, o que temos sofrido atualmente é a evasão da carreira. Nós temos perdido colegas para outras carreiras e isso faz com que diminua a nossa atuação. Isso não aconteceu na Bahia ainda, mas existem unidades no país que irão fechar, provavelmente,  porque os defensores estão sendo aprovados em outros concursos e, como não tem perspectiva de outro defensor para repor, vão surgindo notícias de unidades da DPU que irão fechar por conta de falta de defensor. A carreira não é valorizada.

Há esse desprestígio com a carreira perante os órgãos públicos, com o Executivo, com quem realmente precisa estruturá-lo?
O que acontece é o estabelecimento de prioridade. A gestão pública avalia suas prioridades e estamos em um governo em que a prioridade talvez não seja o atendimento à população necessitada. É verdade que nós atuamos contra o governo, nós atuamos contra a União, nós damos despesa, em tese, porque buscamos benefícios previdenciários, buscamos verbas para a população necessitada, que muitas vezes são negadas por órgãos públicos federais. Talvez, seja intuitivo pensar que não seria interessante fortalecer o órgão que atua contra si, mas eu não tenho como afirmar que esse foi exatamente o pensamento. Mas não há uma política de valorização do defensor público, nem de estruturação. Precisamos de crescimento, de valorização da carreira, de fortalecimento do orçamento para que a gente possa interiorizar e cumprir a Constituição no sentido de implantar uma Defensoria onde tem uma Vara federal. E, para isso, é preciso que o governo se sensibilize da importância disso.

Já há alguma preocupação com relação à reforma da previdência? Isso pode sobrecarregar ainda mais a Defensoria?
É uma preocupação de todos, acho que não só da Defensoria. Acho que toda a sociedade encontra-se em comoção por conta dessa perspectiva, que vai alterar drasticamente o nosso cenário. Nós lançamos em outubro uma campanha chamada 'O que será do amanhã?' que busca justamente discutir as reformas, a participação da sociedade e a participação dos órgãos que atuam diretamente ligados à previdência. É importante um debate maior, porque a população necessitada é quem vai pagar esse preço. É preciso avaliar quais são as outras alternativas para suprir o dito 'rombo da previdência' e é preciso haver um maior debate, porque quem vai sofrer a maior consequência são os necessitados.

Esse diálogo não foi pré-estabelecido com esses agentes envolvidos anteriormente, antes dessa reforma começou a tramitar?
Não. Não foi marcada nenhuma audiência pública para discutir esse tema. No processo legislativo de votações de alto impacto são realizados, mas, por enquanto, não se iniciaram debates. O projeto também é muito recente, existe a comoção social e esperamos que o governo se sensibilize e possa discutir a questão com mais cautela sobre as mudanças que podem prejudicar a população.  

Por conta do quadro da Defensoria, muitas vezes o órgão acaba empreendendo ações coletivas. Como está aqui na Bahia essa questão?
Nós temos um ofício especializado em Direitos Humanos, temos um defensor regional para atuar exclusivamente nessa área e sempre temos demandas coletivas. Recentemente, entramos com uma ação civil pública em face do INSS por conta da demora de marcação de perícias, e também atuamos para a população quilombola. A tutela coletiva faz parte do nosso cotidiano e vejo como uma solução muito eficiente dos problemas. Podemos utilizar as vias coletivas para resolver, de uma vez só, os problemas de muitas pessoas. Nós temos algumas questões com as ocupações estudantis, não apenas com os que ocupam, mas também com os que são contra as ocupações. Fomos procurados a título de prevenção pelos estudantes do Instituto Federal da Bahia (IFBA) para consultar sobre os direitos e para pedir a assistência da DPU no caso de qualquer situação.

Como foi o balanço das ações da sua gestão e qual é a importância da DPU para a população?
Eu poderia destacar nesse ano de 2016, já que eu comecei em fevereiro, a realização de alguns projetos importantes. O 'Defensoria para todos' que é essa atuação itinerante no estado. Esse ano, atuamos em Cruz das Almas, Valença, Cachoeira, Santo Antônio de Jesus e Nazaré das Farinhas. Destes, tivemos uma parceria específica com a DP em Santo Antônio de Jesus, e nos outros municípios fizemos parcerias com as prefeituras, que cederam o espaço e a estrutura para que pudéssemos fazer o atendimento. O projeto foi importante porque levou assessoria jurídica para o interior para uma população que não tem condições de se deslocar para a capital e também para divulgar o trabalho da DPU. Outro trabalho importante que realizamos esse ano é relacionado à educação de direitos, que são palestras periódicas sobre os direitos relacionados à área federal, direito previdenciário, direito à educação, à saúde. Nós realizamos essas palestras em instituições não governamentais, como a Associação das Mães dos Autistas (AMA), o Hospital Irmã Dulce, na Instituição Lar Vida. Estamos estabelecendo um ciclo de palestras de educação e direito em algumas instituições. Estabelecemos também o grupo de trabalho de atendimento à populações em situação de rua, que é outro projeto em parceria com a DP, que desenvolve um brilhante trabalho. Nós passamos a atender na sede da DP no Canela para atender a população em situação de rua na área federal. Esses foram os projetos desenvolvidos neste ano.
 

 
Em termos de volumes processuais, qual é a maior demanda da DPU-BA?
Nós temos um número de 40% na área previdenciária, que na verdade é o nosso carro-chefe, mas esse ano tivemos um aumento exponencial na área cível por conta das demandas relacionadas ao Fundo de Financiamento Estudantil (Fies). Houve a corrida em relação ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), as pessoas procuraram a DPU-BA para pedir revisão do FGTS. O que não muda é a demanda previdenciária.

Em que momento o cidadão deve procurar a Defensoria Pública da União?
O cidadão pode procurar tanto preventivamente, a título de orientação, ou quando tiver seu direito negado. É importante de que a pessoa tenha provas de que seu direito foi negado. Na área previdenciária, nós orientamos que, primeiro, a pessoa entre em contato com o INSS e, em caso de negativa do pedido, o cidadão pode nos procurar através do agendamento. Nós temos uma central telefônica em que as pessoas podem ligar para agendar seu atendimento. Além da central, nós recebemos algumas dúvidas por e-mail, dentro do possível, nós respondemos, e temos um defensor federal todos os dias, de plantão, para tirar as dúvidas e prestar atendimento. Em 2016, nós já estamos com 7 mil atendimentos, já tivemos um aumento de 10% do ano passado. Apesar de não termos um aumento no número de defensores, da nossa força de trabalho, no nosso esforço em prestar assistência à população, nós ampliamos o atendimento em relação à 2015. Eu gostaria de reforçar a necessidade de um olhar sensível do governo para a instituição Defensoria Pública e atender a necessidade da população. Vivemos em um período com possíveis retrocessos e é nesse momento que a população mais precisará do suporte do órgão. E esse órgão precisa estar estabelecido e estruturado para atender os interesses da população. Não apenas com defensores, mas também com servidores. Nós não temos servidores do quadro. Não foi criado a nossa carreira de apoio e essa é uma grande preocupação que temos hoje, porque precisamos de servidores. Nós temos servidores requisitados, temos servidores do plano geral de cargo do poder Executivo, mas não temos servidores da DPU, a exemplo o que acontece com o Ministério Público da União, que tem a sua carreira de apoio, seu cargo e seu próprio concurso para isso. Essa é uma das lutas mais importantes que temos a travar no futuro, em termo de negociação com o governo, para que isso seja aprovado. Sem estruturação, não temos como crescer ou como prestar os serviços. Ainda mais em um cenário em que estamos perdendo membros. Acho que precisamos cessar esse cenário, precisamos agregar servidores ao nosso quadro, para que possamos prestar o nosso serviço com eficiência. Não sei como será o futuro se esse movimento continuar nesse sentido. Hoje em dia, nós somos a carreira jurídica menos remunerada do governo federal. Temos que considerar o veto ao projeto de reestruturação da remuneração e valorização da carreira que ocorreu em setembro.