Usamos cookies para personalizar e melhorar sua experiência em nosso site e aprimorar a oferta de anúncios para você. Visite nossa Política de Cookies para saber mais. Ao clicar em "aceitar" você concorda com o uso que fazemos dos cookies

Marca Bahia Notícias Justiça

Entrevista

Procurador acredita que resolução que cria audiências de custódias é inconstitucional

Por Marcos Maia

Procurador acredita que resolução que cria audiências de custódias é inconstitucional
Foto: Divulgação/ MPRS
A partir do próximo dia 1º de fevereiro, os tribunais de todo país terão 90 dias para implantar as disposições previstas pela resolução 2013/15 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que regulamenta as audiências de custódia em todo país. A resolução que obriga a apresentação de presos em flagrante ou por mandado a um juiz no prazo de 24 horas (independente de finais de semana e feriados) é questionada pela Associação Nacional dos Magistrados Estaduais (Anamages) no Supremo Tribunal Federal (STF). A ação direta de inconstitucionalidade (ADI) nº. 5448 argumenta que o CNJ, ao editar a norma, usurpou competência privativa do Congresso Nacional para legislar sobre matéria processual penal, em confronto com o inciso I do art. 22 da Constituição Federal. O procurador de Justiça do Ministério Público da Bahia, Rômulo de Andrade Moreira, concorda com o argumento. Em entrevista ao Bahia Notícias, Andrade lembra que a implementação das audiências de custódia já era prevista em pactos internacionais assinados anteriormente e avalia que o principal desafio na implementação da resolução será estrutural.  
 
O que a resolução do CNJ representa para justiça brasileira, o que ela tem a acrescentar? 
Antes de responder eu gostaria de fazer uma pequena retrospectiva acerca da implantação no Brasil dessas chamadas audiências de custódia, que, na verdade, nada mais são do que audiências de apresentação de todo e qualquer pessoa que tenha sido presa. Não só em virtude de uma prisão em flagrante, mas como em virtude de uma prisão determinada por um juiz. Ou seja, uma prisão preventiva ou uma prisão temporária (que são os tipos de prisão provisória). Essa chamada audiência de custódia foi implementada a partir de projeto formulado, pensado, pelo Conselho Nacional de Justiça em 6 de fevereiro de 2015. A partir daí, vários estados por iniciativas de seus Tribunais de Justiça passaram a implementar essas audiências. A Bahia foi o 16º estado da federação a implementar estas audiências. O Brasil foi um dos últimos da América Latina a implementar essas audiências que já estavam previstas em dois pactos que nós, República Federativa do Brasil, nos comprometemos a cumprir.
 
O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, e o Pacto de San José da Costa Rica.
Exato. Esse último foi a Convenção Americana sobre Direitos Humanos que nós subscrevemos, e estão em vigor desde 1992. Esses dois pactos preveem que todo e qualquer preso deve ser imediatamente apresentado a um juiz de direito, a autoridade judicial. A resolução agora deixou claro que essa autoridade é o juiz de direito, não delegado de polícia. É o juiz de direito, mas dentro do Ministério Público, o magistrado. Então nós, tardiamente, começamos a prever agora as audiências de custódia. E o que fez agora o Conselho Nacional de Justiça? Ele baixou essa resolução 2013/2015 do ano passado, que começa a entrar em vigor dia 1º de fevereiro desse ano, regulamentando essas audiências de custódia. Entendo que essa resolução avançou em uma matéria que não podia, porque trata de matéria processual. As normas e as disposições nela contidas tratam de matéria processual penal, e esta matéria é de iniciativa da União nos termos do artigo 22, inciso primeiro da Constituição Federal. Então não pode ser uma matéria tratada em resolução do Conselho. Me parece que essa medida é inconstitucional nesse aspecto. Ou seja, quero deixar bem claro, ela é inconstitucional no que diz respeito a disciplinar matéria de direito processual penal. Ela não poderia fazer isso. Por isso que a Associação Nacional dos Magistrados Estaduais (Anamages) entrou com uma Ação de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal sobre isso.
 
Anteriormente, a Associação Nacional dos Delegados de Polícia (ADPF) entrou com uma ação de inconstitucionalidade contra as audiências de custódia que acabou sendo julgada improcedente. Quais as diferenças e semelhanças entre essa ação e a nova? 
Trata-se de coisas diferentes. Houve duas ações constitucionais a respeito das audiências de custódia, logo após a implementação do projeto. Uma foi a ADI 5240, proposta pela Associação Nacional dos Delegados de Polícia. Essa foi julgada improcedente pelo supremo. E uma outra foi a ação direta de inconstitucionalidade de setembro de 2015, que o supremo também entendeu como constitucional. A questão dessa ação de inconstitucionalidade de agora é diversa porque o projeto suplementado, o projeto apresentado pelo Conselho Nacional de Justiça, não disciplinava. Ele não continha normas, disposições de natureza processual, diferentemente dessa resolução. Eu nunca entendi naquele projeto que havia qualquer inconstitucionalidade. Aquelas normas que estão dispostas, tanto no artigo 7º do Pacto de San José, da Costa Rica, quanto no artigo nono do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de Nova York, são dispositivos que se bastam. São normas inclusive a cima da lei, como inclusive já definiu o Supremo Tribunal Federal (STF). São normas supralegais, na denominação dada pelo Supremo. São leis que estão em vigor no Brasil desde 1992. Então não faltam leis, nós temos dois dispositivos legais. As demais disposições estão no próprio código de processo penal. Nós não carecemos de normas processuais penais para implementar as audiências de custódia. Precisamos apenas que os tribunais de justiça estruturem seus órgãos jurisdicionais para que implementem as audiências de custódia. Agora, o que é inconstitucional, a meu ver, é uma resolução do Conselho Nacional de Justiça editar uma norma de natureza processual penal. Isso não ocorreu anteriormente, razão pela qual a ADI proposta pela Associação Nacional dos Delegados foi ajuizada inconstitucional. Quero deixar bem claro que nada distante, no meu entendimento, tenho plena convicção que as audiências de custódia devem sim, ser suplementadas e priorizadas. E digo mais, com muita clareza: Se não houver a audiência de custódia no Brasil em relação a qualquer pessoa presa, há uma nulidade insanável, do flagrante e posteriormente do processo. Qualquer pessoa presa, seja em flagrante de delito, seja preventivamente, seja por meio de prisão temporária, que não for em 24 horas apresentada ao juiz de direito, na presença do Ministério Público, na presença da Defensoria Pública, a prisão tornar-se-á ilegal, e o processo por ventura instaurado contra esse preso é nulo. Será o meu posicionamento como procurador de justiça do Ministério Público da Bahia.
 
Como o senhor avalia a eficácia da implementação das audiências de custódia na Bahia da implementação até o atual momento?
Bem, sinceramente, eu não poderia fazer uma avaliação correta porque do ponto de vista empírico eu não tenho conhecimento de como está sendo feita essa implementação. Eu sei que houve uma solenidade com a presença do ministro [Ricardo] Lewandowski no dia 28 de setembro.
 
A resolução começa a ser válida no dia 1º de fevereiro, quando haverá um período de 90 dias de adaptação a resolução. Para o senhor, quais são os maiores desafios nesse sentido?
O maior desafio é estrutural. De nada adianta serem taxadas resoluções, se não houver material humano nas comarcas para efetivamente implantar as audiências. Não é possível haver audiência de custódia se não houver escrivães, oficiais de justiça e, obviamente, se não houver juízes. É preciso que o estado faça concurso para defensores públicos e nomeie esses defensores públicos. E especialmente, especificamente, valorize a carreira como valoriza a carreira de promotores e juízes.
 
O senhor acredita que existe entre o magistrado brasileiro uma cultura punitivista? Essa resolução pode surgir como um caminho para romper com essa cultura?
Não. Acho que essa resolução não irá quebrar com essa cultura porque nem lei, nem resolução, quebra com cultura que é antiga. Há essa cultura, não só na magistratura, mas também no Ministério Público e uma resolução evidentemente não vai romper com essa cultura. 
 
Um dos principais argumentos de defesa a resolução é sua eficácia na luta para diminuir o número de pessoas presas antes do julgamento. O senhor não acredita que a resolução represente ao menos um princípio de mudança?
Houve a Lei 12.403 de 2011, modificando o regime da prisão no Brasil e uma série de medidas alternativas a prisão provisória, uma série de medidas cautelares. Quando essa lei entrou em vigor se disse, a miúde, que a partir de então, no Brasil, se diminuiria bastante o número de presos, que essa cultura punitivista iria diminuir, que os juízes e promotores teriam uma outra alternativa, etc. O que aconteceu foi exatamente, rigorosamente, o contrário. Então, nada obstante, nós temos hoje uma série de outras possibilidades, e outras alternativas que não a prisão provisória (que é aquela anterior a pena privativa de liberdade). Ainda hoje, tanto o ministério público pede preferencialmente a prisão provisória quando ela não é necessária, como os juízes preferem decretar a prisão provisória. Existe mais de quinze medidas cautelares alternativas a prisão e não são usadas. Textos legais não mudam a cultura.