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Entrevista

'A questão é cultural, exige educação", diz promotora sobre violência sexual contra crianças

Por Cláudia Cardozo | Rebeca Menezes

'A questão é cultural, exige educação", diz promotora sobre violência sexual contra crianças
Fotos: Humberto Filho / Cecom-MPBA

A promotora de Justiça Eliana Elena Portela Bloizi é uma das responsáveis pela nova campanha de Combate à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes lançada pelo Ministério Público da Bahia (MP-BA) às vésperas do carnaval. Ao Bahia Notícias, a promotora explicou os novos rumos da campanha, protagonizada pelo segundo ano consecutivo pela cantora e atriz Ivete Sangalo, e defende a importância do auxílio da população no combate ao abuso e exploração sexual de menores. Bloizi destaca que a Bahia foi a líder do ranking nacional de número de denúncias em 2011 e 2012, mas que ainda há muitos problemas estruturais que atrapalham a apuração desses crimes. ”Aqui em Salvador, nós só temos uma delegacia, que funciona apenas na capital – uma cidade com quase três milhões de habitantes. Com a região metropolitana esse número dobra – quatro delegados para apurar todas essas denúncias”. Para ela, a conscientização da população e uma melhoria da estrutura de investigação pelo Estado são essenciais no combate a esse tipo de crime.

Bahia Notícias: Existe diferença entre o termo pedofilia, exploração e abuso sexual?
 
Eliana Bloizi: Sim. Na verdade, as pessoas utilizam o termo pedofilia equivocadamente. Porque a pedofilia é uma doença, caracterizada pelo desejo de manter relações e de ter intimidade sexual com crianças “impúberes”, muito pequenas. E são pessoas que têm uma vontade quase incontrolável. Pedofilia é caracterizada como uma enfermidade que, inclusive, tem tratamento através da psiquiatria. Então essa é a diferença entre um pedófilo e um criminoso sexual comum. Porque um criminoso sexual comum não pode dizer que tem uma compulsão pelo sexo com crianças, pessoas que não têm ainda a formação de corpo de ‘mocinha’ ou de ‘rapazinho’. Às vezes até crianças que tem dobrinhas, com aspecto de criancinha mesmo. Isso é tratado no mundo inteiro, nos países mais desenvolvidos, inclusive no Brasil, como uma doença. Só que aqui no Brasil não existe um estudo mais aprofundado e um cuidado em separar quem é o pedófilo e quem é o criminoso comum. Esse criminoso é, normalmente, aquela pessoa que quer ter o poder, a dominação sobre a criança ou adolescente. É a covardia que impulsiona. Além do instinto sexual não controlado. Isso é o que faz com que normalmente o homem, mas também pode ser mulher, se interesse e descontroladamente abuse. E usa do poder, da violência, ou de qualquer outro meio para fazer com que essa criança ou adolescente não tenha coragem de reagir. Ou quando reage, e às vezes procura uma mãe ou irmã para contar, não tem o seu discurso valorizado, e é considerado invenção. Nós temos muitos casos, infelizmente, que são relações sexuais cometidas por irmãos mais velhos, ou padrastos, até avô ou pai que, quando a mãe sabe, prefere não revelar, ou porque o homem tem o poder econômico, é o provedor do lar, então ela se cala, ou então - o que também é muito comum, por incrível que pareça - ela tem medo de perder o companheiro ou marido. Então ela prefere desvalorizar o discurso da criança, fazer com que a criança se cale. E o pior: ainda vê aquela menina, a filha dela, como uma rival, e prefere até hostilizar ou permitir, como se não visse, que ocorra os abusos.
 
BN: E muitas vezes as crianças ainda são colocadas na posição de réu, não é?
 
EB: Exato, como responsável por toda uma movimentação negativa, um sofrimento familiar. Eu trabalhei sete anos na vara especializada de crimes que apuram apenas crimes contra crianças e adolescentes, e vejo que isso é muito comum. No calor das emoções, quando a mãe descobre, quando a criança revela, ela vai à delegacia especializada, relata os fatos mas, quando o tempo vai passando, depois do período que é o nascedouro da investigação criminal até a deflagração da ação penal, em que a vítima é ouvida perante o juiz, ela se cala. Ela tem medo. Ela nega. Porque durante todo esse período a cabeça dela é preparada para negar. “Não, diga que você se enganou. Diga que você fez isso porque ele não queria te deixar sair. Você fez uma malcriação e se arrependeu”. Porque é trabalhada a sua cabeça como se ela fosse a culpada pela prisão de alguém da família, pela fome que eles vão passar, pela vergonha que vão passar, por terem um criminoso já identificado como tal dentro da família.
 
BN: E em que ocasião ocorre a exploração sexual? É quando alguém começa a comercializar essas relações?
 
EB: Nós não identificamos a prostituição quando se trata de criança e adolescente, mas sim a exploração sexual infanto-juvenil. Porque, normalmente, quando uma adolescente começa a “vender o seu corpo”, ela tem por trás toda uma cadeia de pessoas imputáveis – ou seja, maiores de 18 anos – permitindo, ou agenciando, ou a convencendo a agir dessa forma. “Vamos porque é um emprego, é um caminho, é uma forma de você conseguir ganhar dinheiro”. Normalmente, observamos que toda adolescente que chega a comercializar o seu corpo antes dos 18 anos não faz isso porque quer, mas sim estimulada por um grupo de pessoas que mostra uma forma dela buscar essa renda. Nós fazemos um trabalho muito grande de combate a esse tipo de exploração sexual, e que a gente vê aqui em Salvador em vários pontos: na Ceasinha do CIA, no Comércio, no Centro Histórico... Enfim, em vários pontos, principalmente onde haja turistas estrangeiros, pessoas que tenham condição de proporcionar ou pagar pela venda do corpo.
 
BN: E como é que o Ministério Público combate essas práticas? Quais são as ações desenvolvidas nos últimos anos?
 
EB: O Ministério Público, através do seu canal de denúncia “Disque 100” e o nosso site-fone, até as denuncias feitas diretamente feitas na sede no MP em Nazaré... Todas essas denúncias são objetos de apuração. É o acompanhamento dos casos levados à delegacia especializada, a Derca, para que apure. Porque no âmbito criminal, não é o MP que apura, é a polícia investigativa, a Polícia Civil. E também, o Conselho Tutelar, porque é responsável pela adoção de todas as medidas consideradas medidas de proteção a crianças e adolescentes que estão nessa situação.
 
BN: Quais são as maiores dificuldades que hoje em dia se encontra para fazer essas investigações, para que esses casos tenham resoluções?
 
EB: O maior entrave que encontramos é a falta de recenticidade entre a denúncia e a apuração. Nós temos o canal, o “Disque 100”, que funciona em Brasília. Esse canal recebe todas as denuncias anônimas de violência sexual, dentre outras violações, contra crianças e adolescentes. Essa recepção feita em Brasília é imediatamente encaminhada aos estados. Ocorre que, quando chegam na Bahia, encontramos uma grande dificuldade na apuração dos casos pela Polícia Civil. Apesar de toda habilidade que hoje existe para se escolher o delegado que vai atuar nessa área, aqui em Salvador nós só temos uma delegacia, uma cidade que hoje possui quase três milhões de habitantes. Com a região metropolitana esse número dobra – quatro delegados para apurar todas essas denúncias, e que são investigações que exigem um trabalho muito cuidadoso, muito acurado, um trabalho de campanha, de oitiva dessa suposta vitima, até fora do seu ambiente normal, do lar. Ouvir na escola, por exemplo, colocar algumas pessoas para investigar através de vizinhos... Então é uma investigação que exige uma estrutura mais forte, mais segura, senão todas essas pessoas são chamadas na delegacia e tudo é questionado ali, naquele momento, muitas vezes até sem uma condição especial para que a vítima se sinta a vontade para revelar o que efetivamente vem acontecendo. A falta de recenticidade provoca ainda a migração de famílias daquele local, quando a policia chega lá já não tem ninguém. E o pior de tudo: às vezes o “Disque 100” ainda é utilizado para brincadeiras, trotes, querelas entre vizinhos para prejudicar o outro. Então nós temos ainda um vultuoso número de denuncias que, quando investigadas, depois de toda movimentação da máquina policial, da maquina administrativa e ministerial, não procede porque tudo não passou de uma denuncia falsa.
 
BN: E nesse tipo de crime, há presunção de inocência? Porque a coleta de provas é muito difícil.
 
EB: A presunção de inocência é um principio constitucional. Todo e qualquer crime, quando apurado, deve partir do princípio de que o réu só é considerado culpado depois de comprovada a sua responsabilidade. É muito difícil para a polícia e até mesmo para a Justiça entender previamente que o crime se efetivou. A não ser nos casos em que haja um flagrante muito ostensivo, com uma evidencia muito farta. Por exemplo, na coleta das roupas intimas da menina foi encontrado sêmen ou sangue desse agressor. Então, nesses casos, a prova é muito fácil de ser coletada e a condenação efetivamente ocorre. Daí uma revolta que as vezes é da própria sociedade que diz “fulano de tal cometeu um crime sexual e está solto”. Mas esses crimes sexuais normalmente ocorrem na clandestinidade. Muitas vezes é a palavra da vitima contra a apalavra do sujeito ativo no crime... Um pai, um padrasto, geralmente alguém com quem essa vitima já tem uma relação de afeto. Então são crimes com apuração muito delicada, até mesmo para não revitimizar essa criança, que é chamada para ser ouvida.
 
BN: E qual é a penalidade, hoje, para quem comete esses crimes?
 
EB: Nós temos o artigo 213, do Código Penal, que trata do crime de estupro. Temos também o crime de estupro de vulnerável, e as penas são altas. Elas têm uma pena mínima que é, abstratamente, culminada em seis anos, e pode ir até 20 anos. Então é um crime que exige uma avaliação muito criteriosa, porque a coleta de prova envolve muitos valores, envolve uma relação de parentesco na maioria das vezes... A pessoa que vai falar, também, precisa ter muito cuidado para que aquele trauma não seja superdimensionado com a nova exposição do caso.
 
BN: Eles ocorrem até em segredo de Justiça, muitas vezes, não é? Para não expor a vítima?
 
Isso.
 
BN: E a vítima, nesse caso, quando comprovado o dano, ela recebe algum amparo do Estado?
 
Na capital, nós temos um acompanhamento custeado pelo próprio Estado que é o projeto Viver. Através dele, crianças e adolescentes vitimas de crimes dessa natureza são levadas para um acompanhamento com profissionais habilitados, psicólogos, assistentes sociais, e têm todo o apoio necessário para que ela consiga trabalhar todo esse trauma que ela passou, para que possa voltar à sua vida normal com menos feridas psicológicas. Então o estado dá esse apoio, mas acaba sendo um projeto que precisa de mais dedicação porque nós sabemos que muitas mães, por exemplo, deixam de levar seus filhos por causa de compromisso pessoais, de trabalho, de falta de dinheiro para o transporte. Então o ideal seria que nos bairros em que, através de uma pesquisa, fossem visualizados números maiores de casos, esse projeto Viver pudesse ser estendido para que, em outros polos da cidade, nós pudéssemos ter esse trabalho importantíssimo para que aquela vítima possa trabalhar todos esses problemas e na fase adulta não tenha tantas sequelas provocadas por essa dor.
 
BN: O MP lança todo ano, antes do Carnaval, essa campanha de combate à exploração sexual. Porque ela precisa ser intensificada nesse período? 
 
EB: O ideal é que na Bahia, especialmente em Salvador, que é uma cidade turística, assim como Feira de Santana que é o segundo lugar em número de denuncias, e Porto Seguro também, essa campanha começasse a partir do período em que sua população incha, é aumentada por conta do turismo. Ou seja, a partir de dezembro, das primeiras festas, quando começam a receber muitas pessoas de fora do Brasil, e daqui também. E, a partir daí, a campanha fosse mais intensa para que, desde o inicio do verão, que é a época em que os casos aumentam, a gente tivesse esse cuidado de chamar para a sociedade essa responsabilidade que todos nós temos. Tanto que esse ano a campanha, feita pela segunda vez com a cantora e atriz Ivete Sangalo, que tem uma popularidade e credibilidade muito grandes, já foi citada inclusive no Festival de Verão, nos shows... A Ivete se propôs a, em um determinado momento, falar. E as pessoas acham que talvez não seja o momento, mas é. É um momento de reflexão, e a campanha esse ano tem uma mensagem muito interessante, que é pedir que as pessoas tirem a venda dos olhos. E mostre, e faça sua parte, e aponte... Tome alguma providencia. Então a campanha veio com essa força, com esse cuidado de conclamar a população, independente de quem seja. Não é só quem está próximo, o pai, a mãe... às vezes uma baiana de acarajé, um condutor do ônibus que vê aquele movimento de adolescentes... Todas as pessoas têm condição de enxergar, de saber que existe um ponto de exploração. Ou observar uma mudança de comportamento na criança, que se tornou mais retraída, ou até mais agressiva. E a criança, quando se sente protegida, acolhida, ela fala, ela pede socorro. As vezes até com um desenho. E as pessoas com um pouco de sensibilidade conseguem perceber isso. E nós temos o artigo 145 do Estatuto da Criança e do Adolescente que dispões sobre a obrigatoriedade de dirigentes e pessoas que atuam em ambientes de saúde, de ensino, de denunciar casos de maus tratos. Entenda-se aí maus tratos todo tipo de violação dos direitos desse público: exploração sexual, trabalho escravo... Tudo isso deve ser denunciado. E como a exploração sexual deixa sequelas para a vida inteira, ela precisa ter esse cuidado.
 

 
BN: E na Bahia, como são os números de denúncia recebidos e os apurados?
 
EB: Em 2011 e 2012 a Bahia ocupava o primeiro lugar no ranking das denúncias contra crimes sexuais contra crianças e adolescentes. Nós conseguimos, a partir inclusive através dessas campanhas, que as pessoas começassem a ligar mais, denunciar em casos suspeitos. Nós não temos um estudo criterioso que defina se a Bahia ficou em primeiro lugar por causa da campanha, que trouxe toda visibilidade ao tema, ou se foi porque no Estado nós temos índices muito altos de ocorrências. Acho que até o clima de festa, de alegria dos baianos traz, na sua história, uma excessiva permissividade e violência também. Inclusive, no ano passado, tivemos informações que não foram à frente porque as pessoas não quiseram denunciar, de que, após sair do circuito do carnaval, muitas mulheres que pegaram ônibus foram estupradas, violentadas dentro das conduções. E gritavam, pediam socorro ao motorista, ao cobrador, mas entravam aqueles homens bêbados e em pé mesmo baixavam as vestes e consumavam atos de toda natureza. São meninas, são mulheres, de bairros mais afastados e que tem o direito de brincar o carnaval e precisam ser protegidas também. As empresas de ônibus precisam treinar os seus profissionais. Lógico que não estamos pedindo que eles se exponham, mas que pelo menos registrem essas ocorrências para que possamos apurar e identificar pessoas que praticam esse tipo de delito através de filmagens, por exemplo, e encontrem meios de acionar imediatamente a Polícia Militar nos casos de violência dessa natureza.
 
BN: Outro tipo de crime que nós vemos muito relacionado às crianças são os crimes na internet. Como podem ser denunciados casos de pornografia infantil? Como são tratados esses casos?
 
EB: A Polícia Federal, Policia Civil e o MP-BA têm apurado. Inclusive o MP tem um núcleo chamado Nuciber, que é um núcleo de apuração a crimes praticados através da internet. Esses crimes são apurados sim, e muitas vezes exigem um conhecimento muito técnico para se chegar à origem de algumas violências praticadas dessa forma. Mas é importante também que se diga que o simples fato de armazenar em seus computadores essas fotos e cenas já caracterizam crime contra a criança e adolescentes. Então as pessoas que recebem esse material pela internet devem, imediatamente, encaminha-lo para a polícia. E nós temos, inclusive, aqui na Bahia, uma organização não governamental chamada SaferNet que é parceira do MP e que tem um termo de cooperação para se chegar, gratuitamente, à origem dessas divulgações para poder levar subsídios à policia e se chegar ao autor, buscando uma condenação.
 
BN: Qual é a responsabilidade no Estado nesse tipo de ação? É só assistência à família? E como são obtidos melhores índices de prevenção?
 
EB: Em primeiro lugar, eu insisto em dizer: a questão é cultural, exige educação, que deve começar muito cedo tanto para a criança, pra que ela consiga identificar o que é carinho, o que é afago, o que é relação familiar ou contato agradável e o que é abuso ou violência sexual. Porque muitas vezes a criança não sabe, e permite se tocar ou se despir na frente de uma pessoa porque ela confia. Então é muito importante a educação e a conscientização da população. Embora essa questão acabe sempre descambando no direito constitucional de expor as suas ideias, mas temos que pensar que as vezes até determinadas letras de musicas e danças erotizam as crianças. Não chega a justificar a agressão, de forma alguma. Eu inclusive combato, em qualquer discurso, pessoas que dizem “Ah, mas as mães vestem suas filhas como adultas, botam batom e roupas curtas...” Se os índices de crimes sexuais estivessem ligados só a isso, nós não teríamos crimes tão frequentes em países em que mulheres usam burca. Então a roupa por si só não deve ser um elemento que possa ser considerado gerador de uma “permitida” violência. Mas temos que ficar atentos a um abuso em algumas letras que depreciam, humilham a mulher. E a criança não tem a condição de discernir, de perceber que muitas vezes aquilo está a erotizando. Eu já vi, quando estava no interior, em uma festa de rua, uma mãe ao lado da filha, e as duas dançavam uma musica que parecia uma relação sexual em pé. É constrangedor. A mãe estava vendendo alguma coisa e, sempre que dançava, a filhinha a acompanhava. E aí os homens passavam, ficavam observando...Como é que se expõe uma criança assim? Porque ela não sabe que está se expondo. Para ela, muitas vezes é até uma ação lúdica, uma brincadeira. É decorar uma coreografia. Mas para quem está vendo pode ser assistido de outra forma. Então precisamos desse cuidado. Não é proibir, definitivamente, mas buscar mecanismos que coíbam esses tipos de danças em alguns ambientes. É difícil, existe sim o direito constitucional de expressão, a partir do momento que você elabora letras de musicas e faz seu show, mas tem que ter o cuidado com quem está nesse ambiente. Nós já tivemos algumas iniciativas aqui na Bahia, que foram inclusive polêmicas, como o caso da proibição de contratação de bandas que tocam esse tipo de música e que são pagas com o dinheiro público. Isso causou uma polemica, um mal estar, mas realmente. Se nós formos pensar que o Estado precisa intervir para que a criança, adolescente, a mulher e todas as pessoas mais sujeitas a praticas de violência sejam protegidas, ainda que seja por esse caminho, precisamos agir dessa forma.
 
BN: Mas o Estado precisa investir em mais estrutura para garantir essas investigações?
 
EB: Precisa. O Estado precisa investir em mais educação, incluindo no conteúdo programático das escolas essa conscientização. Ele deve também agir, através de suas campanhas, e procurar criar uma estrutura de apuração de crimes. Não só delegacias, como também todos os caminhos pelos quais possa se chegar à condenação de pessoas que são comprovadamente, através da Justiça, agressoras sexuais. O Estado deve ainda voltar os seus olhos para aqueles que são, efetivamente, doentes, os pedófilos. Porque elas voltam à sociedade, e a tendência é praticar novos delitos dessa natureza. Elas precisam ser identificadas como pessoas que precisam de um tratamento psiquiátrico para que, uma vez devolvida à sociedade, possam voltar sem esse transtorno, ou ao menos controlado. Para se ter uma ideia, na França, um pedófilo passa por diversos testes, com vários exames, antes de ser colocado em liberdade. Então é preciso ter esse cuidado. Já que a condenação tem esse caráter de ressocialização, essas pessoas têm que ser tratadas para que não acabem reincidindo.
 
BN: O MP tem alguma ação específica voltada para os jogos da Copa do Mundo?
 
EB: O Ministério Público faz parte de um comitê de proteção para evitar todo tipo de violação aos direitos de crianças e adolescentes: exploração sexual, trabalho infantil, negligência... Nós temos muitos casos de negligência, durante o carnaval, das famílias deixarem os filhos em casa sozinhos, ou com irmão mais velho e vão pra rua. Então nós recebemos muitas informações dessa natureza. Os vizinhos ligam para a delegacia porque os responsáveis saíram e deixaram esses menores sozinhos. Então só temos o Comitê de Proteção que irá acompanhar de perto todo esse movimento ligado a megaeventos, não só na Copa do Mundo, mas no Carnaval. Nós já temos essa expertise porque estamos acostumados a todo ano fazer essa mobilização para proteger crianças e adolescentes. Então aí entra todo o Estado, Município, MP e as instituições e organizações não governamentais que atuam na área infanto-juvenil.