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Marca Bahia Notícias Justiça

Entrevista

Marielza Brandão - Nova presidente da Amab

Por Cláudia Cardozo

Marielza Brandão - Nova presidente da Amab
Fotos: Cláudia Cardozo

Eleita por maioria dos votos de seus pares, a juíza Marielza Brandão assume no dia 7 de fevereiro a presidência da Associação dos Magistrados da Bahia (Amab). Apoiada por sua antecessora, Nartir Weber, Marielza pretende dar continuidade à gestão. Ao Bahia Notícias, a presidente eleita analisa os problemas enfrentados pela magistratura, principalmente a de primeiro grau, em meio à crise instalada no Judiciário baiano. “Nós temos alguns problemas de gestão mesmo, nós temos problemas políticos internos que resultaram no afastamento do presidente atual e da ex-presidente do tribunal que estão sendo investigados”, avaliou. Para ela, o afastamento dos desembargadores Mario Alberto Hirs e Telma Britto é “preocupante”, porque “põe a credibilidade do Poder Judiciário em xeque”. Brandão ainda diz esperar que a apuração do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) seja rápida, “porque o afastamento termina por punir antecipadamente dois magistrados”. “A apuração de tudo que foi denunciado poderia ser feita sem o afastamento, porque nós estamos no final desta gestão, e se depois ficar apurado que não houve responsabilização destes magistrados? Como é que faz para recuperar estes três meses de gestão em que ele não pode atuar e concluir o seu trabalho?”, questionou. A presidente eleita ainda disse que o salário da magistratura sofreu uma defasagem muito grande nos últimos tempos e que o juiz precisa ter “uma remuneração que seja condigna com seu cargo” e que faça com que ele tenha “tranquilidade para ter uma vida decente e possa julgar com tranquilidade”. Ela diz, por exemplo, que gasta um 1/3 do salário somente com despesas de faculdade de uma só filha. Além disso, ela ainda defende a manutenção de 60 dias de férias para os juízes, porque a categoria não tem uma carga horária definida, além de toda responsabilidade que se tem ao julgar. “É necessário que exista um ‘time’ para que o magistrado possa repor as suas energias, possa estar com sua família, seus amigos, e, muitas vezes, essas férias são utilizadas para colocar em dias os seus serviços”, explicou.

Bahia Notícias: Como será a defesa das prerrogativas dos magistrados na atual gestão da Amab?

Marielza Brandão: A atual gestão tem desenvolvido o trabalho de luta pelas prerrogativas da magistratura dos juízes, tanto do segundo grau quanto do primeiro grau, principalmente de juízes de primeiro grau, porque são juízes que estão mais na linha de frente, tendo contato direto com as partes, com a mídia e advogados.O embate na primeira instância é muito mais forte, muito mais presente. E houve, na gestão da presidente Nartir [Weber], um resgate da credibilidade da associação. Também do ponto de vista da questão administrativa-financeira. A associação passou por um período em que houve uma desorganização muito grande do ponto de vista administrativo e financeiro. E nas duas gestões da presidente Nartir foi resgatado não só a credibilidade da associação como entidade de classe, junto aos magistrados, como também a sua atuação perante a sociedade, perante as outras entidades com quem se relaciona como a Defensoria Pública, o Ministério Público, a OAB - tanto que hoje existe uma comissão formada com a OAB, o MP, a Defensoria e o sindicato para discutir e sugerir melhorias do Poder Judiciário. A gestão foi de resgate. Realmente, de toda essa situação que vinha acontecendo na associação, os juízes não estavam contentes com os rumos que a associação tinha. Nós, que fomos vitoriosos agora nas eleições da Amab este ano, temos a mesma linha de pensamento da gestão passada - tanto é que a presidente atual apoiou esta chapa. Então, é uma continuidade deste trabalho. Nós temos a mesma linha de pensamento. Foi uma grande margem de votos que deu sustentação e legitimidade à gestão da juíza Nartir ao colocar em xeque a sua gestão. No momento em que a magistratura vem nessa eleição e dá 400 votos para a candidata que foi apoiada pela atual presidente, significa que a magistratura está satisfeita com os rumos que a associação tem. É aquele velho jargão: ‘Em time que está ganhando, não se mexe’. A magistratura teve essa visão, de acreditar e reconhecer o grande mérito da nossa presidente que está apoiada por esse grupo que retomou os rumos da associação, que vem fazendo este trabalho brilhante e que foi retratado nas urnas. O que é que nós pretendemos fazer? Avançar. Muito já foi feito, mas a vida é uma eterna busca de melhorias, a gente quer sempre mais. Hoje, na magistratura, nesse momento, enfrentamos alguns problemas muito sérios. Nós temos alguns problemas de gestão mesmo, nós temos problemas políticos internos que resultaram no afastamento do presidente atual e da ex-presidente do Tribunal [de Justiça da Bahia], que estão sendo investigados. Isso é preocupante para todos nós, porque põe a credibilidade do Poder Judiciário em xeque. O que nós queremos é que esta apuração seja feita com a maior rapidez possível, porque o afastamento termina por punir antecipadamente dois magistrados, que durante o curso das suas carreiras, sempre se apresentaram perante a magistratura e perante a sociedade como bons juízes, como bons magistrados e de repente acontece uma situação do gênero que todos nós ficamos perplexos. Nós não sabemos exatamente o que é que está sendo apurado, mas nós sabemos que atrás destes dois magistrados existe uma carreira de muitos anos de credibilidade, de boa atuação. É necessário que esta apuração seja feita com a maior rapidez possível para que tudo fique esclarecido e a associação, como já foi colocado em nota por Nartir, acha que o afastamento foi excessivo. A apuração de tudo que foi denunciado poderia ser feita sem o afastamento, porque nós estamos no final desta gestão, e se depois ficar apurado que não houve responsabilização destes magistrados? Como é que faz para recuperar estes três meses de gestão em que ele não pode atuar e concluir o seu trabalho? A gente vai começar uma gestão da Amab a partir de fevereiro com um novo presidente, com uma nova gestão, mas com estes problemas que ainda estão nos afligindo. Nós temos que ter muita cautela para que as pessoas entendam o que está acontecendo e as coisas sejam realmente apuradas de forma bastante transparente, e que seja feita com rapidez. Por outro lado, a gente também entende que o Poder Judiciário precisa ser democratizado. Hoje só os desembargadores elegem a mesa diretora dos tribunais. A magistratura de primeiro grau fica alijada deste processo, e, talvez por conta disso, não haja um compromisso tão grande da mesa diretora do tribunal com a magistratura de primeiro grau. A gente entende que a participação da magistratura de primeiro grau na escolha e nos compromissos de gestão passa pela sua democratização. Se nós pudermos escolher, se houve um comprometimento das pessoas que se dispõem a serem presidentes, passem pelo crivo de uma eleição em que os juízes todos possam votar e possam discutir quais são as diretrizes que essa gestão, que cada uma das gestões vai fazer em prol da magistratura de primeiro grau, eu tenho certeza que haverá melhores condições de trabalho para os juízes de primeiro grau. Porque hoje, e não é só aqui na Bahia, é em todo Brasil - isso foi detectado recentemente pelo CNJ, que até tem um grupo hoje formado para discutir as condições de trabalho da magistratura de primeiro grau -, isso acontece na maioria dos tribunais, porque era uma prática de muitos anos. Agora, nesse momento, o CNJ está se voltando, porque todas as metas que foram programadas para eles esbarram justamente nas condições de trabalho, na concentração de recursos e de servidores no segundo grau. Eles não conseguem atingir as metas porque existe esta concentração. Não adianta estabelecer metas e não dar condições para que estas metas sejam atendidas. Com essa comissão, eles verificaram que é necessário que se encontrem soluções para que os juízes de primeiro grau possam atuar junto aos processos de forma eficiente. Hoje, o que nós vemos é que existem comarcas que não têm juiz ou comarcas que têm juízes, mas não têm promotor, outras que têm promotor e não têm defensor público e outras que têm juiz, mas não têm servidor para cumprir as determinações. Nós temos problemas seriíssimos nos sistemas. Hoje nós trabalhamos com três sistemas: -E-SAJ, que é o sistema que está sendo implantado agora, Projudi, que é o sistema dos juizados especiais, e tem o Saipro, que é o sistema que funcionava antes. A maioria das varas do interior ainda funciona com o sistema Saipro. É uma coisa complicada você trabalhar com três sistemas. Às vezes, o juiz está em uma comarca em que ele é titular, trabalhando com Saipro, e vai para o juizado especial trabalhar com o Projudi. Daí, depois ele volta e vai substituir uma comarca que tem Saipro. De repente, ele tem que saber três sistemas que não estão interligados entre si. E outras questões que são colocadas, como por exemplo: a sobrecarga de processos para um juiz só, a falta de distribuição de processos versus juízes e as próprias condições de trabalho que o juiz enfrenta. Então eu acho que a gente tem que atacar esta questão.

BN: Que são partes da prerrogativa do magistrado...

MB: Exatamente. Nós não podemos jogar sobre as costas do Judiciário toda a responsabilidade pela má prestação jurisdicional, porque a prestação jurisdicional não é somente do magistrado, existe uma série de outros fatores e outros órgãos, instituições que também estão ligadas a essa efetividade do processo. Por exemplo: muitas vezes o processo atrasa porque ou o advogado peticionou mal ou não informou os endereços corretos das partes e, quando o oficial de justiça vai citar, não consegue localizar. Às vezes, as testemunhas não são indicadas corretamente. É necessário também que os advogados estejam mais atentos a colocar os processos de forma correta, a colocar todos os dados necessários. Então, é necessário que haja essa conscientização também de que não é só o juiz que faz com que não haja a celebridade processual. O Ministério Público também deve estar atento a isso, porque ele pode fazer requisições de provas, ele tem este poder, e fica pedindo para que o juiz faça.
 
BN: Nós últimos tempos, diversas sindicâncias e processos administrativos contra magistrados foram abertos, tanto na Corregedoria Geral de Justiça quanto no CNJ. Muitas vezes, os processos são por morosidade, mas, em suas defesas, os magistrados alegam que é impossível trabalhar sem estrutura. Em outras vezes, reclamam que deu uma sentença desfavorável a uma parte, e esta foi e abriu a reclamação. Como é que fica a situação desse juiz e como é que a Amab se posiciona diante desses processos abertos?
 
MB: Com esta questão da democratização do país, do número de direitos fundamentais que foram assegurados na Constituição, nós tivemos um pulo nas demandas. Cada vez mais, as pessoas querem ver seus direitos assegurados. A quantidade de demandas aumenta muito e as pessoas não entendem porque que o seu processo não anda na agilidade que ele gostaria que andasse. As pessoas começam a reclamar. Hoje você tem diversos mecanismos de reclamação contra os juízes, são vários canais que você tem como as corregedorias, as ouvidorias, os tribunais, o CNJ. Então, se facilitou bastante o acesso da população para reclamar dessa morosidade da Justiça, e isso tem deixado os juízes em uma situação de bastante fragilidade. Por isso que eu bato muito nesta questão de melhorarmos as condições de trabalho dos magistrados, e, também responsabilizar os outros atores do processo.  Se você tem uma demanda cada vez mais crescente, com a mesma quantidade de juízes, e com a informatização que não funciona a contento, e os outros atores que também não se responsabilizam, no sentindo de ajudar para que essas demandas possam ser agilizadas, aí, quem comanda o processo, que está à frente, na direção do processo, que é o magistrado, termina parecendo que ele é o responsável por essa morosidade que é exacerbada. Além disso, a carga de trabalho do juiz está cada vez maior. Se você fizer uma pesquisa de 3 ou 4 anos atrás, ou até pouco menos, você vai ver que a cada ano a quantidade de processos aumenta, a produtividade do juiz aumenta e a insatisfação continua, porque é como se fosse enxugar gelo, por mais que você faça você nunca chega ao fim. E isso faz com que a angústia do magistrado fique grande, porque ele sabe que está tendo uma carga excessiva de trabalho, ele sabe que está fazendo o máximo que pode para julgar as demandas e esse trabalho que ele teve não é reconhecido. Quando ele julga um, chegam 10, quando ele julga dois, chegam 50, e as pessoas nunca estão satisfeitas. Na hora em que ele consegue prestar a solução daquele processo, já se passou tanto tempo que a pessoa está tão desgastada pela espera que não reconhece que o magistrado cumpriu a sua função ali.

BN: Outro ponto que a chapa defendeu foi a manutenção dos 60 dias de férias para os juízes. Por que é importante manter esse período de férias para os magistrados? 

MB: Todo trabalhador tem uma carga horária diária de trabalho. Tem categorias que têm 6 horas, 8 horas diárias. A magistratura não tem horário, ela trabalha o tempo inteiro. Muitas vezes, os juízes levam trabalho para casa, levam trabalho fora do horário forense e isso faz com que haja um desgaste maior e todo o estresse que o magistrado tem, porque nós estamos aqui julgando vidas, julgando pessoas. A responsabilidade de um magistrado é muito grande. Além da jornada de trabalho não ter um limite, ele ainda tem toda a carga emocional das pessoas, porque nós somos solucionadores de problemas, então toda a carga emocional das pessoas que vêm angustiadas, tristes, com problemas sérios para serem resolvidos, vai estar sobre o magistrado. É necessário que exista um “time” para que o magistrado possa repor as suas energias, possa estar com sua família, seus amigos, e, muitas vezes, essas férias são utilizadas para colocar em dias os seus serviços. Ele está de férias, ele não está vindo para o fórum, ele não vem fazer audiência, mas ele está em casa julgando, estudando processos mais complicados, mais complexos que no dia-a-dia não consegue julgar. É necessário realmente, porque é uma profissão diferenciada, ninguém pode dizer que a profissão de magistrado, que julga vidas, pessoas e questões complexas possa ser comparada - sem tirar o mérito de qualquer outra profissão. Assim como existem outras profissões em que as pessoas se aposentam com menos idade porque são profissões especiais. Na magistratura também é assim. E a sociedade precisa entender que essa proteção do magistrado é feita para a garantia da própria justiça, do próprio julgar com justiça, do próprio julgar com segurança e não privilégio. É uma prerrogativa que interessa à própria sociedade e não ao magistrado em si. Porque na hora que você tem um magistrado que está descansado, que está com a cabeça boa, que não está doente, ele vai julgar com muito mais lucidez, com muito mais segurança e com muito mais serenidade e os julgamentos, com certeza, serão muito mais justos.

BN: Esta sobrecarga de trabalho tem gerado muitos adoecimentos na categoria?

MB: Com certeza! Tanto problemas ergométricos, de coluna, de LER quanto problemas emocionais, problemas de síndrome do pânico, problemas de depressão, de estresse - que têm acontecido com muita frequência. Inclusive, recentemente foi feito um estudo pela Associação dos Magistrados Brasileiros, colocando justamente o aumento no percentual de magistrados que estão doentes pela carga excessiva de trabalho e é por isso também que o CNJ fez essa comissão para estudar como ajudar o magistrado de primeiro grau a melhorar suas condições de trabalho.
 
BN: A segurança dos magistrados ficou fragilizada nos últimos tempos. Nós tivemos o caso da juíza Patrícia Acioli. Aqui na Bahia, tivemos o caso do juiz que pediu proteção por sofrer ameaças. Como é que isso pode ser resolvido? Como a Amab pode ajudar a garantir a segurança dos magistrados?

MB: Essa é uma grande preocupação da gestão atual e vai continuar sendo uma preocupação da próxima gestão. É um problema sério, nós temos vários magistrados que estão sendo ameaçados, alguns estão escoltados. A casa e o carro da juíza da comarca de Barra foram metralhados, após um assalto ao Banco do Brasil. Nós temos uma situação de vulnerabilidade muito grande em relação não só à egurança dos fóruns, como também a segurança dos magistrados. Vários fóruns têm sido arrombados porque nós não temos um programa de segurança não só dos fóruns como também dos magistrados. E eu acho que isso precisa ser discutido e analisado com muita seriedade pelo Tribunal de Justiça, não só da Bahia, como também de todo país. Já tivemos vários casos que aconteceram em nível nacional e temos casos aqui recentes, como esses que eu justifiquei. Tem o juiz de Rio Real também, que recentemente teve problema de ameaça, também está sob escolta. Ultimamente tem aumentado o nível de insegurança em relação ao arrombamento de fóruns, em relação à ameaça de juiz e em relação à própria guarda dos processos. É necessário que a gente faça  um estudo e tome maiores cautelas para resolver esse problema que tem se mostrado bastante grave e bastante preocupante.

BN: O Ministério Público, por exemplo, já tem se articulado muito para isso, para pedir blindagem dos carros não só dos funcionários, como os particulares...

MB: Inclusive, nessa gestão, foi formada uma comissão até mesmo com a intermediação da associação. Existe um desembargador hoje que é o presidente da Comissão de Segurança para Magistrado e existe também um Projeto de Lei que está tramitando na Assembleia Legislativa da Bahia no sentido de diminuir a carga tributária dos carros blindados para que o juiz possa adquirir esses carros com um custo menor, porque hoje o salário que nós temos não é suficiente para blindagem. É necessário, porque você está sendo ameaçado, você está com uma situação de insegurança por conta da sua função, é necessário que o Estado dê esse suporte também.
 
BN: Uma das propostas de sua chapa é a criação de uma database para atualizar os subsídios dos automáticos dos magistrados. Como isso acontecerá na prática? Outra coisa é sobre a possibilidade da retomada do pagamento do Adicional por Tempo de Serviço (ATS), que foi retirado na gestão de Silvia Zarif.

MB: São duas questões que nós também não podemos deixar de atuar de forma muito forte, porque o subsídio dos magistrados está totalmente defasado. Nós ficamos mais de cinco anos sem qualquer tipo de aumento e no ano passado conseguimos aprovar um reajuste de 15% escalonado em três anos. Isso significa que nós tivemos reajuste de 5% em janeiro de 2013, vamos ter 5% em janeiro deste ano e mais 5% até 2015. Esses 15% não cobrem, sequer, as perdas salariais dos últimos cinco anos antes de a gente conseguir este aumento. A defasagem do salário da magistratura é muito grande. Em praticamente todas as outras carreiras jurídicas, principalmente de procuradores do Estado e Município, é permitido acumular com outros tipos de serviço, como a advocacia ou ter empresa. O juiz não. Ele não pode fazer mais nada na vida, a não ser acumular um magistério do segundo grau, ele não pode fazer mais nada. Pela carga de trabalho, pela responsabilidade que tem, por ser agente de poder, o magistrado tem que ter uma remuneração que seja condigna com seu cargo e que faça com que ele tenha tranquilidade para ter uma vida decente e possa julgar com tranquilidade. Imagina a pessoa que tem 3, 4 filhos. Eu mesmo tenho uma filha na faculdade de Medicina e pago R$ 5 mil por mês com um salário de R$ 14 mil. Eu pago 1/3 do meu salário só com a faculdade de uma filha. Por sorte, um estuda em faculdade pública e o outro formou. Agora, se não fosse, como eu pagaria isso? A má remuneração também deixa o juiz estressado. É necessário que isso seja realmente olhado com muito carinho pelo Poder Público. E o ATS é uma grande injustiça. O magistrado que entra hoje ganha a mesma coisa que o magistrado em fim de carreira. Com a implantação do subsídio, aquele que já tinha 30 anos de serviço passou a ganhar o mesmo valor daquele que estava ingressando na magistratura, apenas com a diferença de entrância que há entre os magistrados. Mas é uma grande injustiça porque você que tem muito mais experiência e também muito mais carga de trabalho, complexidade no seu trabalho. Por exemplo, um juiz que chegou à capital hoje ganha a mesma coisa que um juiz que chegou à capital há 20 anos, não é justo isso.

BN: Quais são os impactos da PEC 31 nos processos eleitorais e para a magistratura?

MB: Essa PEC discute uma reivindicação dos juízes federais para atuar na justiça eleitoral. O problema é que a magistratura estadual, que está na Constituição, é ela que detém a jurisdição eleitoral por estar em todas as comarcas, seja a comarca de primeira entrância seja a comarca de última entrância. E o juiz federal ele está apenas nas capitais e em algumas grandes cidades, ele não tem a capilaridadeque tem o juiz estadual, é o juiz estadual que está na linha de frente das comarcas, das menores comarcas, das maiores comarcas. Não é justo e nem economicamente viável, até mesmo para a estrutura da justiça eleitoral, que você desloque esta competência. Se a Justiça Eleitoral está dando certo, se o juiz estadual está dando conta do seu serviço e atua muito bem - a Justiça Eleitoral, hoje, é uma das melhores do Brasil -, então por que mudar uma coisa que está dando certo só para beneficiar os juízes federais que nunca, historicamente, atuaram na Justiça Eleitoral? Seria um grande desprestígio com a Justiça Estadual e não vemos nenhum fundamento para que haja este deslocamento.

BN: O deslocamento não traria alguma vantagem para a população...

MB: De jeito nenhum.

BN: A imagem da classe foi muito desvalorizada nos últimos anos. Como ela pode ser melhorada?

MB: Nós colocamos como compromisso de campanha melhorar a nossa comunicação com a sociedade através da imprensa, criar agendas positivas com a imprensa para que conheça como é que funciona a Justiça, qual é a atuação do juiz, o que é que o juiz realmente faz. Muitas vezes, os meus estagiários, quando vêm estagiar com a gente e chega aqui diz, “doutora, eu não tinha noção qual era o trabalho do magistrado, eu não sabia que era isso.” E muitas vezes a imprensa, quando vem aqui nos entrevistar aqui, nessa montanha de processo, diz que “não tinha noção que o juiz trabalhava tanto. Eu pensava que ele chegava aqui, assinava algumas coisinhas e depois ia embora”. E às vezes, a maioria dos juízes, se você passar um dia aqui - poderíamos fazer até uma reportagem, tipo ‘um dia com a rotina de um juiz’ para você ver como é uma rotina pesada. Eu acho que é interessante, é importante que a gente faça uma agenda positiva de ver as boas práticas dos magistrados, o que é que o magistrado faz? Nesse período que fiquei em campanha visitei muitas comarcas, visitei muitos colegas no interior, tem juízes fazendo trabalhos lindos, maravilhosos, trabalhos criativos no interior para melhorar a prestação jurisdicional, fazendo conciliações em família, em processos diversos, mesmo com todas as péssimas condições de trabalho. Eu acho que essa agenda positiva é que vai fazer com que a população conheça o trabalho do magistrado e valorize esse trabalho, porque nós, magistrados, estamos aqui, e constitucionalmente somos subordinados da cidadania, somos nós que atuamos no sentido de que a democracia seja mantida e os direitos fundamentais sejam garantidos a todo cidadão. Para isso, a sociedade precisa reconhecer isso, valorizar a magistratura e ajudar com que ela seja sempre melhor.

BN: Há uma necessidade que os magistrados sejam formados para administrar as comarcas, gerir suas unidades judiciais?

MB: Na verdade, eu acho que é um desperdício que o magistrado tenha que aprender a gerir administrativamente os cartórios deslocando da sua função principal, que é de julgar. Mas hoje, no momento atual que nós vivemos, o magistrado que não tenha este senso administrativo de organização cartorária, de saber como gerir o seu cartório ele não consegue fazer com que o seu trabalho seja efetivado. Não adianta que o juiz dê 100 sentenças e o cartório esteja desorganizado ao ponto de não conseguir cumprir as determinações que são colocadas. Na situação em que nós estamos nós necessitamos de ter esse feeling. É necessário que o juiz saia do seu gabinete, esteja enfronhado no cartório também para que funcione de forma eficiente e possa realmente cumprir os atos cartorários que foram determinados nas decisões. Agora, o ideal seria que dentro de cada cartório existisse um funcionário que fosse capacitado para isso, para que o juiz não tivesse que se deslocar de sua função judicante para se que imiscuir nestas questões administrativas. Para você ter uma ideia, os juízes do interior são unidades gestoras. Ele recebe uma verba do Tribunal de Justiça para gerir aquela comarca, e ele tem que se preocupar com pagamento de telefone, luz, água, limpeza, consertos diversos, até pequenos reparos que têm que ser feitos nos fóruns, porque foi dada a ele essa função extra que não está nas suas atribuições reais. Isso faz com que ele muitas vezes deixe de julgar para estar fazendo estes trabalhos administrativos, que deveria ser feito por um servidor com essa função específica, e não deslocar para ele mais esta responsabilidade, assim como direção de fórum, que hoje inclusive o juiz está acumulando as suas funções e ainda a direção de fóruns, e muitos fóruns grandes. E ele não fica afastado das suas funções para fazer este trabalho, ele faz cumulativamente e sem receber nada por isso, nenhuma gratificação por este trabalho extra.
 
BN: Será um pleito da Amab a realização de concurso para servidores e para mais magistrados?

MB: O concurso de servidores é uma prioridade. Nós não temos mais condições de trabalhar com o número de servidores que estão disponibilizando para os cartórios. Tem cartórios que tem dois, um, às vezes. Cartórios e comarcas do interior que estão trabalhando com funcionários cedidos pela prefeitura senão fecha. Então o Tribunal de Justiça precisa olhar com bons olhos a necessidade imediata de concurso público para servidores.

BN: É um risco julgar com servidores cedidos pela prefeitura?

MB: O problema de você ter funcionários cedidos pela prefeitura é muito maior do que o que se pensa, porque existem interesses da prefeitura, do município, do prefeito em relação a processos que tramitam na justiça. Muitas vezes, pessoas, cidadãos reclamam contra determinados atos da prefeitura ou até da própria Câmara, questiona a gestão administrativa do prefeito e esses processos são levados a julgamento pelo juiz da comarca. No momento em que o juiz da comarca tem servidores que são funcionários da prefeitura, além de você ter problemas de segurança dos atos sigilosos que estão sendo praticados pelos magistrados em relação a determinados processos, você também tem a segurança na guarda destes processos. É difícil você conviver com esta questão. Pode também sofrer pressões políticas, até retaliativa nos sentido de: ‘Olhe se não julgar dessa forma ou daquela vamos retirar todos os servidores e você vai ter que fechar o cartório’. Coisas desta natureza é que fazem com que haja uma fragilidade em relação a esse tipo de prática que hoje nós condenamos. Agora, também em alguns momentos, não é possível que não aceitemos este tipo de convênio que é feito entre o tribunal e as prefeituras, porque senão o serviço não anda, não funciona, mas não é o ideal.

BN: Como será a relação da Amab com o TJ-BA e com o CNJ?

MB: Nós queremos que o relacionamento seja o melhor possível. Nós achamos que o diálogo é a principal arma para resolver os problemas. Devemos buscar sempre o diálogo e a cooperação. Acho que a Amab tem grandes contribuições a dar não só em relação à mesa diretora do tribunal, que eu me relaciono muito bem, são excelentes magistrados que estão assumindo agora, os que já estão aqui e os que vão assumir. Espero que nós possamos fazer uma gestão participativa, em que os pleitos da associação sejam atendidos e que a Amab seja recebida e respeitada. Assim também com o CNJ, o que nós queremos é que haja a contribuição mútua, porque todos nós queremos que o Poder Judiciário funcione bem. O CNJ quer, o tribunal quer, a associação também quer, porque todos ganham. Na hora que todos nós se unirmos em prol deste objetivo, com certeza vamos conseguir que o Judiciário seja melhor.
 
BN: O que levou a senhora a ser candidata a presidência da entidade?

MB: Inicialmente, nos tínhamos uma associação que era muito dependente do tribunal. Havia uma ligação muito forte da associação com o tribunal e nós achávamos que a associação tinha que ser mais independente. Embora tenha um bom relacionamento com o tribunal, embora queira buscar o diálogo, a associação tem que ter a sua independência, a sua autonomia. Por conta disso, um grupo de juízes se reuniu e resolveu apresentar esta proposta de uma Amab independente, uma Amab soberana. Eu estou inserida nesse grupo há muito tempo, inclusive já fui candidata a presidente da associação quando começamos este projeto e naquela época não fui vitoriosa. Depois a gente colocou o nome da colega Nartir e ela foi vitoriosa. Agora, eu venho novamente, indicada pelos meus colegas, para continuar este trabalho. A ideia é que a gente continue tendo esta associação, que tenha independência e autonomia e que continue o diálogo que a gente sempre quis com o Poder Judiciário e com a mesa diretora do tribunal, para que a gente consiga melhores condições de trabalho para a magistratura e para que a gente possa realmente encontrar mecanismos de melhorar a prestação jurisdicional.