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Coluna

Tributo em Pauta: Caracterização da locação de bens para fins do ISSQN

Por Leandro Aragão Werneck

Tributo em Pauta: Caracterização da locação de bens para fins do ISSQN
Foto: Arquivo Pessoal

 

A não incidência de impostos (ICMS ou ISSQN) sobre as operações de locação de bens móveis é um lugar comum na tributação brasileira. Quanto ao ISSQN, os Municípios são assim orientados pela Súmula Vinculante nº 31 do Supremo Tribunal Federal que, desde 2010, consolidou a sua jurisprudência.

 

Na perspectiva teórica, a impossibilidade de tributar a locação de bens móveis pelo ISSQN está bem sedimentada. Ainda assim, na prática, inúmeros lançamentos tributários são realizados pelos Municípios e mantidos pelo Poder Judiciário, apesar dos protestos de contribuintes e advogados de que se está promovendo a exigência sobre operações de locação de bens.

 

Este desencontro entre teoria e prática na aplicação da Súmula Vinculante nº 31 é só aparente. A origem da indignação está, comumente, na falta de compreensão da jurisprudência do STF e em certa dificuldade de demonstrar (ou de interpretar) a efetiva natureza das operações que se está analisando.

 

Para começar, a jurisprudência do STF não é tão clara quanto a Súmula Vinculante nº 31 faz parecer. Seu texto é categórico quanto a ser “[...] inconstitucional a incidência do [...] ISS sobre operações de locação de bens móveis”. Apesar do peso destas palavras, isto não representa a totalidade do entendimento judicial.

 

E nem poderia ser diferente. Não deixemos que as letras maiúsculas, o adjetivo “vinculante” e juridiquês que encobre a expressão ocultem o que o Aurélio nos responde tão bem. “Súmula” é um sinônimo de “suma”, “sinopse” ou “resumo”. E nenhum resumo, por mais belo e enfeitado que seja, será tão rico ou claro quanto a obra completa.

 

As locações de bens móveis nem sempre estiveram à margem da tributação do ISSQN. Originalmente, a exigência sobre estas operações era a regra, inclusive na visão dos Tribunais.

 

Este entendimento só se modificou em 2001, a partir de um caso em que o STF se deparou com a locação de guindastes (RE 116.121) considerada “pura e simples”, isto é, consistente apenas na entrega dos equipamentos ao locatário, sem a associação de qualquer atividade que não as inerentes à própria locação (ex.: manutenção da coisa locada e conservação desta na posse do locatário).

 

Todos os julgamentos que se seguiram vieram a reboque, mantendo este entendimento quanto à locação pura e simples, mas, mantendo um pé atrás quanto às operações complexas, em que a locação ocorre, de um lado, acompanhada de qualquer outro serviço, de outro.

 

Estas operações não tinham sido ainda analisadas pelo Tribunal e isto foi objeto de controvérsia quando da própria redação da Súmula Vinculante nº 31, onde os Ministros chegaram a ensaiar o entendimento de que a “parcela” contratual relativa ao serviço poderia ser alvo do ISSQN, desde que se mantivesse à sua margem a parcela relativa à locação. O ensaio foi a público em diversos julgamentos posteriores e a salvaguarda tributária da locação de bens exige, hoje, que ela esteja nitidamente segmentada da prestação de serviços, tanto no objeto quanto no valor da sua contrapartida financeira.

 

Normalmente, é este o centro dos atritos entre contribuintes e Municípios quando surgem estas operações. A questão jurídica já está relativamente sedimentada - a (in)exigência do ISSQN -, mas nem sempre é possível identificar nos casos concretos a premissa, que se dá na presença: (a) da locação pura; ou (b) da locação associada a serviços que esteja nitidamente destacada destes.

 

A questão passa a ser de prova, não de tese jurídica. Notas fiscais emitidas conglobando os dois valores, contratos em instrumento único, objetos e deveres contratuais mesclados, todos são fortes elementos para que se impeça o destaque das operações e, assim, para justificar a exigência do ISS sobre o todo.

 

Dentre as diversas possibilidades que a experiência proporciona, nenhuma me parece tão esquizofrênica quanto aquelas em que se pretende imputar uma operação de locação ao tempo em que os contratos não denotam nem mesmo os mínimos deveres típicos da locação.

 

O nosso Código Civil caracteriza o contrato de locação de bens como aquele em que uma das partes se compromete “a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo de coisa [...]” (art. 565), mediante retribuição. E continua, caracterizando esta espécie de contrato, com a indicação de que “[o] locador é obrigado [...] a entregar ao locatário a coisa alugada, com suas pertenças, em estado de servir ao uso a que se destina” (art. 566, I).

 

Estes elementos são centrais na caracterização do contrato de locação de bens. Nesta, sempre há, necessariamente, a entrega da posse da coisa alugada ao locatário, que a mantém sob sua guarda e responsabilidade para “restituir [...], finda a locação, no estado em que a recebeu [...]” (art. 569, IV).

 

Não se pode cogitar de legítima locação quando o bem, o equipamento, o veículo ou o que for ainda permaneça sob a posse direta do seu proprietário. Se este for o caso em uma operação associada a mão de obra, então não haverá qualquer diferença material entre a “locação” e um serviço qualquer que apenas tenha o bem como instrumento à sua realização, sujeitando-se ao ISSQN.

 

*Leandro Aragão Werneck é advogado, professor de Direito Tributário, doutorando e mestre em Direito pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), especialista em Direito Tributário (IBET) e conselheiro do Conselho Municipal de Tributos de Salvador (2021-2022).