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Coluna

Tributo em Pauta: Até onde vai a responsabilidade tributária do sócio?

Por Anna Tereza Landgraf

Tributo em Pauta: Até onde vai a responsabilidade tributária do sócio?
Foto: Arquivo Pessoal

 

Você já ouviu dizer que a responsabilidade da empresa não se confunde com a responsabilidade dos sócios? Pois é isso mesmo! Aquele débito da empresa não é seu! E essa é uma verdade pautada na garantia constitucional da livre iniciativa que, ao possibilitar a constituição de sociedade para o exercício de atividade econômica e partilha de resultados, assegura um regime de comprometimento patrimonial previamente disciplinado e que delimita o risco da atividade econômica. 

 

No âmbito da responsabilidade tributária, o legislador trouxe comando específico, disposto no art. 135, III, do Código Tributário Nacional (CTN - Lei n. 5.172/66), segundo o qual os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado “são pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos”.

 

Para alívio daqueles que têm a coragem de empreender neste país (sim, é um ato de coragem!), a jurisprudência pátria reconheceu que a responsabilidade solidária do diretor, gerente ou representante é subjetiva, ou seja, tem-se por necessária a demonstração pela Fazenda Pública da prática de conduta ilícita para sua responsabilização. E não se trata aqui da mera falta de pagamento do tributo, pois, como já sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça (Súmula nº 430), “o inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente”.

 

Nosso ordenamento jurídico prevê hipóteses bastante específicas em que a personalidade da pessoa jurídica pode ser desconsiderada (ignorada), para que a esfera jurídica do sócio ou administrador seja alcançada. Situações em que, por exemplo, a pessoa jurídica executada não era encontrada no seu endereço de cadastro passou a ser considerado indício de dissolução irregular (e, aqui, não temos como discordar), possibilitando o redirecionamento da execução fiscal ao diretor, gerente/administrador ou representante. Surge, então, a Súmula nº 435: “Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente”.

 

Na evolução do tratamento jurisprudencial acerca da matéria, vimos o STJ definir que, para o redirecionamento da execução em virtude da dissolução irregular da empresa, necessário que o sócio ou administrador estivesse exercendo a administração da sociedade no momento da dissolução irregular e que também exercesse os poderes de gestão da empresa no momento do vencimento do tributo.

 

Mas pensemos na seguinte situação: quando ocorreu o fato gerador da obrigação de pagar o tributo, João era o sócio gerente; João decide se afastar da sociedade; faz-se uma alteração contratual para formalizar a sua saída; Maria, então, assume a administração do negócio e, alguns anos depois, Maria decide dissolver irregularmente a sociedade. É possível cobrar de João o tributo devido pela empresa? Não. Não seria justo para aquele que, apesar de ter exercido a gerência da empresa na época do fato tributário, dela regularmente se afastou, sem dar causa, portanto, à posterior dissolução irregular da sociedade empresária.

 

Eis que, em novembro de 2021, a Corte Superior firmou a seguinte tese: “o redirecionamento da execução fiscal, quando fundado na dissolução irregular da pessoa jurídica executada ou na presunção de sua ocorrência, não pode ser autorizado contra o sócio ou o terceiro não sócio que, embora exercesse poderes de gerência ao tempo do fato gerador, sem incorrer em prática de atos com excesso de poderes ou infração à lei, ao contrato social ou aos estatutos, dela regularmente se retirou e não deu causa à sua posterior dissolução irregular, conforme art. 135, III, do CTN (RESP 1.377.019/SP, REsp 1.776.138 e REsp 1.787.156 – Repetitivo – Tema 962). Em outras palavras, só poderá ser responsabilizado o sócio ou terceiro não sócio que tenha participado efetivamente do ato ilícito, que, neste caso, não é “deixar de pagar o tributo”, mas sim a dissolução irregular, procedimento este flagrantemente contrário à legislação civil-empresarial. João pode relaxar!

 

Mas e Maria? No STJ, havia duas correntes. A primeira defendia que, para cobrar do sócio gerente, este teria que figurar como sócio no momento do fato gerador e no momento da dissolução irregular. Já a segunda corrente defendia que bastava ser sócio no momento da dissolução irregular. Prevaleceu a segunda corrente e “deu ruim” pra Maria. No último dia 25 de maio, a Primeira Seção do STJ, por maioria, fixou a seguinte tese: “O redirecionamento da execução fiscal, quando fundado na dissolução irregular da pessoa jurídica executada ou na presunção de sua ocorrência, pode ser autorizado contra o sócio ou o terceiro não sócio com poderes de administração na data em que configurada ou presumida a dissolução irregular, ainda que não tenha exercido poderes de gerência quando ocorrido o fato gerador do tributo não adimplido, conforme art. 135, III, do CTN” (REsp 1.643.944/SP, REsp 1.645.281/SP e REsp 1.645.333/SP – Repetitivo – Tema 981).

 

Este entendimento reverencia as duas súmulas acima citadas, na medida em que considera irrelevante o inadimplemento da obrigação tributária para definir o sócio gerente ou administrador como responsável (Súmula nº 430/STJ) e permite a responsabilização do sócio ou terceiro não sócio com poderes de gerência, caso não localizada a empresa no endereço fornecido como domicílio fiscal, o que gera a presunção de sua dissolução irregular (Súmula nº 435/STJ). 

 

Pois é. Dever tributo não é, e nunca foi, ilícito, mas não vale sumir do mapa e deixar os credores a ver navios. Empresa é como um filho: nunca abandone!!! Não há espaço para abusos por parte dos sócios que, ante o fracasso do seu negócio, não promovam os atos necessários para a sua regular dissolução. E como fazer uma dissolução regular para evitar que as dívidas tributárias da empresa assombrem suas noites de sono? Esse é assunto para um próximo artigo.

 

*Anna Tereza Landgraf é advogada e professora, especialista em Direito Tributário, MBA em Planejamento Tributário e em Gestão e Administração de Negócios, membro da Comissão de Direito Tributário da OAB/BA e da Associação Brasileira de Direito Tributário – ABRADT.