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Coluna

Tributo em Pauta: Imposto de renda sobre pensão alimentícia

Por Anna Tereza Landgraf

Tributo em Pauta: Imposto de renda sobre pensão alimentícia
Foto: Arquivo pessoal

Desde o lançamento da coluna Tributo em Pauta, eu e meus companheiros de jornada privilegiamos abordar temas tributários que afetam os contribuintes nas esferas municipal e estadual. Desta vez, peço licença para tratar do Imposto de Renda Pessoa Física – IRPF (um imposto federal), especificamente sobre um tema que, com frequência, tem invadido as minhas rodas de conversa, os meus cafés com as amigas, os meus almoços de domingo em família e, decerto, interessará a alguém que você conhece.

 

Para aqueles que ainda não entregaram as suas declarações do IRPF, a boa notícia é que a Receita Federal prorrogou o prazo de entrega para 31 de maio. Embora se trate de uma obrigação anual, todo ano as dúvidas se repetem na hora de preencher a danada, não é mesmo?

 

Hoje, abordarei um tema que aflige todos que recebem pensão alimentícia, mas, em especial, a mulher separada ou divorciada, que é quem, normalmente, assume a guarda dos filhos e recebe pensão do ex-marido ou ex-companheiro.

 

A lei autoriza que o alimentante (aquele que paga a pensão) deduza do seu imposto de renda o valor pago ao alimentado (quem recebe a pensão). Historicamente, sabemos que esta autorização partiu de uma “política fiscal” que teve a intenção de estimular o pagamento de pensões pelos pais que saiam de casa e deixavam os filhos aos cuidados das mães – e esse é o formato mais comum de se ver até hoje, como provam os dados divulgados pelo IBGE em 2018, que apontam o montante de deduções realizadas por contribuintes homens (R$ 15 bilhões), em comparação com o montante de deduções realizadas por contribuintes mulheres (R$ 370 milhões).

 

Até aí, tudo bem. Se alcança o fim a que se propõe, não nos cabe criticar. Mas algo inconcebível, inaceitável e indeglutível é a incidência do imposto de renda sobre o valor recebido a título de pensão alimentícia, prevista em nossa legislação, uma das muitas questões inquietantes (para não chamar de outra coisa) que envolvem tributação e gênero.

 

É isso mesmo, cara leitora. A Lei n. 7.713/1988 prevê, no seu artigo 3º, §1º, que alimentos ou pensões serão tributados pelo imposto de renda. Tais valores, recebidos em cumprimento de acordo homologado judicialmente ou de decisão judicial, sujeitam-se à tributação mensal de IR. Assim está previsto no Regulamento do Imposto de Renda (Decreto n. 9580/2018), que reproduziu disposição do regulamento anterior (Decreto n. 3.000/1999) e há muito nos revolta. Basta estudar um pouquinho o conceito de renda, conhecer a materialidade do tributo em questão, para se convencer de que renda é um acréscimo patrimonial, uma riqueza nova, conceito este que não se encaixa no conceito de pensão alimentícia.

 

Vale, aqui, registrar que a materialidade de qualquer tributo está na Constituição Federal e o art. 153, III, dispõe que compete à União instituir impostos sobre renda e proventos de qualquer natureza. O Código Tributário Nacional, por sua vez, detalha o fato gerador do IR como sendo a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:

 

I - de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;

 

II - de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no conceito de renda.

 

Agora me diga, leitora, desde quando alimentos ou pensão alimentícia cresce ou aumenta patrimônio? Pensão, como sabemos, é aquele valor retirado dos rendimentos recebidos pelo alimentante para serem dados ao alimentado, devendo ser fixado na proporção da necessidade deste e da possibilidade daquele. Ou seja, é obrigação de sustento, mero ingresso de valor para quem o recebe, passando longe da ideia de manifestação de riqueza e, portanto, da hipótese de incidência do imposto sobre a renda.

 

Faz algum sentido para você que o legislador autorize a dedução do valor da base de cálculo do IRPF do devedor/alimentante, que possui capacidade contributiva comprovada, para submeter o alimentado, a parte mais frágil da relação familiar, à incidência desse imposto? Como considerar renda o “ganho” que, muitas vezes, não é suficiente sequer para o custeio das despesas básicas (educação, saúde, alimentação, vestuário etc), absolutamente necessárias à sobrevivência do alimentado? Que justiça fiscal é essa? Pare e pense. E quem sofre com isso? Especialmente as mulheres, que é quem normalmente assume a guarda dos filhos após a separação ou o divórcio. Há, inclusive, flagrante ofensa ao princípio da isonomia, pois o filho de pais separados/divorciados é tratado de forma distinta daquele que tem seus pais casados. É ou não é?

 

Além disso, aquele que realiza o pagamento dos alimentos/pensão (alimentante) já foi exposto à tributação quando recebeu a sua renda/provento de qualquer natureza (fato gerador do IR), de modo que submeter o valor recebido pelo alimentado a título de alimentos/pensão ao IR representa nova incidência do mesmo tributo sobre a mesma realidade, isto é, sobre aquela parcela que integrou a renda/provento de qualquer natureza do alimentante. Em outras palavras, a verba será tributada duas vezes. E, aqui, importa esclarecer que o fato de a lei possibilitar ao alimentante a dedução das importâncias pagas a título de pensão alimentícia não afasta a abusividade da cobrança do IR sobre o valor recebido pelo alimentado, pois tal dedução, na verdade, é uma espécie de benefício fiscal, que tem como único beneficiário o alimentante.

 

Este tema inquietante (estou aliviando no adjetivo) já chegou ao Supremo Tribunal Federal, por uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI n. 5422) proposta pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM em 2015, na qual se alega que os alimentos são destinados à sobrevivência e se destinam a suprir às necessidades básicas de uma pessoa, assim, não são renda e tampouco proventos para se submeter à incidência do IR e que tributar os alimentos viola o princípio da dignidade da pessoa humana, da existência digna.

 

A ADI foi pautada para julgamento virtual em fevereiro deste ano. O placar estava seis a zero para afastar essa tributação absurda, formando, portanto, maioria para aprovação da tese proposta pelo relator, o ministro Dias Toffoli: “é inconstitucional a incidência de imposto de renda sobre os alimentos ou pensões alimentícias quando fundados no direito de família”. Porém, o ministro Gilmar Mendes pediu que fosse dado destaque à matéria, o que significa que o processo será repautado, agora, para julgamento na modalidade presencial e a contagem dos votos será reiniciada.

 

A União estima que, em caso de derrota, haverá uma perda de arrecadação de R$ 1,05 bilhão em um ano e R$ 6,5 bilhão em cinco anos, mas confiamos que, pelo menos nesse caso, a decisão do STF não se pautará em fundamentos extrajurídicos. Pelos votos já apresentados, mais da metade da Suprema Corte está convencida de que o texto constitucional teve a intenção de tributar com o IR valores que configurem manifestação de riqueza do seu detentor, o que afasta alimentos ou pensão alimentícia do seu campo de incidência.

 

E, aqui, é importante destacar que a tese proposta pelo ministro Dias Toffoli trata de ‘alimentos ou pensão alimentícia oriunda do direito de família’, de modo que alcança a pensão alimentícia recebida de qualquer pessoa, por força de vínculo de parentesco ou de reciprocidade, como, por exemplo, aquela paga pelos avós aos netos ou mesmo aquela paga pelo ex-marido à ex-mulher.

 

Infelizmente, ainda não temos um veredicto, nem sabemos se os efeitos de uma decisão favorável aos contribuintes – que reconheça a não incidência do IR sobre alimentos ou pensão alimentícia – poderão retroagir e gerar o direito à restituição de valores pagos a esse título nos últimos 5 anos. Tudo vai depender dos termos da decisão e da modulação que lhe for dada. 

 

Ainda não há data prevista para o julgamento da ADI 5422, mas já vale um meio suspiro, uma comemoração ainda que discreta, enquanto aguardamos o desfecho dessa história, que, como todo caso de família, pode nos reservar surpresas ingratas, mas sempre desejamos que o melhor aconteça no final.

 

Enquanto não nos livramos dessa cobrança absurda, vai aqui uma dica básica de planejamento absolutamente legal e que pode significar uma economia na tributação. Normalmente, a mulher separada/divorciada soma o rendimento da pensão recebida ao rendimento dela e deduz o alimentado como dependente. Acontece que, se o valor da pensão for maior que a dedução do dependente, não compensa juntar os rendimentos para tributar e ter a dedução do dependente. Neste caso, melhor fazer uma declaração separada para o filho. E, assim, a gente vai se virando como pode, até que chegue a boa notícia do STF! 

 

*Anna Tereza Landgraf é advogada e professora, especialista em Direito Tributário, MBA em Planejamento Tributário e em Gestão e Administração de Negócios, membro da Comissão de Direito Tributário da OAB/BA e da Associação Brasileira de Direito Tributário – ABRADT.