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Tributo em Pauta: STJ, valor venal, e as novidades para o ITIV e o ITCMD

Por Leandro Aragão Werneck

Tributo em Pauta: STJ, valor venal, e as novidades para o ITIV e o ITCMD
Foto: Arquivo pessoal

O recente julgamento do STJ quanto à base de cálculo possível para a incidência do ITBI - pra gente, é ITIV que chama - já tem dado bastante o que falar e assombrado os sonhos dos gestores municipais. Algumas prováveis repercussões da orientação jurisprudencial, porém, talvez aliviem o sono dos gestores estaduais.

 

Se você não esteve acompanhando as notícias do final de fevereiro/2022, vai uma breve suma: o STJ julgou que a expressão “valor venal” que o art. 38 do CTN usa para indicar a base de cálculo do ITBI não tem nada que ver com o IPTU - que também parte de um “valor venal”, viu? - e que, para aquele, é o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado.

 

O acórdão não foi ainda publicado, mas não é uma graaande novidade no cenário tributário. Este entendimento já vinha prevalecendo no STJ há um bom tempo. A diferença está em, agora: (i) ele ter se fixado numa tese repetitiva, que deve ser reproduzida por todos os Tribunais e juízes brasileiros; e (ii) que o Tribunal também atribuiu ao valor declarado pelo contribuinte a presunção de que equivale com o de mercado, cabendo ao Fisco o ônus de demonstrar o contrário.

 

E o que isto tem que ver com o ITCMD e a doação de quotas de sociedade? Quase tudo.

 

Grosseiramente, diga-se logo que o ITIV é o imposto sobre a transmissão onerosa de bens imóveis, enquanto que o ITCMD incide sobre a transmissão gratuita de quaisquer bens e direitos. Um Município nunca poderá exigir ITIV sobre qualquer transmissão de quotas de sociedade; mas, se ela for gratuita, pode ser o caso de o Estado cobrar o ITCMD.

 

Por mais que estes impostos sejam hoje filhos de pais diferentes - e cada um que embale o seu -, eles são gêmeos siameses no meio de uma disputa pela guarda unilateral. Quer ver?

 

Na Constituição de 1891, o imposto era único, cabível aos Estados sobre “transmissão da propriedade” (art. 9º, 3º) independente de ser gratuita ou não.Só na de 1934 (art. 8º, I, “b” e “c”) fizeram a cirurgia para dividir em transmissões por herança (gratuita) e as realizadas com imóveis (gratuitas ou não), mas se manteve com os Estados. Na de 1946 (arts. 19 e 29), só ficou o das heranças e sequestraram a outra criança, resgatada só com a Emenda nº 5/1961. Em 1965 (EC-18) devolveram ambos aos Estados e, na Constituição de 1967 (art. 24), costuraram os irmãos de volta em um imposto só, excluindo a incidência sobre outras heranças que não as imobiliárias.

 

Que novela, ein?

O cenário de 1988 até hoje é menos caótico e está dividido entre os Municípios e os Estados, mas, você consegue entender que é natural que haja semelhanças importantes entre os dois impostos. Especialmente se considerarmos que ambos estão regulados até hoje pelos mesmos artigos do Código Tributário Nacional, já que nunca atualizaram as normas gerais de cada um.

 

E entre estas normas está a que fixa o “valor venal” como base para a cobrança dos impostos de transmissão, regra comum para Estados - no ITCMD - e para Municípios - no ITBI/ITIV.

 

Aí ficou fácil perceber que, embora a posição do STJ tenha se dado em um caso de ITBI/ITIV, é muito plausível a suposição de que o entendimento vale também para o ITCMD, porque a razão de decidir foi a interpretação da mesma expressão - “valor venal” - dentro do mesmo dispositivo (art. 38 do CTN).

 

Da perspectiva de muitos Municípios, a posição do STJ pode representar um problema. Caos na arrecadação, porque agora terão de se mexer para exigir ITIV em valor diferente do declarado pelos contribuintes nas compras e vendas de imóveis. Catástrofe no caixa, ante a probabilidade de terem de devolver os valores cobrados a maior nas operações realizadas nos últimos 05 anos.

 

Em Salvador, por exemplo, a forma de exigência do imposto bate frontalmente contra o precedente obrigatório fixado pelo STJ. O art. 117 do Código tributário municipal regula uma prefixação genérica da base de cálculo (§ 1º) e inverte contra o contribuinte o ônus de provar que o valor não seria aquele (§ 2º). É em face de situações como esta que o STJ fixou a segunda parte da tese repetitiva, a favor da presunção - sujeita à prova em contrário - de que o valor venal (o de mercado) é o indicado pelo contribuinte, não o arbitrado pelas Fazendas municipais.

 

Já para os Estados, em alguns casos a perspectiva é de maior segurança jurídica e possível reforço ao entendimento que já vinham aplicando, por exemplo, nas transmissões gratuitas de quotas societárias.

 

Atualmente, quando estas são transmitidas na Bahia, por exemplo, tem se utilizado como base de cálculo o valor aproximado de mercado que elas teriam numa venda em condições normais (arts. 29 e 30, RITCMD/BA). Historicamente, a Secretaria de Fazenda local tem considerado válida a apuração deste valor através de uma proporção entre as quotas cedidas (%) e o valor da sociedade extraído do balanço patrimonial ($).

 

Para os baianos, a posição fazendária se vê reforçada pois, salvo em casos excepcionais que podem ser provados em contrário, o valor patrimonial dá mais indícios à apuração do valor de mercado do que o simples valor contábil das quotas, que se extrai do capital social integralizado.

 

Já em São Paulo, talvez esta aferição mexa um pouco com a paz dos contribuintes, pois o Tribunal de Justiça daquele Estado vinha reconhecendo que a doação de quotas societárias tinha de ter o imposto calculado sobre o seu valor contábil - isto é, o valor de face das quotas, posto no contrato social. A influência desta posição tende a diminuir, em benefício daquela defendida pelo órgão fazendário paulista (cf. Resposta a Consulta Tributária nº 24.429/2021).

 

Favorável a uns e prejudicial a outros, o mais importante é que o recente julgamento do STJ calçou mais um degrau para que os contribuintes tenham segurança tributária para planejar as operações que irão realizar.

 

 

*Leandro Aragão Werneck é advogado, professor de direito tributário, dutorando e mestre em direito pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), especialista em direito tributário (IBET) e conselheiro do Conselho Municipal de Tributos de Salvador (2021-2022).