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Tributo em Pauta: O ISS na parceria entre salões de beleza e profissionais

Por Anderson Pereira

Tributo em Pauta: O ISS na parceria entre salões de beleza e profissionais
Foto: Arquivo pessoal

A Lei Federai nº. 13.352/2016 inovou as relações entre profissionais, como cabeleireiro, barbeiro, esteticista, manicure, pedicure, depilador, maquiador e os salões de beleza nos quais exercem suas atividades profissionais, modificando a Lei Federal nº. 12.592/2012 para autorizar expressamente a celebração de contratos de parceria para formalizar a relação jurídica existente, privilegiando a liberdade dos contratantes em fixar a participação de cada um nos resultados.

 

Segundo a legislação, o salão-parceiro é o responsável pela centralização dos pagamentos e recebimentos dos clientes atendidos (art. 1º-A, § 2º), e retém sua própria cota-parte ajustada no contrato e também os valores correspondentes aos tributos e contribuições sociais e previdenciários incidentes sobre a cota-parte do profissional-parceiro (art. 1º-A, § 3º), que deve emitir documento fiscal apenas quanto aos valores recebidos (art. 59, §3º da Resolução do Comitê Gestor do Simples Nacional nº. 140/2018), podendo atuar como microempreendedor individual (MEI), inclusive.

 

A chamada “Lei do Salão-Parceiro”, estabelece expressamente que a cota-parte destinada ao profissional-parceiro não integra a receita bruta para fins de cálculo do Imposto Sobre Serviços (ISS) devido pelo salão, mesmo que seja utilizado sistema de emissão de nota fiscal única para o consumidor (art. 1º-A, § 5º). Entretanto, existem municípios que ainda não implantaram ou alteraram seu sistema para permitir a dedução dos valores repassados aos profissionais-parceiros de sua receita bruta, o que acaba promovendo uma exigência tributária irregular.

 

Nessas circunstâncias, o imposto cobrado do salão-parceiro observa como base montante maior do que a cota-parte que lhe compete, embora já exista sua responsabilidade de reter e repassar aquele devido pelo profissional-parceiro, ou seja, enquanto o profissional paga sobre o valor que efetivamente recebe, o salão é cobrado sobre mais do que lhe cabe, contrariando a própria lei que pretendia regularizar a relação. Deste modo, considerando uma hipótese de que a divisão entre os parceiros é de 50%-50%, em um serviço pelo qual o cliente paga R$ 100,00, embora salão e profissional tenham direito a R$ 50,00 cada um, o salão pagará ISS sobre os R$ 100,00 cobrados do cliente e o profissional ainda terá descontado o ISS incidente sobre os seus R$ 50,00 em uma operação onde só quem sai ganhando é o Município.

 

Os salões de beleza optantes do Simples Nacional, por outro lado, desde 2018, conseguem realizar a dedução, por força de modificação na legislação federal que passou a valer a partir daquele ano (art. 11, III da Lei Complementar 155/2016), embora a lei que regulou os contratos de parceria já estivesse em vigor desde 2016. Contudo, as pessoas jurídicas não enquadradas no regime simplificado ainda podem encontrar dificuldades para agir da forma como foram expressamente autorizadas pela legislação, o que é um contrassenso capaz de forçá-las a buscar socorro na via judicial com grandes chances de êxito.

 

Em decisão recente, por exemplo, o Município de São Paulo teve seu recurso rejeitado pela 14ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (Apelação nº. 1035455-83.2019.8.26.0053), mantendo a decisão de primeiro grau que afastou norma municipal usada como obstáculo para a dedução dos valores da receita bruta pelos salões-parceiros, destacando, inclusive, que, se o ISS incidir sobre a receita bruta, acabaria resultando em dupla cobrança, pois o valor devido pela cota-parte do profissional-parceiro já foi objeto de retenção.

 

Curioso observar que, no caso mencionado, mesmo não havendo qualquer limitação do direito às empresas optantes do Simples Nacional na legislação federal, o Município de São Paulo, em resposta a uma consulta formulada por contribuinte (Solução de Consulta SF/DEJUG n. 10 de 03/05/2018), afirmou que a dedução somente poderia deixar de integrar a receita bruta do salão quando este for optante do regime simplificado.

 

Como o contribuinte brasileiro dificilmente tem um dia de paz, cabe ainda registrar que, até outubro deste ano de 2021, ainda existia o risco da lei ser julgada inconstitucional, pelo Supremo Tribunal Federal, em razão de uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI 5625/DF) proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Turismo e Hospitalidade - CONTRATUH, por entender que a legislação precarizaria as relações de trabalho e promoveria pejotização.

 

Após dois votos contra a Lei do Salão-Parceiro (Min. Edson Fachin e Min. Rosa Weber), prevaleceu (por 8 votos a 2) a divergência aberta pelo Min. Kassio Nunes que definiu, acompanhado pelos demais Ministros, a constitucionalidade da celebração do contrato de parceria entre salões de beleza e profissionais, resguardando, no entanto, a possibilidade de eventuais abusos serem coibidos pelo Poder Judiciário.

 

No momento em que esse texto é concluído, o acórdão do julgamento ainda não foi publicado pelo STF. O pior de tudo é que, por mais que demore de ocorrer a publicação, se jogos de azar fossem permitidos no Brasil, daria para arriscar um palpite no sentido de que, ainda assim, vai se tornar disponível antes dos municípios resolverem os problemas na cobrança do imposto. 

 

*Anderson Pereira é advogado tributarista licenciado, professor de Direito Tributário e conselheiro do Conselho de Fazenda do Estado da Bahia e do Conselho Municipal de Tributos de Salvador