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Coluna

Tributo em Pauta: Devo pagar taxa de incêndio?

Por Anna Tereza Landgraf

Tributo em Pauta: Devo pagar taxa de incêndio?
Foto: Arquivo pessoal

A tragédia ocorrida na Boate Kiss, no Rio Grande do Sul, que matou 242 pessoas e feriu outras 680, completará 09 anos no próximo dia 27 de janeiro. O triste episódio levantou inúmeras discussões sobre as medidas de segurança contra incêndio e pânico, apontando para a importância de todas as edificações e áreas de riscos e de aglomeração de público possuírem um Plano de Prevenção Contra Incêndios (PPCI), bem como disporem de Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB).

 

O AVCB é um documento emitido pelo Corpo de Bombeiros após vistoria técnica que verifica se a edificação atende às condições de segurança contra incêndio e pânico previstas na legislação vigente. É, portanto, uma obrigação legal, nos termos da Lei Estadual n. 12.929/2013, e tem prazo de validade de 12 meses, a contar da data de sua expedição (Art. 13, §4º, do Decreto n. 16.302/2015).

 

Assim como na tragédia da boate, em outros incêndios de grandes proporções – como os que atingiram o Museu Nacional do Rio de Janeiro e o Campo de Treinamento do Flamengo – um plano de prevenção bem elaborado e validado pelo Corpo de Bombeiros poderia ter impedido que o fogo se alastrasse ou, no mínimo, contribuído para uma contenção mais rápida. Certamente, se as edificações tivessem sido devidamente vistoriadas no prazo determinado pela legislação, os danos teriam sido menores. Mas, infelizmente, em todos os casos citados, as edificações não atendiam nem mesmo aos requisitos básicos de segurança.

 

Pois bem. Feito o alerta (sempre oportuno) sobre a importância de se manter o AVCB atualizado, agora entrarei propriamente no nosso tema.

 

Quando você, empresário, depois de ter elaborado o seu Plano de Prevenção Contra Incêndios (PPCI), solicita uma visita técnica do Corpo de Bombeiros para obter o seu AVCB, depara-se com a exigência do comprovante de pagamento da Taxa pela Utilização Potencial do Serviço de Extinção de Incêndios, a chamada Taxa de Extinção de Incêndio. Se você não pagar a bendita taxa, o processo não desenrola, travando também a liberação do seu alvará de funcionamento e a contratação de seguro para o imóvel (o que é sempre recomendável).

 

E, se sua empresa está localizada a uma distância menor que 35 km da unidade prestadora dos serviços de prevenção e extinção de incêndios, é certo que ela estará sujeita à cobrança anual da referida taxa, pela oferta de serviços públicos de combate e extinção de incêndios postos à disposição da população pelo Estado, independente do seu uso efetivo, nos termos do §2º do art. 1º da Lei Estadual n. 11.631/2009.

 

A taxa deve ser paga até o dia 31 de julho do ano em referência e sua base de cálculo é apurada pela adoção do “coeficiente de risco de incêndio do imóvel” representado pela unidade de medida Megajoule (MJ), aprovado pela Associação Brasileira de Normas Técnicas - ABNT, correspondendo a quantificação de risco de incêndio do imóvel, obtido por uma fórmula que envolve: 1) a carga de incêndio específica do imóvel, calculada em razão da natureza da ocupação ou do uso do imóvel; 2) a área total construída do imóvel, incluindo a fração ideal nos casos de estabelecimentos localizados em condomínio; e 3) o fator de graduação de risco, em razão do grau de risco de incêndio, conforme escala considerada pelo Estado. Complicado??? Nem perca seu tempo tentando entender, pois essa taxa é inconstitucional. Explico.

 

O Estado da Bahia justifica a cobrança alegando que a taxa tem como objetivo “aparelhar e modernizar o Corpo de Bombeiros”. Todavia, não é qualquer serviço público que enseja a cobrança de taxa, mas somente aqueles caracterizados por serem “específicos e divisíveis”, ou seja, o Estado cobra da pessoa que se aproveitou do serviço prestado. Os serviços públicos “genéricos e indivisíveis”, aqueles que são colocados à disposição da sociedade indistintamente, não podem ser custeados através de taxa, mas apenas pela arrecadação obtida com a cobrança de impostos.

 

Os Estados possuem ampla competência para instituir e cobrar as taxas, seja em razão do poder de polícia – este entendido como a atividade da Administração Pública que impõe limites ao exercício de direitos e liberdades, em prol do interesse coletivo – ou face à prestação de um serviço público que seja iminentemente específico e divisível. Todavia, para se instituir e exigir uma taxa, esta deve preencher todos os requisitos previstos na Constituição Federal e a Taxa de Extinção de Incêndio não cumpre os requisitos, uma vez que se trata de serviço público geral e indivisível.

 

O artigo 144 da Constituição Federal dispõe sobre o dever do Estado em relação à segurança pública, no qual se inclui a prevenção e o combate a incêndios pelos corpos de bombeiros militares. Desse modo, considerado serviço essencial, é totalmente descabido das exigências para a configuração do tipo tributário “taxa” – que, como dito, abrange serviço público divisível e específico e poder de polícia – motivo pelo qual deve ser custeado mediante arrecadação de impostos.

 

O Supremo Tribunal Federal (STF), após analisar o RE 643.247, decidiu que os serviços de segurança pública pela utilização potencial do serviço de extinção de incêndios não são específicos e divisíveis, sendo serviços públicos de caráter uti universi (serviços públicos gerais), que somente podem ser custeados por impostos.

 

Na oportunidade, o Ministro Edson Fachin destacou que “o Poder Constituinte equiparou a atribuição de defesa civil, inclusive combate a incêndios e outros sinistros, à categoria jurídica de “segurança pública”, instituindo para tal mister órgão próprio. Nessa seara, a jurisprudência do STF é pacífica no sentido de que é inconstitucional a instituição de taxa para custear serviços prestados por órgãos de Segurança Pública”.

 

De forma bastante elucidativa, o relator Ministro Marco Aurélio destacou a impossibilidade de acomodar a divisibilidade para a cobrança da taxa de incêndio, considerando que não preenche os requisitos legais da espécie, nestes termos: “Em síntese, a manutenção do Corpo de Bombeiros, órgão estadual e não municipal, é feita estritamente ante os impostos, não cabendo a criação de taxa, mesmo porque, conforme ressaltou o Tribunal de origem, ao julgar ação direta de inconstitucionalidade, penso que seria muito difícil assentar-se a divisibilidade inerente à taxa, a essa espécie de tributo”.

 

O Ministro Relator deixou bem claro que: “não reconheço ao Estado a possibilidade de criar taxa visando esse serviço”. Após encerrar os debates, foi fixada a tese, por unanimidade, com repercussão geral, sob o Tema 16: A segurança pública, presentes a prevenção e o combate a incêndios, faz-se, no campo da atividade precípua, pela unidade da federação, e, porque serviço essencial, tem como a viabilizá-la a arrecadação de impostos, não cabendo ao município a criação de taxa para tal fim.  

 

A decisão do STF refere-se a taxa instituída por um Município, mas o mesmo entendimento se aplica às taxas instituídas pelos Estados. É uma decisão que, por ter repercussão geral, vincula o Poder Judiciário, de modo que o entendimento firmado deverá ser aplicado no julgamento de ações individuais e também de ações diretas de inconstitucionalidade (ADI), para derrubar as leis estaduais, como ocorreu com a lei do Estado de Minas Gerais, quando do julgamento da ADI 4411, em agosto de 2020.

 

Em resumo, verificamos que o embasamento para firmar esse entendimento diz respeito ao artigo 144 da Constituição Federal, já comentado, que dispõe ser a segurança pública o dever do Estado e, assim sendo, o custeio desse serviço essencial deve ocorrer mediante cobrança de impostos, e não de taxas, que carregam os requisitos de serviço público divisível e específico e poder de polícia. Não há, portanto, como admitir a cobrança da Taxa de Extinção de Incêndio instituída pelo Estado da Bahia. Busque os meios legais para não pagá-la! E, se pagou, corra atrás da restituição. 

 

*Anna Tereza Landgraf é advogada e professora, especialista em Direito Tributário, MBA em Planejamento Tributário e em Gestão e Administração de Negócios e Membro da Associação Brasileira de Direito Tributário – ABRADT.