No JusPod, especialistas criticam subutilização da fiança na Bahia e apontam falhas que penalizam pessoas vulneráveis
Em um cenário em que a aplicação de medidas cautelares distintas da prisão é objeto de constante debate no sistema de justiça, especialistas apontam para o uso restrito e as contradições do instituto da fiança no estado da Bahia. Em entrevista ao podcast JusPod, do Bahia Notícias, o advogado criminalista Gabriel Andrade e o defensor público Mauricio Saporito discutiram as limitações e o potencial subutilizado desse mecanismo legal.
"Assim, e na minha visão, na minha experiência, aqui na Bahia, se aplica pouco o instituto da fiança, que eu acho que seria uma cautelar muito adequada a determinadas criminalidades", afirmou Gabriel Andrade. O criminalista defendeu um maior rigor do Judiciário na análise das hipóteses de cabimento. "Porque também não vai ser substitutiva da liberdade. Não é isso. Se a hipótese é de liberdade plena, de responder ao processo em liberdade, não se aplica uma cautelar para se dar uma resposta. Mas se é preciso acautelar a situação, por que não aplicar também uma fiança? Isso aplica pouco aqui".
Na mesma linha, o defensor público Mauricio Saporito relatou a realidade enfrentada pela maioria da clientela da Defensoria. "A gente tem muito caso de fiança realmente, porque não consegue pagar. E o interessante é que aí você se usa muito a fiança e a pessoa não consegue pagar e você fica 5, 6 dias com uma fiança aplicada, afiançado ali, não consegue pagar... o tribunal geralmente só autua, o próprio juiz, a pessoa vai ficar 5 dias presa, é porque é só financeiro mesmo, porque se ela tiver dinheiro ela vai pagar". Saporito também apontou problemas na restituição dos valores. "Esse dinheiro acaba não conseguindo recuperar, e manda para tesouro, para conta única, o juiz não consegue levantar... fiança também não é um instituto muito fácil com a gente da defensoria. Mas eu concordo, Gabriel, se usa pouco".
Ambos os especialistas criticaram a natureza, por vezes, meramente simbólica de outras medidas cautelares, que transferem ônus excessivos ao cidadão sem uma contrapartida efetiva do Estado. "Como a cautelar acaba sendo simbólica? O que que você faz? Você não faz nada, o Estado não se preocupa com absolutamente nada do seu cidadão. Aí o cidadão comete seu erro, o que você faz? Olha, eu vou aplicar uma cautelar para ele entender... É sempre a realização simbólica, o Estado não faz nada para pessoa. Aí ele cria um modelo jurídico de que a pessoa acaba tendo muitas obrigações com o Estado", analisou Saporito.
O defensor público falou um pouco sobre as desigualdades do sistema. "Uma pessoa em situação de rua, presa na mesma circunstância de uma pessoa que não está em situação de rua, ela fica presa por ser uma pessoa que mora na rua. Ela não tem onde achar, então vou deixar preso, não é assim que funciona". Ele concluiu, resignado: "É, são as mazelas do sistema". A fala sintetiza um dilema: a fiança, apesar de seus problemas operacionais e de acesso, permanece como uma alternativa subutilizada em um cenário onde a busca por medidas proporcionais e não prisionais ainda é um desafio.
Veja entrevista na íntegra:
APRESENTADORES
Liderado por Karina Calixto, o JusPod - podcast jurídico do Bahia Notícias - vai ao ar quizenalmente, sempre às 19h, às quintas-feiras. Todos os episódios estão disponíveis no canal do Youtube do Bahia Notícias.
Apresentadora do JusPod - Podcast Jurídico do Bahia Notícias - desde a sua criação, em 2023, Karina Calixto é advogada. Mestranda em Direito pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa - IDP, é Especialista em Ciências Criminais pela Faculdade Baiana de Direito; Professora da Fundação Visconde de Cairú (BA); Conselheira Seccional da OAB-BA; e Presidente da Comissão de Estágio e Exame de Ordem da OAB-BA.
Já o co-host, Thiago Freire, é advogado, com pós-graduação em Ciências Criminais pela Faculdade Baiana de Direito; mestrando em Direito pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP); e procurador da Associação dos Advogados Criminalistas da Bahia (AACB).
