Bets e o aumento da vulnerabilidade socioeconômica no Brasil
As apostas online, legalizadas em território brasileiro pela Lei 13.756/2018, têm sido alvo de inúmeros debates e questionamentos no âmbito jurídico, sobretudo em decorrência dos riscos financeiros e sociais que representam à população. Todavia, após o Banco Central ter divulgado, na última segunda-feira (23), que R$3 Bilhões foram gastos pelos beneficiários do Bolsa Família nesse ramo de atividade apenas no mês de agosto de 2024, a necessidade de revisões na regulamentação das “bets” obteve ainda mais destaque no noticiário nacional.
Diante da relevância do tema, o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, convocou uma audiência pública, inicialmente marcada para o dia 11 de novembro, na qual se reunirão especialistas e cidadãos para discutir a Lei das Bets (Lei 14.790/2023), comando legal que, apesar de refletir um avanço na regulamentação legal das apostas online, ainda é considerada como insuficiente para conter o crescimento exponencial do mercado no Brasil e os perigos que ele representa para as camadas mais vulneráveis da população.
De acordo com Luiz Fux, o “objetivo não é colher interpretações e teses jurídicas, mas esclarecer questões associadas à saúde mental, aos impactos neurológicos das apostas sobre o comportamento humano, aos efeitos econômicos da prática para o comércio e a seus efeitos na economia doméstica, além das consequências sociais desse novo marco regulatório”. Dessa forma, não obstante os evidentes riscos financeiros que as bets representam, as ameaças voltadas ao estado psíquico e social dos apostadores devem ser igualmente enfrentadas, uma vez que diversas pessoas têm desenvolvido comportamentos compulsivos e de grande dependência desse mercado de apostas.
A convocação da audiência pública decorre da Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (ADI 7721 ), a qual requer a declaração de inconstitucionalidade da Lei 14.790/2023, sob a justificativa de que a legislação “tem causado impactos significativos nas esferas econômica, social e de saúde pública, afetando, de forma mais acentuada, as classes sociais mais vulneráveis”, conforme destacado na decisão do Ministro Luiz Fux.
A convocação de uma audiência pública no STF, órgão máximo do Judiciário brasileiro, é um fortíssimo indicador da relevância social e jurídica que o tema em comento possui, uma vez que a relação entre o crescimento das bets e a vulnerabilidade socioeconômica no país tem sido diretamente proporcional, o que reforça a necessidade de um enfrentamento legal mais efetivo sobre esse segmento. Cumpre registrar que, consoante Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, mais de 8,9 milhões de pessoas pertencentes ao Bolsa Família já tiveram gastos com as apostas online.
Na mesma semana em que a análise técnica do Banco Central foi divulgada, o senador Alessandro Vieira (PSDB-SE) e o deputado federal Mendonça Filho (União Brasil-PE) propuseram, com as devidas particularidades, projetos destinados a limitarem os meios de publicidade das bets e a participação dos inscritos no programa CadÚnico em apostas de quotas fixas. Para além desses projetos mencionados, diversos outros estão em fase de desenvolvimento e, naturalmente, a tendência é que a legislação da atividade se torne mais rígida.
Há de se ressaltar que o Poder Público tem adotado medidas que possibilitam uma fiscalização maior das empresas que atuam no ramo das apostas. Por meio do Decreto 11.907, publicado em 31.01.2024, foi criada a Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA) no Ministério da Fazenda, responsável por monitorar o cumprimento dos termos da Lei 14.790/2023 e, ainda no órgão em treferência, foi desenvolvido o Sistema de Gestão de Apostas (SIGAP), no qual se realiza “o processo de solicitação de autorização para exploração das apostas de quota fixa”.
Além disso, a Secretaria de Prêmios e Apostas, mediante publicação da Portaria 1207/2024, apontou os requisitos que as empresas de apostas devem atender para obter a certificação que possibilite a sua operabilidade em território brasileiro. De acordo com Fernando Haddad, Ministro da Fazenda, as bets credenciadas “...poderão permanecer em operação se estiverem atendendo à regulamentação da Secretaria. Se elas não atenderem ou se não pagarem a outorga, também sairão do ar”. Trata-se de uma medida que, inegavelmente, combate eventuais irregularidades praticadas pelas bets.
Resta claro, portanto, que o crescimento avassalador do mercado de apostas no Brasil tem justificado a interferência dos Poderes Executivo e Legislativo que visam, sobretudo, fiscalizar a conduta das empresas que atuam na área e evitar que os impactos socioeconômicos abordados se alastrem. Os dados alarmantes publicados pelo Banco Central, associados aos riscos financeiros, sociais e clínicos que as bets produzem, em especial para as pessoas mais vulneráveis, demonstram a urgência com que o assunto deve ser tratado pelas autoridades públicas.
Isto posto, considerando a ausência de uma legislação eficaz sobre o ramo das apostas online, situação que tem proporcionado seu crescimento em escala exponencial no Brasil, urge a criação de medidas que, diante dos volumosos recursos financeiros direcionados por pessoas vulneráveis (especialmente aquelas beneficiárias de programas sociais, como o Bolsa Família), mitiguem os impactos socioeconômicos aqui destacados.
*Cyntia Possídio é advogada, sócia do Castro Oliveira Advogados, mestre em direito pela UFBA, especialista em Direito Tributário pelo IBET; e
João Maurício Dória é acadêmico de Direito, na Universidade Federal da Bahia (UFBA) e estagiário do Castro Oliveira Advogados
*Os artigos reproduzidos neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do Bahia Notícias