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Atuação da Defensoria lança perspectiva de gênero nos processos de vítimas de feminicídio

Por Firmiane Venâncio

Atuação da Defensoria lança perspectiva de gênero nos processos de vítimas de feminicídio
Foto: Divulgação

O papel da vítima é historicamente controverso e, numa certa medida, pouco vocalizado em processos judiciais, sobretudo aqueles que buscam elucidar a prática de crimes. A vítima é testemunha da violência sofrida? Quem representa os interesses da vítima? O que pode ser dito sobre uma vítima num processo?

 

Essas perguntas interessam e muito quando a discussão gravita em torno da violência mais cotidiana e sistemática que vivenciamos:  aquela cometida contra a mulher. Exatamente por isso, a legislação foi textual em estabelecer que, em todos os atos processuais, a vítima deverá ser assistida juridicamente por advogado privado ou por membro da Defensoria Pública.

 

Essa assistência qualificada integral se impõe, mesmo quando a mulher foi vítima fatal, porque está compreendida na proteção do direito humano à memória (direito a um processo e julgamento livres de estereótipos e preconceitos, e que não deturpem sua memória para justificar a violência sofrida).

 

É histórico no Brasil que mulheres vítimas de violência acabem se tornando também rés do machismo e tenham o seu comportamento, perfil e modo de vestir julgados. Assim é que o processo judicial para apuração de um feminicídio pode e deve ser acompanhado por profissional que promova o respeito à memória da vítima, evitando que sobre seu comportamento recaiam questionamentos sexistas que reforcem o sistema patriarcal.

 

A Defensoria é necessária para reduzir esse machismo que há, inclusive dentro dos processos judiciais. Essa atuação qualificada, embora decorra do artigo 27 da Lei Maria da Penha e encontre-se nas Diretrizes Nacionais para investigação, processo e julgamento com perspectiva de gênero as mortes violentas de mulheres, desde 2016, está em consolidação no Brasil.

 

No último mês de maio, a Defensoria Pública do Estado da Bahia passou a atuar nesses casos de feminicídio em Salvador e Vitória da Conquista, na esteira do que outras Defensorias Públicas pelo Brasil vêm buscando promover. Esse acompanhamento é imprescindível à qualidade do julgamento que se pretenda ser não apenas punitivo, mas preventivo de novas violências, normalmente cometidas nessa espécie de processo.

 

As experiências de processos judiciais com esse tipo de assistência qualificada despontam para um paradigma humanizado, no qual a análise de um caso de feminicídio e seu julgamento com perspectiva de gênero, produz efeitos pedagógicos e culturais além das fronteiras de um processo individual.

 

O ingresso de Defensoras Públicas da Bahia no exercício dessa indispensável função processual lança luzes sobre a necessidade de colocação de outras lentes por parte dos profissionais que atuam no sistema de justiça penal. Lentes para melhor compreender o papel da vítima, seja ela direta (aquela que sofreu a violência) ou indireta (familiares da vítima fatal) e as múltiplas funções constitucionais que a Defensoria Pública abarca, sobretudo na promoção e defesa dos direitos humanos de grupos historicamente vulnerabilizados.

 

*Firmiane Venâncio é defensora pública há 22 anos e ocupa o cargo de subdefensora-geral do Estado da Bahia. Formada em Direito pela Ucsal, é doutoranda e mestra pelo Programa de Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo (UFBA)

 

*Os artigos reproduzidos neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do Bahia Notícias