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O Sonho que virou pesadelo: Contratação do Show do cantor Gusttavo Lima por Teolândia

Por Pedro Cravo Guimarães Freire

O Sonho que virou pesadelo: Contratação do Show do cantor Gusttavo Lima por Teolândia
Foto: Arquivo Pessoal

O fato que tem tomado as atenções de todo o público brasileiro e baiano, principalmente, é a contratação do show do “Embaixador – Gusttavo Lima” para atração principal da XVI Festa da Banana, tradição do Município de Teolândia-BA. A situação chamou a atenção do Ministério Público do Estado da Bahia(MP-BA) que, de pronto, ajuizou Ação Civil Pública n.º 8000490-47.2022.8.05.0276 em face do Município de Teolândia contendo pedido de tutela de urgência para que fosse suspensa a contratação do artista por inexigibilidade de licitação por contrariar os interesses públicos coletivos, além de representar um desequilíbrio econômico-financeiro para o Município.

 

Em primeira Instância, fora concedida a antecipação dos efeitos da Sentença para que a contratação não ocorresse, justamente por representar uma desproporção entre o custo com a atração e a realidade do Município, conforme trecho da decisão abaixo: 


[...] o valor total de dispêndio alegado pelo Município, na ordem de cerca de R$ 1.350.000,00 (um milhão trezentos e cinquenta mil reais) para a realização da Festa da Banana, com contratação de artistas, a ser realizada nos dias 04 a 13 de junho 2022, embora menor do que a sugerida pelo Ministério Público, é absurdamente incompatível com a
realidade orçamentária e financeira de um Município pobre do interior do Estado da Bahia e completamente dependente de transferências intergovernamentais, sem qualquer capacidade de gerar, como alegado (e não provado), R$ 30.000.000,00 em renda da denominada Festa da Banana
[...] (grifos nossos)

 

Não contente com a suspensão da contratação, o Município ingressou com Agravo de Instrumento para alegar que os Munícipes estariam sendo prejudicados com a decisão, conforme trecho abaixo transcrito:

 

[...] Não se mostra razoável, portanto, que após despendidas verbas com toda publicidade sobre a, organização, contratação, não só dos artistas, mas, também, da mão-de-obra local, se determine a suspensão total do evento, provocando o cancelamento de diversos contratos, sobre o que incidirão multas, gerando mais despesas ao Erário.Ademais, não se pode olvidar, que não se trata apenas do cancelamento de show de "grandes" artistas na véspera do evento, mas, da expectativa da população local, em especial dos comerciantes, autônomos, e diversos ambulantes que, presumidamente, investiram recursos próprios na compra de insumos para receber turistas, abastecendo hotéis, lanchonetes, aguardando assim o retorno financeiro para quitar seus compromissos, assumidos com as despesas[...]

 

Ressalta-se que o mesmo Município de Teolândia-BA possui em vigência o Decreto n.º 148 de 26 de dezembro de 2021, por período de cento e oitenta dias, declarando que o Município encontra-se em Situação de Emergência por conta das chuvas que ocorreram no início do ano de 2022. Pelo conceito da Constituição Federal, situação de Emergência é declarada quando o ente vivencia uma realidade anormal à exemplo de um desastre natural, e excede a capacidade de resposta do Município, implicando na necessidade de auxílio direto e imediato, e outros entes para que se proceda à recuperação da infraestrutura dos espaços públicos, e se assegure que a população tenha meios para o retorno de seus afazeres cotidianos.

 

Necessário se faz a ressalva no que tange à questão de captação própria de recursos pelo Município de Teolândia-BA, nos temos constantes no portal do TCM-BA para o ano de 2021 informados pelo próprio Gestor, a Receita Própria do Município é no total de 3.399.509,83(três milhões trezentos e noventa e nove mil, quinhentos e nove reais e oitenta e três centavos; fonte: https://www.tcm.ba.gov.br/municipio-post/teolandia/), possui gastos com saúde e educação em montantes que ultrapassam vinte e cinco milhões de reais, o que demonstra a dependência direta do mesmo para que haja uma sobrevida e atinja o equilíbrio econômico financeiro desejável.

 

Inconcebível, para que não se diga tratar-se de um descaso público com a aceitação da defensiva e aceitação da contratação pelo Município em sede de Agravo de Instrumento no TJBA, sendo que o mesmo encontra-se em estado de Emergência, e ainda recebe doações e repasses dos demais entes públicos diretos para a mantença dos serviços públicos essenciais sem a perda da qualidade, que o Gestor preocupe-se com a contratação de um show que implicará em mais da metade da receita própria do Município, equivalente a quase seis meses de arrecadação, como bem pontua o Ministro do STJ, Humberto Martins, in verbis:

 

[...] Neste ponto, reside, no caso específico dos autos, a constatação de que há lesão à ordem pública e à econômica administrativas, a recomendar a concessão da suspensão pretendida. Cuida-se de gasto deveras alto para um município pequeno, com baixa receita, no qual, como apontado pelo ministério público da Bahia, o valor despendido com a organização do evento chega a equivaler a meses de serviços públicos essenciais [...]

 

O custo do evento, supera o equivalente a seis meses do ano de arrecadação do Município de apenas vinte mil habitantes, e foi alvo de impugnação pelo MP-BA e argumento exordial, veja-se:

 

O custo do evento, na forma como sonhado pela prefeita do Município, representa verdadeiro pesadelo para a população, equiparando-se o “investimento” nesse único evento ao equivalente a 06 (seis) meses e meio de investimentos em saúde no ano de 2021, somados os meses de janeiro, fevereiro, abril, maio, junho e outubro, adentrando ainda em um sétimo mês, conforme se extrai do sítio do Tribunal de Contas do Municípios da Bahia (TCM/BA)

 

Ademais, como já mencionado acima, o Município encontra-se em estado de emergência decretado, e com legislação vigente, d’onde as prioridades deveriam ser voltadas à cobertura dos danos causados pela chuva na cidade de Teolândia, e não para promover a velha política do Pão e circo, deixando de prover os serviços essenciais que já são deficitários em todos os Municípios do Brasil, como já evidenciado em estudo recente publicado na página do Tribunal de Contas da União. 

 

Em termos finais, considera-se a prática de crime de responsabilidade, os temos do Decreto Lei n.º 201 de 27 de Fevereiro de 1967, por meio do art. 1º, incisos II e III, que dizem:

 

Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores

 

Il - utilizar-se, indevidamente, em proveito próprio ou alheio, de bens, rendas ou serviços públicos;

 

Ill - desviar, ou aplicar indevidamente, rendas ou verbas públicas;

 

E logo à diante é tido como ato que poderá ser avo de cassação do Mandato do Gestor, sujeito à apreciação da Câmara de Vereadores, os seguintes atos, nos termos do art. 4º do Decreto Lei n.º 201 de 27 de Fevereiro de 1967, vejamos:

 

Art. 4º São infrações político-administrativas dos Prefeitos Municipais sujeitas ao julgamento pela Câmara dos Vereadores e sancionadas com a cassação do mandato:

 

VIII - Omitir-se ou negligenciar na defesa de bens, rendas, direitos ou interesses do Município sujeito à administração da Prefeitura;

 

Em conclusão, portanto, a contratação da atração “Gusttavo Lima” para a realização da “Festa da Banana” em Teolândia-BA é flagrantemente irregular, haja vista toda a fundamentação apresentada acima, com agravante de atendimento de anseios pessoais com a utilização de verbas públicas. 

 

*Pedro Cravo Guimarães Freire é advogado, Membro da Comissão de Direito Tributário da OAB/BA.