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Incentivos fiscais e biocombustíveis na Aviação Civil

Por Ingrid Radel

Incentivos fiscais e biocombustíveis na Aviação Civil
Foto: Arquivo Pessoal

No último dia 26 de novembro, foi publicada a Lei n. 9.321-A de 2017, que estabelece o Programa Nacional do Bioquerosene para o incentivo à pesquisa e o fomento da produção de energia à base de biomassas, visando à sustentabilidade da aviação brasileira. A norma tem como maior objetivo o desenvolvimento de tecnologia limpa na produção de biocombustíveis. O Programa Nacional do Bioquerosene abrangerá o desenvolvimento de tecnologia para mistura, em proporções adequadas, do bioquerosene com o querosene de aviação de origem fóssil, bem como o desenvolvimento de tecnologia que garanta a substituição total do querosene de aviação de origem fóssil. São requisitos para a inserção nos benefícios do Programa Nacional do Bioquerosene: I – a compatibilidade do bioquerosene com as tecnologias de propulsão atuais, de modo a não ser necessário alterar motores, aeronaves e infraestrutura de distribuição existentes; II – o não comprometimento da segurança no sistema de aviação.



Segundo o Ministério de Minas e Energia (MME), o Programa Nacional do Bioquerosene se insere no contexto do Programa Combustível do Futuro, criado pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) para impulsionar o uso de combustíveis sustentáveis na matriz energética nacional. O programa se insere no rol de iniciativas tomadas pelo governo brasileiro na estratégia nacional para neutralidade climática, lançada pelo Brasil na Conferência do Clima das Nações Unidas, a COP-26, realizada em Glasgow, no início de novembro.



De acordo com o art. 3º da Lei n. 9.321-A de 2017, “a pesquisa, a produção, a comercialização e o uso energético do bioquerosene produzido a partir do emprego de biomassas devem ser fomentados mediante: I – a destinação de recursos de agências e bancos de fomento federais, em condições especiais, para projetos nessa área; II – incentivos fiscais concedidos pelo Governo Federal”, ainda não especificados. Assim, cumpre-nos abordar a função da extrafiscalidade e dos incentivos fiscais a serem concedidos pelo Governo Federal para fomentar a pesquisa, produção, comercialização e o uso energético de biocombustíveis.



Antes, contudo, faz-se necessário distinguir os dois grandes grupos de soluções tributárias para proteger o meio ambiente: i) imposição de tributos com finalidades ambientais e, ii) criação de incentivos à produção sustentável. A imposição de tributos com finalidades ambientais se constitui em soluções que estabelecem um padrão de conduta e a exigência da internalização do custo das externalidades, tornando uma atividade mais cara do que outra. A exemplo, podemos citar a seletividade do IPI ou ICMS incidente sobre garrafas PET e garrafas de vidro. Por outro lado, a criação de incentivos à produção sustentável se caracteriza como sendo um tipo de solução positiva, que pretende induzir a tomada de decisões ecologicamente sustentáveis pela indicação de benefícios. Dessa forma, a utilização de incentivos à indústria ecológica ou seus produtos pode ser um mecanismo de proteção ao meio ambiente e, neste contexto, se insere o Programa Nacional do Bioquerosene.



Em âmbito nacional, a primeira iniciativa dessa natureza foi o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (PROINFA), instituído pela Lei n. 10.438, de 26 de abril de 2002, e revisado pela Lei n. 10.762, de 11 de novembro de 2003. O objetivo desse programa é aumentar a participação da energia elétrica produzida por empreendimentos concebidos com base em fontes eólica, biomassa e pequenas centrais hidrelétricas (PCH) no Sistema Elétrico Interligado Nacional (SIN).



Existem ainda outras bases legais para incentivos fiscais que fomentam o uso de biocombustíveis já em vigência e alguns projetos de lei em discussão:



1) PADIS – Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores foi instituído pela Lei n° 11.484, de 2017. O texto prevê um conjunto de incentivos fiscais para atrair investimentos nas áreas de produção de energia solar com benefícios diretos a vários insumos utilizados na produção de painéis fotovoltaicos, nos termos da lei. As empresas que aderem ao programa devem realizar investimentos anuais em atividades de pesquisas e desenvolvimento e poderão ter reduções a zero das alíquotas do PIS, COFINS, Imposto de Importação – II, Imposto sobre produtos Industrializados – IPI e PIS/COFINS – Importação para equipamentos e insumos elencados na Lei, para produção dos painéis fotovoltaicos.



2) REIDI - Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura foi instituído pela Lei n° 11.488, de 2017, beneficiando a pessoa jurídica que tenha projeto aprovado para implantação de infraestrutura nos setores de energia, entre outros, nos termos da Lei. A Lei 11.488/2017 prevê a isenção dos tributos PIS e COFINS sobre a venda ou a importação de equipamentos, máquinas e instrumentos novos e de aquisição de serviços e materiais de construção utilizados nas obras de infraestrutura.



3) REPES – Regime Especial de Tributação para a Plataforma de Exportação de Serviços de Tecnologia da Informação , criado pela Lei n° 11.196, de 2005 para estimular a inovação tecnológica no país. Também conhecida como a “Lei do Bem”, a Lei 11.196/2005 prevê incentivos para as empresas de Inovação Tecnológica, como dedução da base de cálculo do IRPJ e da CSLL dos dispêndios com pesquisa e desenvolvimento; e ainda 50% de redução do IPI na aquisição de máquinas e equipamentos destinados à pesquisa e desenvolvimento, nos termos da Lei.



4) Suspensão do PIS/COFINS sobre aquisições de máquinas, equipamentos e serviços destinados ao ativo imobilizado de projetos de infraestrutura no setor de energia.



5) Redução de 75% do IRPJ das empresas e sobretaxas não reembolsáveis devidas sobre o lucro operacional (lucro de exploração), por um período máximo de dez anos. Válido para projetos de implementação, expansão, diversificação e melhoria apresentados e aprovados pelas Agências regionais Sudene (Nordeste) e Sudam (Região Amazônica), de 24 de agosto de 2000 a 31 de dezembro de 2023, e referentes aos segmentos econômicos considerados prioritários para o desenvolvimento dessas regiões, incluindo o de energia.

 

Convênios para isenção de ICMS (imposto estadual)



Com o objetivo de incentivar o uso de energias renováveis, alguns estados brasileiros celebraram convênios para isenção de ICMS nas operações com equipamentos e componentes para geração das energias solar e eólica.



- Diferimento do ICMS na comercialização nacional de óleo e gordura (vegetal ou animal) destinado a produtores de biocombustíveis no Estado do Rio Grande do Sul.



- Energia de biomassa no Estado de São Paulo: 1.Suspensão do ICMS na importação de mercadorias destinadas à incorporação de ativo imobilizado sem similar no país, com o propósito de gerar energia térmica a partir da biomassa resultante da industrialização e de resíduos da cana-de açúcar.2. Aproveitamento integral e imediato dos créditos de ICMS relativos à aquisição direta de bens de fabricantes localizados no estado de São Paulo, destinados à incorporação de ativo imobilizado para geração de energia térmica resultante da industrialização e de resíduos da cana-de-açúcar.



- Energia de biomassa no Estado de São Paulo: Diferimento do ICMS nas operações de saída de determinadas mercadorias destinadas a usinas termelétricas.



- Energia de biocombustíveis no Estado de São Paulo: Redução da base de cálculo do ICMS nas operações interestaduais de biogás e biometano, de forma que a carga tributária corresponda a uma alíquota efetiva reduzida de 12%



Projetos de lei em tramitação no Congresso:



- PL 5118/2020: Isenta, de impostos, taxas ou qualquer outro tributo, todos os componentes utilizados na fabricação e energia renovável;

- PL 5119/2020: Isenta de qualquer imposto Federal, Estadual e Municipal, o consumo de energia renovável;

- PL 327/2021: Dispõe sobre a Política Nacional da Transição Energética – PONTE. Em outras palavras, prevê a criação de uma política nacional, um marco legal para regular a transição energética no Brasil;

- PL 560/2021: Estabelece limite para cobertura tarifária de perdas não técnicas na distribuição de energia elétrica; altera as Leis nº 9.427, de 26 de dezembro de 1996, nº 10.438, de 26 de abril de 2002, e nº 5.655, de 20 de maio de 1971, para obtenção de modicidade tarifária; e dá outras providências;

- PL 1707/2021: Dispõe sobre a obrigatoriedade de empresas e construtoras a implantarem sistema de captação de energia solar em todas as construções a serem realizadas em território nacional, sejam elas públicas ou privadas, e dá outras providências;

- PL 1894/2021: Permite a venda do excedente de energia elétrica proveniente de microgeração e minigeração distribuída.

 

O custo do querosene da aviação no país representa cerca de 40% dos custos das empresas aéreas, enquanto que no resto do mundo, a média não passa de 30%. No Brasil, a acentuada desvalorização do real a partir de 2011, em especial em 2015, quase anulou os ganhos decorrentes da queda do valor do petróleo no mercado internacional. Ao mesmo tempo, os demais custos vinculados ao dólar (manutenção, arrendamentos, depreciação de itens aeronáuticos, entre outros) provocaram um aumento substancial dos gastos operacionais. Isso levou a uma significativa alteração da participação relativa de cada custo. Ademais, a alíquota do ICMS sobre o querosene de aviação usada em voos domésticos é, em média, pouco abaixo de 20%. A esse pesado tributo deve ser adicionado o PIS e a COFINS, que, juntos, oneram em mais de 7% o preço de refinaria do combustível. Assim, em média, o efeito conjunto desses impostos encarece o combustível dos voos domésticos em 22%, dependendo da unidade da federação em que o abastecimento ocorre.



As elevadas margens praticadas na cadeia de comercialização e os tributos mencionados fazem com que esse insumo seja entre 35% e 50% mais caro do que nos mercados desenvolvidos. Tal distorção penaliza as companhias nacionais e prejudica os consumidores.



Por outro lado, o Brasil conta com grande experiência no setor de biocombustíveis, especialmente com o etanol e o biodiesel. As características climáticas e territoriais favoráveis tornam o desenvolvimento dessa cadeia produtiva um importante pilar socioeconômico para o país. No setor de transportes, a necessidade de ganhos de eficiência conjuga-se com os objetivos de segurança energética e de redução das emissões, gerando incentivos substanciais à substituição de fontes de energia.



Nesse cenário, a extrafiscalidade opera como um poderoso instrumento econômico, que colabora para o desenvolvimento sustentável, viabiliza o investimento no mercado de biocombustíveis e consequentemente atende aos preceitos constitucionais relacionados ao meio ambiente.



É dever do Poder Público fomentar um meio ambiente ecologicamente equilibrado e promover o desenvolvimento econômico, numa agenda intersistêmica. Nesse sentido, através da implementação do aprovado Programa Nacional do Bioquerosene, o Governo Federal deverá instituir novos incentivos fiscais para fomentar especificamente a pesquisa, a produção, a comercialização e o uso energético do bioquerosene produzido a partir do emprego de biomassas, o que beneficiará sobremaneira o setor da aviação civil brasileira, reduzindo o custo de suas operações e contribuindo para a preservação ambiental. Enfim, ainda há alguma luz no fim do túnel.