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Alta carga tributária é entrave à aquisição de alimentos no Brasil

Por Ingrid Radel

Alta carga tributária é entrave à aquisição de alimentos no Brasil
Foto: Divulgação
Vivemos em um país de farta riqueza climática e geográfica, onde “em se plantando, tudo dá”. Indaga-se, entretanto, porque a fome é um problema comum para tantos brasileiros? A resposta é que o acesso à alimentação depende de renda, que se afigura desigual no Brasil.

O direito à alimentação é mais que um direito humano, é um valor universal em consonância com princípios e garantias fundamentais como o Direito à Vida, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, o Direito ao Mínimo Existencial e o Princípio do Desenvolvimento Sustentável que prevê que o crescimento econômico do país não deve comprometer a utilização de recursos naturais, em prol da sustentabilidade. Neste ponto, cumpre frisar que os países com maior índice de desenvolvimento social são aqueles que são autossustentáveis, conseguem prover as necessidades básicas de seus cidadãos através de meios de produção próprios e possibilitar que estes adquiram bens de consumo básicos.

O Direito à Alimentação, portanto, é um direito fundamental relacionado à dignidade da pessoa humana. Para que haja uma existência digna, não basta haver alimento, é preciso provê-lo, transportá-lo e disponibilizá-lo em quantidade e qualidade suficientes à nutrição da população, o que, todavia, não se constata.

No Direito Brasileiro, a Lei Orgânica da Segurança Alimentar e Nutricional (LOSAN), lei 11.346/2006, e a EC 64/2010 são alicerces para a abertura democrática para a formação e aplicação deste direito. Esta Emenda, especificamente, inseriu o direito à alimentação no rol dos direitos sociais, previsto na Constituição Federal.

Contudo, embora consagrado como direito social fundamental, a eficácia do direito à alimentação esbarra no entrave da elevada tributação incidente sobre os alimentos. No Brasil, sobre o setor alimentício incidem pelo menos quatro tributos: IPI, ICMS, PIS e COFINS e ainda o II se o produto for importado.

O IPI, de competência da União, é um imposto indireto que incide sobre operações jurídicas praticadas com produtos industrializados. Nos termos da Constituição, ele deve ter por hipótese de incidência o fato de alguém industrializar produto e leva-lo para além do estabelecimento produtor, por força da celebração de um negócio jurídico translativo de sua posse ou propriedade. Segundo o parágrafo único do artigo 46 do CTN, “Para os efeitos desse imposto, considera-se industrializado o produto que tenha sido submetido a qualquer operação que lhe modifique a natureza ou a finalidade, ou aperfeiçoe para o consumo”.
 
Por sua vez, o ICMS, de competência dos Estados e do DF, é também um imposto indireto, em que o ônus é suportado pelo consumidor final. O valor do imposto é embutido no preço da mercadoria e do serviço, assim, o contribuinte transfere o encargo a outro contribuinte ou adquirente da mercadoria ou serviço.

Insta frisar que o IPI deverá ser seletivo, entretanto, a norma constitucional prevê uma faculdade para o caso do ICMS, o que, infelizmente, desobriga os Estados a aplicarem o princípio da seletividade, em função da essencialidade do produto. Porém, em razão da seletividade, as mercadorias de primeira necessidade devem, necessariamente, ser menos oneradas que as supérfluas, sob pena do contribuinte não conseguir sequer ter acesso a produtos básicos, o que revela a necessidade de reforma da Constituição neste ponto.

Outro princípio violado em questão é o da capacidade contributiva (art. 45 §1º CF) que estabelece que “sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte” e que está relacionado à preservação do mínimo vital e ao Princípio da Isonomia. Constata-se, então, que a inobservância a tais princípios acarreta numa tributação sobre alimentos injusta e anti isonômica.

Quanto ao PIS e COFINS, de competência da União, estes são contribuições sociais que visam a financiar a seguro desemprego do trabalhador e a seguridade social que englobam a saúde, assistência social e previdência social no Brasil e também incidem sobre produtos alimentícios.

Para o presidente executivo do IBPT – Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação, João Eloi Olenike, nosso sistema tributário é realmente injusto, com alíquotas iguais para todos os contribuintes, o que faz com que os mais carentes sofram mais com a carga de tributos dos produtos.

E isso pode ser facilmente identificado quando nos deparamos com a cesta básica, que segundo dados do DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, custa, em média, R$443,56, sendo que, 23% desse valor é imposto.

“São R$102 por mês pagos em tributos sobre itens essenciais, pois compõem a cesta básica, e penalizam aqueles que, muitas vezes, só têm a cesta para sua subsistência”, diz Olenike.
Temos, portanto, no Brasil, uma carga tributária altíssima sobre os alimentos, o que demanda urgente redução de alíquotas incidentes sobre estes produtos. O brasileiro somente terá satisfatório acesso à alimentação quando os princípios da seletividade e da capacidade contributiva, com ideal aplicação de benefícios fiscais, forem de fato respeitados e aplicados, o que, todavia, requer uma real reforma tributária em que se assegure justiça fiscal e justiça social.
 
*Ingrid Radel é advogada tributarista, especialista pelo IBET, mestre pela Universidade de Coimbra-Portugal e professora da graduação na Uniruy e da pós graduação na Unifacs
 
*Os artigos reproduzidos neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do Bahia Notícias