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Impressões sobre a PEC 293/04 – Reforma Tributária

Por Max Cardoso Campos

Impressões sobre a PEC 293/04 – Reforma Tributária
Foto: Divulgação

A caminho para votação no Congresso Federal, a PEC 293/04 de autoria do Deputado Federal Luiz Carlos Hauly, que trata da alteração do Sistema Tributário Nacional, disposto na Constituição de 1988, nos artigos 145 ao 162, traz consigo mudanças significativas ao olhar do Direito Tributário e Constitucional.


Inicialmente, cumpre salientar a necessidade de refletir acerca de um novo Sistema Tributário Nacional que disponha de menor complexidade e maior segurança jurídica, sem o prejuízo da efetiva justiça fiscal. 


Tal complexidade se demonstra na vasta legislação tributária e na edição quase que diária de normas, regulamentos, atos normativos, decretos e instruções que os entes federativos disparam no ordenamento jurídico tributário acerca dos diversos tributos existentes no país.


A segurança jurídica, princípio que revela garantia e proteção, garante ao contribuinte conhecer previamente, de modo a não se surpreender, a conduta do ente administrador nas relações jurídicas obrigacionais tributaria, tendo como pilar outros princípios como legalidade, anterioridade e irretroatividade. Nas palavras do professor Leandro Paulsen “Segurança Jurídica é a qualidade daquilo que está livre de perigo, livre de risco, protegido, acautelado, garantido, do que se pode ter certeza ou, ainda, daquilo que se pode ter confiança, convicção” (Direito Tributário – Constituição e Código Tributário à luz da Doutrina e da Jurisprudência, 13ª ed., 2011, Livraria do Advogado, p. 914/915)".


Em relação à justiça fiscal, percebe-se que o cenário nacional não fornece um ambiente razoável para o desenvolvimento desta, vez que a maior parte da carga tributária recai sobre a cadeia de produção que procede seus pagamentos através da substituição tributária, o que é bom para o Fisco, que corrói a economia por meio de suas inexauríveis formas de cobrança.


Hodiernamente, observa-se a incidência demasiada da carga tributária sobre os contribuintes, fato esse que dificulta a competitividade de mercado, inibe investimentos nacional e internacional e inviabiliza o crescimento econômico, bem como torna complexa a relação obrigacional tributária entre os sujeitos, põe em risco a segurança jurídica e não realiza justiça fiscal. 
Passando à observação proposta nesse artigo, pode-se afirmar que o objeto da PEC é a criação de dois novos tributos, o IBS – Imposto Sobre Bens e Serviços, e o IS – Imposto Seletivo. 


Observa-se que o IBS, de competência dos Estados e do Distrito Federal, agrega o ICMS, o IPI, o PIS, a Cofins e o ISS. Vale ressaltar que o IBS, inspirado no IVA europeu, terá sua regulamentação por Lei Federal, cabendo aos Estados e ao DF a sua arrecadação e fiscalização. Assim como o ICMS, o IBS também terá a característica de imposto não cumulativo, respeitando os artigos 155, § 2º, I, da Constituição Federal e 19 da Lei Complementar 87/96, podendo o contribuinte se creditar a cada operação realizada. Importa destacar que tal imposto poderá ser seletivo de acordo com a essencialidade do produto ou serviço, podendo ter a sua alíquota minorada nos casos de alimentos e medicamentos.


Percebe-se que a hipótese de incidência do IBS será consideravelmente extensa, devendo envolver as atividades econômicas, novas e tradicionais, sobre bens, serviços e mercadorias ainda não alcançados pela legislação vigente.


Diferentemente do que ocorre nos Estados Unidos, em relação ao Sales Tax, que tem a sua incidência aplicada de forma monofásica nas vendas ao consumidor final, o IBS continuará recaindo na cadeia produtiva sob a forma plurifásica, assim como o ICMS, fato esse que não descomplica a programação de pagamentos de tributo do empresário brasileiro. 


Outra característica a ser destacada é a eventual perda dos benefícios concedidos pelos Estados aos contribuintes em razão da unificação nacional da legislação do tributo, bem como findaria o compartilhamento do imposto entre estados, como ocorre com o ICMS, devendo o tributo ser recolhido no Estado de destino da operação.


Surge ainda a figura do Super Fisco que compreende a junção de todos os Fiscos Estaduais, órgão que será gerido pela figura do Secretário Nacional, auxiliado por superintendentes distribuídos nos Estados da Federação, no intuito de fiscalizar e arrecadar os valores a título de IBS. 


Em relação ao IS, Imposto Seletivo, de competência da União, esse agregará os seguintes tributos: Impostos de Importação e Exportação (II e IE) e as contribuições regulatórias (CIDE), que asseguram o caráter parafiscal expresso no artigo 149 da Constituição Federal. Pode-se afirmar que a seletividade, presente no nome do referido imposto, tem intuito real de desestimular o consumo de produtos e serviços como bebidas alcoólicas e tabaco, energia elétrica e serviços de telecomunicações, etc, em razão de sua alíquota variável, a depender da essencialidade do produto e serviço, podendo ser majorada em virtude de se tratar de bem supérfluo, conforme a legislação disciplina. 


O IS proposto na referida PEC terá caráter monofásico e sua arrecadação será centralizada e fiscalizada pelos Estados e pelo DF. Entretanto, mister observar, que a aludida PEC deixa margem para uma possível bitributação em relação ao IS (União) e ao IBS (Estados) sobre o mesmo fato gerador.


A Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido – CSLL incorporará o Imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza – IR. Já o IOF, imposto de caráter extrafiscal, será extinto em razão de o legislador entender que em termos práticos ele tem característica predominantemente fiscal, não havendo motivo para que ele fosse alcançado pela reforma tributária.
No intuito de reduzir a contribuição previdenciária sobre a folha de pagamento de salários, o legislador vislumbra a possibilidade de trazer a antiga CPMF como mera função arrecadatória para equilibrar a perda econômica na redução da contribuição previdenciária.


Em relação aos Municípios, esses receberão a competência do IPVA e do ITR, no entanto com regulação por lei federal. No tocante ao ITBI e IPTU, ambos continuam existindo e administrados pelos Municípios.


Verifica-se, ainda, dispositivos proibitivos de isenções indiscriminadas em prejuízo do erário municipal.


Tal Proposta de Emenda a Constituição tem características similares daquela elaborada no ano de 1995, pelo então Deputado Federal Mussa Demes, arquivada no ano de 2003. Ambas Propostas justificadas na “Simplificação” do sistema tributário nacional, que consiste, em verdade, na tentativa de reduzir a latente burocracia nas relações obrigacionais tributárias, bem como reduzir a carga tributária e exonerar a massiva tributação das exportações.


Fato é que, muito embora haja real necessidade de estabelecer uma reforma tributária, percebe-se que a PEC 293/04, assim como a PEC 145-A de 1995, ferem o principio federativo, disposto no artigo 1º da Constituição Federal, ao retirar dos demais entes federados a possibilidade de legislar de forma independente no que toca a matéria tributária, portanto, acredita-se na não aprovação da referida proposta também em virtude do que dispõe o artigo 60, §4º da Carta Magna que versa sobre a impossibilidade de deliberação de proposta de emenda que tende a abolir a forma federativa de estado.


Destarte, registre-se aqui a importância de um tributo com as características do IBS (IVA Europeu), entretanto tal sistemática não pode ser admitida num país que adota o sistema federativo de governo. Um sistema tributário que foge a uniformidade, como no caso do ICMS, se torna admissível em razão da garantia constitucional baseada na desconcentração de poder que a forma federada proporciona a uma nação.


Ainda no tocante ao IBS, na ideia de simplificação do ICMS, tendo em vista o já tratado Principio Federativo, viável seria estender as hipóteses de incidência do ICMS, de modo a alcançar a nova economia, e aplicar o tributo na venda ao consumidor final, como ocorre nos Estados Unidos. Dessa forma, acabaria com o caráter plurifásico do tributo e consequentemente com a substituição tributária e as transferências de crédito nas operações interestaduais, alcançando-se o objetivo da simplificação tributária.


A PEC 293/04 propõe mudanças, entretanto, não simplifica a questão. A União permanece com o monopólio de toda fonte exploratória, com enorme receita, porém isso não desafoga a situação precária dos Estados e dos Municípios.


Faz-se necessário um aperfeiçoamento da referida PEC no intuito de se criar um ambiente saudável para o desenvolvimento da justiça fiscal. Na luta para solucionar os problemas da crise em que nos encontramos, pertinente se faz estabelecer um sistema tributário consciente que aplique uma tributação regressiva, sem o prejuízo da arrecadação.


Considerando que o Brasil caminha no sentido contrário dos países com menor desigualdade social, em razão da alta tributação que recai sobre os meios de produção e consumo, bem como da ineficiência do estado em promover a justiça fiscal como meio efetivo para distribuir renda de forma equitativa vislumbrando sanar a desigualdade regional existente no país, percebe-se que os instrumentos fundamentais para operar tal solução, como a discriminação das rendas tributárias, atribuição de competências para legislar sobre a aludida matéria, compreendendo meio eficaz de realizar a integração nacional sem que haja dano à autonomia federativa, ainda se demonstram obscuros na referida PEC, de modo a perceber que ainda temos um caminho longo a percorrer.

 

* Max Cardoso Campos é  um dos sócios do OPVS Advogados, graduado pela UNESA, tem MBA em Business & Management pelo ICM – Dublin e atua na área tributária.

 

* Os artigos reproduzidos neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do Bahia Notícias