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Crise no Tribunal de Justiça da Bahia: Encolhimento constante – onde vai parar?

Por Rodrigo Pitanga

Crise no Tribunal de Justiça da Bahia: Encolhimento constante – onde vai parar?
Foto: Arquivo Pessoal

O Estado Democrático de Direito é formado sobre o alicerce de três Poderes fundamentais. A saúde de cada um desses Poderes é importante para o pleno funcionamento do Brasil, dos estados e municípios, sobretudo no que toca a vida da população.
 

Conceituando de forma bastante sintética, os três poderes são o Executivo, que administra, o Legislativo, que legisla e o Judiciário, que garante a observância das leis. O sistema da tripartição dos Poderes se insere em todas as esferas administrativas, Federal, Estadual, Municipal e no Distrito Federal. 
 

O foco deste artigo é o Poder Judiciário local, que tem jurisdição no Estado da Bahia e seus municípios. Este Poder é crucial na concretização dos preceitos inscritos na Constituição Federal de 1988. Nesse arcabouço constitucional está o direito de ação, que consiste na garantia de que a qualquer cidadão é possibilitada a busca da consecução e proteção de seus direitos na via judicial, de forma imparcial, técnica. Em suma, é a garantia de que todos podem buscar por Justiça.
 

O Primeiro Tribunal das Américas (isso mesmo, é o nosso), que remonta ao período colonial, tem importância acentuada. Além de ser o Poder Judiciário estadual, é símbolo da história do país, com passado secular, e vê-lo sendo administrado de forma tão temerária, rumando ao naufrágio, é difícil demais.
 

A vida em sociedade é complexa, e a dinâmica cada vez mais mutável e convergente da coletividade acentua o grau de importância de um Judiciário forte, eficaz, eficiente, isto é, em pleno funcionamento.
 

A população da Bahia só cresce, aumentando o número de litígios, de processos e, ainda assim, o Tribunal de Justiça da Bahia definha, encolhe em comarcas, varas, servidores, juízes. Só não decresce nos gastos.
 

O TJ-BA está em uma crise que persevera com passar do tempo e só se agrava.
 

Não é de hoje, pelo contrário, é de longa data, que nosso Tribunal de Justiça é considerado um dos piores do país. Os estudos periódicos do CNJ – Conselho Nacional de Justiça sempre divulgam estatísticas que comprovam isso. No entanto, não precisa de estudos técnicos para saber que os processos estão cada vez mais morosos, que os cartórios têm cada vez menos servidores, que os juízes estão cada vez mais sobrecarregados, que há má utilização dos recursos financeiros. É só perguntar para a população, paras os jurisdicionados, para os advogados, para os servidores.
 

A sangria mais recente dessa crise é a desativação de comarcas (33 até o momento) e diminuição de tantas outras pelo interior do Estado. A Seccional da OAB-BA já se posicionou contra e ingressou com ação na Justiça Federal. Os prefeitos e habitantes das cidades já tornaram claro o que acham, não é raro ver caravanas chegarem à sede do TJ-BA para protestar e prefeitos para encontrar a Presidente, Maria do Socorro Barreto Santiago.
 

Todos esses problemas passam por uma questão. A falta de servidores efetivos nos quadros do TJ. Há estudos do CNJ informando que, até 2020, mais de 40% dos servidores atuais (do atual quadro já reduzido) se aposentarão.
 

Ora, o plantel de servidores tem envelhecido e a reposição é muito lenta. Há no momento, cadastro de reserva de cerca de 2000 aprovados no último concurso (realizado em 2015), para cargos de técnicos e analistas, mas quase não ocorrem convocações. A alegação da Presidente é que falta recursos para mais nomeações.
 

Sobre esse concurso, a validade inicial de 2 anos ia expirar 26/06/2017 e até a sessão do Pleno, em 19/06/2017, ainda não havia ocorrido qualquer sinalização de prorrogação, como se o Tribunal não carecesse desesperadamente de servidores. Foi preciso Sidelvan Nóbrega, como Deputado Estadual pelo PRB, fazer Indicação Nº 22.166/2017 e encaminhar ofício com urgência para o órgão ser pressionado antes da sessão do dia 19. Esse esforço, conjuntamente com requerimento administrativo dos aprovados (TJ-ADM-2017/28572), alcançou a prorrogação. Agora, a batalha é pelas nomeações. Ressalte-se que os aprovados ingressaram também com Ação Popular nº 0538814-16.2017.8.05.0001 na própria Justiça Estadual, sob o argumento de violação dos princípios administrativos.

 

O caso é grave e a bola de neve vem aumentando. Com as desativações de diversas comarcas o tema parece ter alcançado alguma atenção.
 

Pela lógica da falta de orçamento alegada, é possível inferir que o Tribunal de Justiça da Bahia tem prazo de validade, pois ocorrem muito mais vacâncias do que nomeações. A matemática é simples. Repito, por essa lógica, em algum momento não haverão mais servidores para fazer o TJ funcionar. Segundo o CNJ, o déficit de servidores é superior a 25.000 (vinte e cinco mil) cargos vagos! Esse número é absurdo.
 

Outra questão matemática é: Como é possível o orçamento, que tem seus reajustes anuais, não comportar nem a manutenção no quadro de servidores, quando o ideal é ampliar, para acompanhar o aumento da população baiana?
 

A resposta é simples, mas dolorosa, dura. Cada vez mais recursos são gastos com um número menor de servidores, por meio de gratificações e adicionais esdrúxulos, como a AFI – adicional de função e a CET – Gratificação por Condições especiais de Trabalho. Ambas já foram duramente criticadas pelo CNJ, entre diversos motivos, por terem o efeito cascata, ou seja, mecanismos que permitem a cumulação de adicionais que vão se incorporando nas remunerações. Ora, A Constituição Federal de 1988, art. 37, XIV veda expressamente tal situação. Para se ter uma ideia, servidores com remuneração básica de aproximadamente R$ 5.000,00 (cinco mil reais) passam a receber mais que o teto constitucional do serviço público que é o valor recebido pelos ministros do STF – Supremo Tribunal Federal, atualmente em R$ 33,7 mil. Há servidores, e são muitos, que recebem R$ 35.000,00, R$ 45.000,00, R$ 55.000,00. Basta ver a quantidade de aposentadorias publicadas no Diário Oficial do Estado em que a remuneração tem que ser ajustada ao limite do teto constitucional.
 

Há também o elevado número de cargos comissionados de fora dos quadros de servidores, e estes recebem também valores vultosos.
 

Dessa forma, realmente fica clara a falta de priorização da racionalização dos recursos financeiros e nomeação de servidores efetivos, com vencimentos razoáveis.
 

Há certa desfaçatez por parte do TJ, que finge não haver problemas, ou que não sabe qual é o problema. Adotam-se várias “medidas” que só aparentam soluções, pois no campo efetivo pouco fazem.
 

Um exemplo é o “Cartório integrado”. Por esse programa, o TJ funde quatro varas em uma, visando compor o quadro mínimo necessário para uma vara funcionar. Ocorre que essa “solução” cria uma vara completa, ou quase completa, com o quádruplo de processos, pois os acervos também foram acumulados. Resultado, a mesma morosidade de sempre, maquiada em estatísticas de processos concluídos (processos que já estava acabados, mas esquecidos, na verdade).
 

Ou seja, o Tribunal, fingindo plena funcionalidade, está preferindo encolher, do que se manter ou ampliar. O discurso é “racionalizar”, mas isso só está sendo feito de forma que prejudica a população, que agora tem menos varas e comarcas.
 

Racionalizar seria aumentar o custo-benefício, ou seja, fazer o orçamento comportar um quadro maior de servidores, juízes, comarcas e varas. No entanto, livre de pressões reais, o TJ vem agindo para manter o orçamento cada vez mais limitado a um número menor de pessoas.
 

Nesse panorama, temos nos últimos finais de ano, briga entre o TJ-BA e o Governo do Estado, por suplementação de verba orçamentária, para fechar os pagamentos de novembro e dezembro. Esse ano a atual Presidente já disse que precisará de nova suplementação.
 

Há perguntas que o Tribunal deve responder à sociedade. São estas: Como o TJ-BA espera continuar existindo e atuando se cada vez gasta mais com menos servidores para atuar? Como espera recompor o déficit crescente gerado pelas vacâncias? Quando vai adotar medidas que racionalizem o custo de pessoal (regularizar as gratificações anormais) e investir em contratação de servidores efetivos, que não possuem padrinhos nem supersalários como os comissionados de fora da carreira? Porque não convoca os aprovados em cadastro reserva para técnicos e analistas se há vacância?
 

A situação é de interesse público urgente, devido a crise que já existe e a proporção incalculável que pode vir a alcançar. Por isso é necessário a atuação dos Três Poderes, CNJ, Ministério Público, Defensoria Pública, OAB e sociedade civil em esforço intenso para recuperar o Judiciário Baiano e fortalecê-lo.
 

Há um esboço de colaboração entre esses diversos seguimentos, denominado “Pacto pela Justiça” que vem sendo intentado desde o início do ano. Já foi objeto de encontro entre o Presidente da Assembleia Legislativa da Bahia (Deputado Ângelo Coronel) e representantes da OAB-BA. É preciso que a população tenha ciência sobre o tema, apoie e pressione por medidas concretas como essa, para forçar a adesão de todos os envolvidos, como o Governo do Estado e o TJ-BA. 
 

Recentemente houve o caso da comemoração do dia dos magistrados, em que o Tribunal pretendia gastar uma fortuna com o evento. O impacto da mídia e senso popular fizeram eles retrocederem na decisão. Parece que hoje, a pressão é a ferramenta mais útil e, como a crise é gigante, a pressão deve vir por todos os lados, população, categorias envolvidas e órgãos institucionais.
 

É urgente a necessidade de mudança no direcionamento do Judiciário Baiano. O TJ-BA não pode ser continuamente administrado de forma inadequada, sem sustentabilidade econômica, com a pessoalidade que vem permeando as escolhas administrativas, sob risco de não haver mais algo digno de ser chamado Poder.

 

RODRIGO PITANGA
Especialista em Direito Previdenciário. Pós-Graduando em Direito Civil e Direito Processual Civil