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Após ser atropelada, atleta de remo do Vitória dá volta por cima com título baiano

Por Glauber Guerra / Leandro Aragão

Após ser atropelada, atleta de remo do Vitória dá volta por cima com título baiano
Foto: Jamile Amine / Bahia Notícias

Quando um atleta conquista um campeonato ou vence uma prova, passa um filme na cabeça recordando todas as dificuldades enfrentadas até chegar naquele momento no lugar mais alto pódio. Na última etapa do Campeonato Baiano de Remo, disputada no dia 25 de novembro, não foi diferente para a soteropolitana Géssica Vanusa, de 22 anos. Junto com a equipe do Vitória, ela sagrou-se campeão estadual.

 

Porém, acostumada a conquistas desde que começou na modalidade aos 13 anos, o filme passado na cabeça dela, não tinha apenas imagens de treinamentos e cansaço. A 'película' tinha um enredo dramático, com pitadas de terror, mas com uma grande carga de esperança, dedicação e, claro, superação. Meses antes da conquista estadual, Géssica foi atropelada e teve a clavícula fraturada. Ela passou por uma dolorosa recuperação até voltar a colocar uma medalha no peito.

 

"Passou sim, todo um filme na cabeça de estar voltando a ajudar o clube. Voltei a treinar ao poucos. Cada dia que eu conseguia fazer mais alguma coisa, pensava que podia remar uma regata. Muitas vezes eu saia da água, por conta das dores no estômago [por causa da medicação], mas sempre que dava eu estava lá", afirmou durante a entrevista feite em visita à redação do Bahia Notícias.

Foto: Jamile Amine / Bahia Notícias

 

Tudo começou no dia 05 de março deste ano, às 7h. Géssica fazia, de bicicleta, o caminho para a faculdade, quando foi atropelada. "O carro entrou de vez na rua e me jogou longe. Eu fraturei a clavícula direita e o meu braço abriu, dava até para ver o osso! Também fiquei toda ralada, na perna, no braço, na cabeça...", lembrou.

 

"Na hora do acidente, eu senti muita dor, perdi sangue e quando coloquei a mão, vi que estava muito inchado, mas sentia que estava afastado. Não era uma coisa deslocada. Vi que tinha quebrado e fiquei desesperada", lembrou. "Quando cheguei no hospital, eu já pedi para tirarem o raio-x. Mas o médico falou que poderia ter só deslocado. Quando tirou o raio-x, realmente eu tinha fraturado", confirmou.

 

Apesar de tudo, Géssica conta que a ficha dela caiu de que o acidente havia acontecido apenas dois dias depois. "Tive que esperar a ficha cair, que aquilo tinha acontecido, para poder absorver tudo e depois procurar seguir, me reerguer. Fiquei péssima nesses dois dias no hospital, porque no dia, de 7h quando fui atropelada, eu só fui parar mesmo depois de tudo, raio-x, exames e curativos só 21h. Aquele primeiro dia foi só de dor!", contou.

Foto: Arquivo pessoal

 

Apesar da gravidade do acidente e de correr risco de nunca mais remar, Géssica não sentiu raiva do motorista do carro. O homem visitou a atleta no hospital no dia seguinte ao acidente. "Ele chegou chorando, me pedindo desculpas até, porque quando eu fui atropelada, alguns amigos do remo já chegaram lá, pois um deles estuda comigo na faculdade e começou a ligar para um bocado de gente. Aí as pessoas já começaram a contar minha história para o motorista. Ele ficou desesperado, por ter atropelado uma atleta de alto rendimento".

 

Desde o início no remo, Géssica sempre foi obcecada pelos treinamentos. Ela vivia no Vitória e praticamente treinava de manhã, de tarde e de noite. Nem mesmo no hospital, ela desligou do esporte. "Eu já estava pesquisando tudo sobre fraturas de clavícula. Fui procurar tudo, cirurgia, a recuperação, tudo, tudo! Principalmente se poderia voltar a remar depois", afirmou.

 

Aos poucos ela foi conseguindo relaxar, digerir o que tinha acontecido. "Vi com os médicos que tinha essa possibilidade de voltar a remar, de fazer tudo direitinho depois de uma fratura daquela. Mas eu precisava me recuperar direitinho e me cuidar, então no terceiro dia já estava mais tranquila, agradecendo por estar viva".  Segundo ela, o que salvou sua vida foi a mochila que impediu que batesse com a cabeça direto no chão. "Eu preciso agradecer demais, porque eu não morri. Se tivesse numa cadeira de rodas, eu também tinha que agradecer da mesma forma, porque eu ainda tenho vida", vibrou.

 

Apesar de começar a aceitar a situação em que se encontrava, ela vetou qualquer tipo de visita no hospital. "Não era porque as pessoas me veriam daquele jeito, vulnerável, e sim porque todo mundo que ia chegar lá iria perguntar como foi... Então, não queria, porque as pessoas não iam para poder dar energias positivas ou coisas do tipo, e sim para perguntar o que foi e era uma coisa que estava me doendo muito naquele momento", justificou. Além de familiares mais próximos, como a mãe e a avó, ela só chegou a ver um diretor do Vitória e a coordenadora de remo do clube. "O Vitória esteve comigo o tempo todo desde o acidente até a última sessão de fisioterapia", declarou. Mas outra visita, ela não teve como impedir. "Meu treinador foi, porque é meu treinador. Quando ele chegou lá, eu só fazia chorar", relembrou. A maior tristeza dela é que o acidente aconteceu justamente no dia do aniversário dele. "Eu estava armando uma surpresa para o meu treinador. Eu tenho contato com todo mundo no clube e estou sempre próxima à todo mundo. Ele nunca fala a data do aniversário dele e eu tinha marcado uma surpresa para ele e o dinheiro de todo mundo estava na minha mão [no dia do acidente] para eu poder pagar o bolo. Mas deu tudo errado e de forma muita errada", lamentou por ter sido obrigada a mudar os planos.

 

RETORNO AOS TREINOS
Com apenas um mês e meio de recuperação, Géssica disse que já não via a hora de retomar aos treinamentos. Primeiro, ela começou com corridas de 40 minutos. Logo em seguida, o ortopedista a liberou para voltar a remar. "Ele falou que poderia fazer remo como fisioterapia", falou. "Nas fisioterapias lá do Vitória, eles também me liberaram desde que eu não forçasse muito e eu, claro, ia sempre dentro do meu limite, porque não podia me prejudicar mais do que eu já estava. Comecei a me sentir bem", contou. Sua rotina era fisioterapia pela manhã e exercícios físicos durante o resto dia. Além de recomeçar a fazer as obrigações da faculdade de casa. Ela disse que retomou ao remo dois meses e duas semanas depois do acidente. Ela também voltou a frequentar a faculdade.

Foto: Arquivo pessoal

 

COMPETIÇÕES
A primeira prova de Géssica após acidente não foi como remadora e sim como timoneira, que é a pessoa que guia o barco. "Na realidade, o código para mulher poder timonear um barco de homem fui mudado nesse ano, porque antes não podia. Mas no dia 1º de janeiro deste ano foi mudado o regulamento", afirmou. "Como já sou atleta e tenho experiência, na verdade teve meio que aquele preconceito uma mulher timoneando um barco com oito homens, mas por conta do meu histórico como atleta teve todo um respeito e uma confiança", explicou. O barco guiado por ela venceu a prova.

 

A mudança de função se deu não por causa da clavícula e sim, devido à carga de medicamentos que teve de tomar durante a recuperação. "Comecei a sentir o estômago, que foi reflexo da quantidade de medicamentos que eu tomei, inclusive um deles era com substância de formol. Fiquei com o estômago fragilizado, peguei uma bactéria (H. pylori), então, senti muita dor. Acredite que eu senti bem mais o estômago, foi bem mais doloroso do que a minha recuperação".

 

O retorno à função de remadora se deu após Géssica forçar um pouco a barra para ser testada. "Eu virei para o meu treinador, perguntei como estava a guarnição, porque sempre procuro saber como elas estão, e ele respondeu que ia ver como seria. Então, eu perguntei como iria testar para saber quem iria no barco, disse que queria ir e só aceitaria um 'não' depois que testasse e ele não gostasse. Ele me perguntou se eu estava me sentindo bem e respondi que mesmo que não estivesse, eu queria testar. Inclusive, eu ia timonear de novo na regata. Só que um dia, uma das meninas faltou e eu saí no barco com uma delas. Tudo bem, remei normal. No outro dia, as meninas foram remar juntas e eu fui remar sozinha, porque eu não estava testando o barco. Três dias depois, uma outra garota faltou e eu saí no barco com a outra. Fizemos um treino de velocidade e ele gostou. Aí ele definiu que eu também iria no barco", relembrou. "No dia da regata deu tudo certo e a gente foi campeã. Então sim, passou um filme na minha cabeça que eu não sabia e continuo sem saber explicar. Só fazia chorar, porque era uma coisa de mim. A gente ganhou muitas outras provas e eu sempre fico feliz quando a gente ganha, mas foi um filme na minha cabeça depois que acabou a regata. Sempre após as regatas, eu vou para casa e fico com a minha família e nesse dia não foi diferente, mas eu ficava ali naquela coisa, todo mundo comentando, o meu treinador muito feliz", finalizou.

Equipe do Vitória comemora o título baiano de remo | Foto: Divulgação