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Entrevista

Jean-François Tanda

Por Alberto Castro/Bahia Notícias

Jean-François Tanda
Jean-François Tanda entrou na batalha pela transparência na toda poderosa Fifa contra aqueles a quem classifica de "velha escola" do dirigismo da entidade máxima do futebol mundial.  Ele conta que tudo começou por uma mera coincidência em 2005 quando trabalhava como repórter estagiário no jornal Zurich Sunday (SonntagsZeitung) e descobriu um acórdão do Tribunal Federal da Suíça descrevendo um complexo sistema de negócios sujos envolvendo a Fifa e a falida agência de marketing esportivo ISL.  Garante que as suas investigações não vão cessar enquanto pessoas como o suíco Joseph Blatter, presidente da Fifa,  o brasileiro Ricardo Teixeira, da CBF, o paraguaio Leoz Nicolas, da Conmebol, o africano Issa Hayatou, da CAF, e o argentino Julio Grondona, da AFA, entre outros, permanecerem no comando da multibilionária organização, alvo de de um autêntico tsunami de denúncias de corrupcão.
 
Jornalista e advogado especializado em legislação europeia, Jean-François Tanda nasceu na Suíça em 1974 e trabalha atualmente no semanário de economia helvético Handelszeitung. Com raízes paternas africanas, ele se considera acima de tudo um cidadão do mundo. 
 
As suas investigações, juntamente com as de outros jornalistas como o britânico Andrew Jennings, deram ao mundo uma ideia sobre o nível de corrupção na toda poderosa Fifa. Quando você as iniciou e o que o levou a fazê-las?
 
Jean- François Tanda - Tudo começou quando eu era estagiário no jornal Zurich Sunday em 2005 e, coincidentemente, descobri um acórdão do Tribunal Federal da Suíça. O mesmo era sobre a Fifa e a ISL, sua antiga parceira de marketing esportivo. Em cerca de 10 páginas, os juízes federais descreveram um sistema completo de negócios sujos. No início eu não sabia que era sobre a ISL na medida em que tudo era anônimo.  Comecei a juntar as peças, a falar com pessoas, e então entendi do que se tratava. Foi o começo das minhas estórias e da minha história com a Fifa: pura coincidência.
 
Joseph Blatter acabou de ser reeleito para mais um mandato como presidente da Fifa. Como você se sentiu depois de todas as notícias de escândalo envolvendo a entidade?
 
JFT - Não fiquei surpreso de todo. Para além da Inglaterra e de apenas outras 16, eu esperava mais algumas federações nacionais de futebol a pedirem para adiar as eleições. Mas, quando apareci no congresso da Fifa e senti a atmosfera, logo percebi que a "família Fifa" tem uma maneira muito diferente de pensar da do resto do mundo.  Blatter não é a pessoa que pode devolver a integridade à Fifa e nem alguém que esteja disponível para mudar a imagem da entidade no mundo. Ele faz parte da velha escola de funcionários que não gostam da transparência e nem querem mudar nada na governação daquela organização multibilionária.
 
Você espera que um dia ele acabe renunciando e que responda pelas alegadas acusações de corrupção na Fifa?
 
JFT - Não penso que ele vá renunciar a não ser que seja por razões de saúde. Ele nunca vai ser cobrado por corrupção porque na Suíça a corrupção na Fifa não era ilegal até 2006. Jamais alguém poderia provar que ele foi subornado. Ele vive de subsídios da Fifa nos 365 dias do ano. Ele - e todos no Comitê Executivo - recebem 500 dólares ao dia quando em viagem nas missões da Fifa. Oficialmente ele ganha 1 milhão de dólares por ano e, extra-oficialmente, isso deve ser muito mais. Ele não precisa de dinheiro e provavelmente não é corrupto. Certamente distribui brindes e presentes, mas tudo dentro do quadro legal dos estatutos da Fifa.
 
No seu ponto de vista, e com base no que você apurou até agora, qual o nível de prevalência da corrupção na Fifa hoje?
 
JFT - Jack Warner, que acabou de renunciar a todas as suas posições, disse que não entendia porque era investigado pela Fifa. Ele explicou que brindes e presentes sempre foram aceites e eram normais nos seus 30 anos na Fifa. Eu dou a você esse exemplo para mostrar a forma como esses caras pensam: para eles é absolutamente normal receber dinheiro e outros privilégios de todo o mundo e de qualquer pessoa apenas porque têm assento no Comitê Executivo da Fifa. 
Por isso eu penso que a corrupção é prevalente na Fifa, no mínimo entre os funcionários que estão na instituição há um longo tempo. Como disse antes, de acordo com a lei suíça, a corrupção na Fifa era legal até 2006 e somente subornar os funcionários do Estado era proibido.
 
O Comitê de Ética da Fifa deu por encerrados todos os procedimentos iniciados contra Warner e manteve a presunção de sua inocência. Ele era o elo mais fraco? 
 
JFT - Estou decepcionado por o Comitê de Ética ter parado as suas investigações.  Como mencionei antes, o próprio Warner explicou a agência Bloomberg que brindes, presentes e pagamentos foram sistematicamente distribuídos nos últimos 30 anos em que ele esteve na Fifa. Não percebo muito bem porque ele renunciou. Provavelmente não havia outra saída e essa é a única explicação que vejo.
 
Isso representa o fim das suas investigações?
 
JFT - Não, isso certamente não é o fim. Enquanto houver pessoas como Sepp Blatter, Ricardo Teixeira, Nicolas Leoz ou Julio Grondona, no Comitê Executivo da Fifa, isso significa que a mesma velha escola e o mesmo velho estilo de homens continuam a governar o futebol. 
 
Houve rumores de corrupção envolvendo a candidatura de Qatar-2022. Do que sabe sobre a Fifa, você diria que a corrupção sempre jogou um papel importante em qualquer candidatura ou não?
 
JFT - Depende da maneira como você define a corrupção. Qatar afirmou ter agido dentro do quadro legal permitido pela Fifa. Isso certamente inclui o financiamento de projetos e pequenos brindes. Um antigo funcionário da Fifa disse que a Alemanha também usou de todas as possibilidades ter a Copa de 2006 garantida, ou seja, financiando projetos, organizando jogos amigáveis e assim por diante. 
 
Você diria que a Fifa é "uma família de crime organizado" como Andrew Jennings sugere?
 
JFT - Como advogado eu nunca iria tão longe, mas você pode ver algumas similaridades como as seguintes:  empresas de fachada em paraísos fiscais como o Liechtenstein, as Ilhas virgens Britânicas ou Andorra onde ninguém, nem mesmo os promotores de justiça conseguem realmente descobrir quem pegou o dinheiro e por onde ele passou; intransparência; muito dinheiro sendo pago sem razão e, finalmente, Omertà, a regra não escrita do silêncio. 
 
Você esta chegando ao ponto que deseja nas suas investigações?
 
JFT - Eu sempre quero saber mais do que sei. Nunca tive uma meta específica com essas investigações.  Mas fico curioso quando pressinto que alguém tem algo a esconder.
 
Que tipo de constrangimentos, pressões, você está enfrentando para não ir mais longe no seu trabalho?
 
JFT - Obviamente que eles têm muito dinheiro para pagar aos seus advogados e à todos os que estão ou estiveram por dentro da Fifa. Por exemplo, antigos funcionários da Fifa receberam quatro anos mais de salários após deixarem a instituição. Em contrapartida eles não estão autorizados a falar sobre o que sabem. O antigo secretário-geral Urs Linsi recebeu mesmo oito anos mais de salário para se manter silencioso.
 
Nas suas investigações você mencionou dois grandes nomes brasileiros no dirigismo do futebol: Ricardo Teixeira, o atual chefe da CBF, e João Havelange, seu ex-sogro e antigo presidente da Fifa. O que você apurou sobre essas pessoas nas suas investigações?
 
JFT - Nos anos de 1990 Ricardo Teixeira recebeu 9,5 milhões de dólares da ISL, uma agência de marketing desportivo falida, sediada em Lietchtenstein. O dinheiro foi para uma empresa da qual Teixeira e Havelange eram donos. Este último recebeu 1 milhão, de acordo com a lista da ISL. 
 
Você sabe de outros nomes de futebol ou mesmo do governo brasileiro que estejam envolvidos nesse escândalo?
 
JFT - Não
 
Romário, a antiga estrela do futebol brasileiro e agora deputado federal, questionou a forma como estão sendo conduzidos os trabalhos da organização da Copa de 2014. Ele sugeriu que, para bem do evento, Teixeira deveria renunciar face às alegações de corrupção que o envolvem e também pela sua idade.
 
JFT - Todos os políticos no mundo deveriam renunciar quando  aparecem estórias de corrupção chegando todos os dias, como no caso do senhor Teixeira. Ser membro do Comitê Executivo da Fifa é desempenhar um cargo político. Assim, com certeza que concordo com Romário. Isso também é valido para o seu trabalho como chefe do Comitê Organizador da Copa de 2014.
 
Agora algumas perguntas de âmbito mais pessoal. Como jornalista, você diria que o desvendar desses escândalos na Fifa representa o maior feito até agora?
 
JFT - Em 2009 ganhei o prêmio de "Jornalista do Ano" atribuído pelo magazine Schweiser Journalist por desvendar uma fraude à volta da venda da antiga escuderia de Formula 1 BMW Sauber por por parte de um grupo de empresários anônimos. Na verdade bandidos com uma série de empresas em paraísos fiscais. Também já escrevi histórias que tiveram algum impacto apenas na Suíça. O que existe de especial em relação a Fifa é que ela é uma organização global e as estórias são conhecidas mundialmente.
 
O que vai acontecer, no seu caso, se você e outros jornalistas terminarem perdendo essa batalha, em que estão totalmente engajados, pela transparência na Fifa?
 
JFT - Honestamente, eu nunca pensei em perder o caso. Mas provavelmente seremos presenteados com faturas  bem altas dos advogados da Fifa.
 
Você é jornalista e advogado. Porque escolheu essas profissões?
 
JFT - Estudei direito porque acredito na justiça e queria ajudar as pessoas. Iniciei no jornalismo porque queria reportar sobre as injustiças e ajudar a mudar o mundo. Hoje, estou ciente que as coisas não são assim tão simples quando aparecem os grandes problemas. Mas nada é impossível e é bom ver como as coisas podem mudar assim que se tornam publicas. Do que eu gosto mesmo é de aprender coisas novas conforme vou conhecendo mais pessoas e assuntos interessantes no cotidiano.
 
Metade de suas raízes familiares está na África. Pode falar um pouco sobre elas?
 
JFT - A família do meu pai é do norte Angola, de Mbanza Congo, antiga cidade de São Salvador. Mas ele cresceu principalmente em Kinshasa, no antigo Congo Zaire. Ainda não estive em Angola mas já viajei para Kinshasa para visitar a minha família assim como já visitei também outros países africanos.
 
De que forma, se alguma, você preserva a sua herança cultural africana?
 
JFT - Nasci e vivo na Suíça,  vejo-me como um europeu e  acima de tudo um cidadão do mundo. Cuido da minha herança cultural africana mas de uma forma muito incomum.  Através da música, por exemplo,  experimento muitos instrumentos africanos como a kora, marimba, djembe ou calabash.  Adoro viajar para qualquer parte do mundo e em especial para a África. Sigo as notícias e interesso-me muito pelo que vai acontecendo no continente. Embora muito importante para mim, não coloco a minha herança cultural africana numa posição especial na medida em que sou aberto à todas as diferentes culturas do mundo e elas se estão misturando mais e mais. 
 
Que aconselhamentos você daria aos jovens europeus de ascendência africana?
 
JFT - Acreditem em si mesmos e tenham em mente que podem atingir qualquer coisa boa. Sejam orgulhosos e tirem partido da vantagem de crescerem com duas raízes culturais fortes dentro de vocês.
 
O que você gosta de fazer nos seus tempos livres?
 
JFT - Jogar futebol e tocar numa banda musical.
 
Finalmente, falando de futebol em si, que país você vaticina como vencedor da Copa 2014?
 
JFT - Angola ou Suíça (risos). Brasil.