Entre Seleção, futuro e idolatria, Yanne exalta orgulho de jogar no Bahia: "Não sei explicar, só sentir"
Um dos grandes nomes do futebol feminino do Bahia, a goleira Yanne Lopes, de 22 anos, concedeu entrevista ao Bahia Notícias e falou sobre a carreira, os desafios no início, a chegada ao Esquadrão e os sonhos para o futuro. Responsável por atuações decisivas, como as classificações às semifinais da Copa do Brasil e às quartas de final do Campeonato Brasileiro, a atleta ressaltou o apoio que a equipe feminina recebe da diretoria tricolor.
“Acredito que o Bahia tem um diferencial muito grande nisso. Para o clube, a gente não é só mais uma, não é só por obrigação. O Bahia busca que a gente se sinta incluída de verdade”, afirmou e continuou.
“A gente [elenco feminino] não tem aquele receio de que, se as coisas não derem certo, o Bahia vai simplesmente acabar com o feminino. Hoje não existe mais esse medo, porque realmente nos sentimos parte. O clube demonstra de muitas maneiras que nós não somos o ‘feminino do Bahia’, mas sim o Esporte Clube Bahia. Não é o feminino ou o masculino: é o profissional do Bahia.”
Yanne defende pênalti nas quartas de final da Copa do Brasil. | Foto: Letícia Martins / EC Bahia
“SOU UMA ATLETA DE PANDEMIA”
Ao contar como decidiu seguir no futebol, Yanne lembrou o impacto da pandemia provocada pela Covid-19 na sua trajetória.
“Eu costumo dizer — e minha mãe até brinca comigo — que eu sou uma atleta de pandemia. Porque eu estava no meu último ano do ensino médio, foi quando se concretizou o que eu realmente queria para a minha vida. Mas, um pouco antes disso, com 16 anos, entre o segundo e o terceiro ano, eu fiz uma peneira. Fiz essa peneira como zagueira. Eu originalmente era zagueira, mas jogava futsal e gostava de atuar como ala esquerda. Então pensei: ‘Vou ficar na linha’. Fiz a peneira como zagueira, e a gente foi para uma competição. Nessa competição, fomos apenas com uma goleira. E aí eu falei: ‘Cara, eu sou doida, eu me jogo na bola’. Aí me testaram e, depois disso, nunca mais saí do gol. No início foi um pouco conturbado, porque eu estava no terceiro ano, tinha aula até às 15h e prova todo sábado. Então, não estava conseguindo acompanhar a rotina necessária para um atleta profissional, de treinos e jogos. Perdi alguns jogos por estar em prova", revelou.
"Por isso digo que sou uma atleta de pandemia. Porque, na pandemia, eu podia gravar as aulas que aconteciam à tarde, ia treinar, passava a tarde toda treinando e, quando voltava, assistia às aulas gravadas e colocava o conteúdo em dia. Foi um pouco difícil para minha família esse processo, porque eu não fui criada para ser jogadora de futebol, para ser atleta. Fui criada para seguir uma carreira de estudos. Mas eu acho que, quando o coração bate forte por algo, a vida te move para esse destino. Foi o que aconteceu.”
A boa campanha no Brasileiro Sub-17 abriu portas do futebol profissional feminino para Yanne.
“No final de 2020, fiz um excelente Brasileirão Sub-17. Nesse mesmo ano, fui chamada para a Ferroviária, para completar a equipe paulista Sub-17. Foi a primeira vez que a Ferroviária foi vice-campeã paulista Sub-17. Depois disso, me chamaram para integrar a equipe profissional, e foi quando realmente se concretizou. Ficou uma certa dúvida nos meus pais: ‘Ela vai acabar desfocando dos estudos’. Mas perguntaram: ‘É o que você quer?’. Eu falei: ‘Sim, é o que eu quero’”, contou.
“Meu pai foi comigo conhecer Araraquara, conhecer a estrutura. E hoje eles são os meus maiores fãs, sempre presentes, inclusive nas partidas fora de casa. Ano passado, por exemplo, eles foram para Ilhéus, uma viagem super cansativa. Quando a gente passou para a final da Ladies Cup, eles mandaram mensagem: ‘A gente comprou passagem, estamos indo para São Paulo’. Eu falei: ‘Quê?’. E eles: ‘É, estamos indo para São Paulo’. Eu respondi: ‘Então vem!’. Agora vamos disputar a Copa Maria Bonita e, se tudo der certo, eles também querem estar presentes nas fases finais. Hoje eles me acompanham em todas as partidas, tanto em casa quanto, sempre que possível, fora de casa. Infelizmente não puderam estar contra o Red Bull, mas falaram: ‘Se não tivesse acontecido tal coisa, com certeza estaríamos lá para torcer e vibrar por você’. Então, hoje eles realmente são meus maiores fãs, os que mais me apoiam, me incentivam e, ao mesmo tempo, pegam no meu pé para que eu continue mantendo a disciplina que tenho. Eles me auxiliam muito nisso.”
Foto: Igor Barreto / Bahia Notícias.
A DECISÃO DE VESTIR A CAMISA DO TRICOLOR
Soteropolitana, Yanne relembrou como foram as conversas até fechar o contrato com o Bahia.
“Quando eu recebi a proposta, meu empresário falou comigo: ‘Ó, o Bahia está atrás de você’. Então busquei conhecer um pouco mais sobre a estrutura que o time oferecia. Eu já estava no centro do futebol feminino, justamente por ser uma equipe que se destaca muito. Meus pais foram conversar com a Carol [Diretora de Futebol Feminino do Bahia], que já tinha trabalhado comigo na Ferroviária. Então já havia uma relação, e a gente pôde ter uma troca muito legal, com ela me explicando quais eram as pretensões do Bahia, como era o projeto que estavam planejando, tanto a curto quanto a longo prazo. Naquele momento, eu já estava praticamente com tudo fechado para renovar [com a Ferroviária]. Mas, quando recebi a proposta, balancei um pouco. Liguei para o meu empresário e falei: ‘Cara, vamos para o Bahia. Meu coração está pedindo. Eu senti firmeza nas conversas. Eu até poderia ficar em São Paulo, mas acho que não seria a mesma coisa que estar no Bahia’”.
A goleira falou, que tinha planos de ir para uma equipe em que pudesse construir um legado e tornar-se ídola.
“Eu sempre quis muito ir para uma equipe e poder construir um legado junto com ela. E no Bahia tive essa oportunidade. O clube deixou claro desde o início que sempre haveria disputa pela titularidade, mas uma disputa saudável entre as goleiras. E eu falei: ‘Não, eu vou para o Bahia porque quero construir essa história’. Desde o início do ano passado, a gente vem construindo esse caminho. Foram muitos processos de amadurecimento, de gestão de grupo, de união. Eu acabo sendo um pouco líder ali dentro, busco compreender cada uma, para que a gente seja realmente uma unidade, uma família — que, para mim, é algo muito importante dentro de campo. Foi quando decidi: ‘Eu vou escrever minha história junto com o Bahia’. Fiquei muito feliz quando tudo deu certo. No futebol, nada é garantido, então, quando realmente se concretizou, a alegria foi enorme. Tive que guardar essa notícia por um tempo, não podia contar a ninguém. As pessoas perguntavam para onde eu ia, e eu não podia revelar. Nem mesmo na minha antiga equipe sabiam — só meus pais e meu empresário. Hoje, quando olho para trás, tenho ainda mais certeza de que fiz a escolha certa. Eu pude ajudar o Bahia a sair da Série A2, chegar na Série A1, ser campeão da A2 pela primeira vez depois de algumas tentativas, e ainda conquistar novamente o título baiano. Isso só reforça a felicidade de ter tomado essa decisão.”
Foto: Igor Barreto / Bahia Notícias
RECONHECIMENTO DA TORCIDA E STATUS DE ÍDOLA
Sobre o carinho da torcida, Yanne ressaltou a identificação que criou mesmo em pouco tempo de clube e comentou a possibilidade de estar se tornando uma ídola do Bahia.
“Eu fico muito feliz porque busco muito poder realmente ser uma referência, tanto dentro de campo quanto fora. Pelo meu estilo de vida, pelo meu estilo de treino, de dedicação, eu sempre busco isso. Sou muito grata à torcida do Bahia, que desde a minha chegada me acolheu muito bem. Sempre esteve comigo, motivando, torcendo, sendo muito presente nas minhas redes sociais. Muitas vezes, quando vou à Fonte Nova assistir a uma partida da equipe masculina, os torcedores param, pedem para tirar foto… é uma coisa muito legal. É algo que eu sempre quis também: ter um pouco desse reconhecimento. Sobre a identificação, eu não sei explicar, só sei sentir. Foi uma equipe que me conquistou muito. A torcida me conquistou muito. E tudo o que faço é buscando trazer felicidade para eles.”
“Não é força de expressão, porque realmente sinto que, quando consigo trazer essa felicidade, ela retorna para mim. Então, a minha dedicação é sempre no sentido de dar alegria ao torcedor tricolor. Acho que eles merecem, até porque passamos por momentos muito difíceis, principalmente em 2023, naquele período de incerteza, de ‘vai cair, não vai cair’, e no fim conseguimos nos manter. Depois daquele momento, a equipe teve uma evolução muito grande. Essa conexão que tenho com o clube e com a torcida eu não consigo explicar racionalmente; foi algo muito natural, muito verdadeiro. Eu vibro muito com isso. Sou uma atleta que assiste aos jogos e fica brava quando as coisas não dão certo, eu xingo, reclamo, sofro junto. Estou ali o tempo todo vivendo intensamente.”
SELEÇÃO
Campeã Sul-Americana de base, a arqueira também abordou sobre o sonho de defender a Seleção Brasileira principal. Yanne revelou que está “bastante tranquila” quanto a isso.
“Com relação à Seleção Feminina, é um sonho, com certeza. Não só meu, mas de muitas outras atletas. É algo pelo que trabalho bastante, mas estou muito tranquila. Acredito que o trabalho sempre devolve de alguma forma. Tenho trabalhado muito e, no momento certo, pode ser que demore, mas sei que vai acontecer. Como eu falei, não quero atropelar as coisas. Temos muitas goleiras extremamente competentes no Brasil, e venho trabalhando todas as minhas falhas para que eu possa estar no mesmo patamar delas. Graças a Deus, venho fazendo boas partidas. Mérito também do meu preparador de goleiros, Felipe Andrade. A gente trabalha muito forte para corrigir o que precisa ser corrigido. Também faço acompanhamento com meu preparador físico, Jonathan Praxedes, buscando estar sempre no mais alto nível físico. Mas sei que isso não é tudo: é preciso ter também uma mente muito forte. Por isso, trabalho com o Patrick [psicólogo], que me ajuda a estar preparada. O futebol é uma montanha-russa de emoções, e a gente precisa aprender a lidar com todos os momentos para não se afundar. Esse aspecto mental é, para mim, muito importante. Tenho certeza de que, no momento certo, vai acontecer — não só para mim, mas também para algumas companheiras de equipe que merecem e estão sendo observadas. Acredito que tudo o que fazemos é muito bem visto e muito bem avaliado. Então, estou tranquila. As pessoas me perguntam: ‘E aí, a convocação vem?’. Eu respondo: ‘Estou tranquila, em paz. No momento certo vai acontecer’”.
“Pode ser hoje, pode ser daqui a alguns anos. Quero estar preparada para, quando chegar lá, agarrar essa oportunidade da forma que tem que ser. Não quero simplesmente chegar e sair. Quero ser uma referência na Seleção, uma presença constante. Posso citar a Lorena como exemplo: ela teve a oportunidade dela e soube agarrar. E é isso que quero para mim. Quero que, quando a oportunidade chegar, eu saiba aproveitá-la da melhor maneira, que eu esteja lá como uma goleira de alto nível, não só para defender, mas também para compartilhar o que sei, o que aprendo, e ajudar minhas companheiras a evoluir — assim como elas me ajudam a evoluir.”
Foto: Igor Barreto / Bahia Notícias
PLANOS E FUTURO
Perguntada, Yanne falou sobre onde espera chegar nos próximos anos: uma referência dentro e fora de campo.
“Como falei no início, quero ser uma referência. Quando digo isso, é porque desejo que outras meninas, mulheres mais novas, possam olhar para mim e ver que também podem jogar bola, que também podem ser goleiras. Lembro que, quando era mais nova, nos raros momentos em que passava futebol feminino na televisão, eu via a Marta e pensava: ‘Eu também quero’. E é isso que eu quero ser no futuro: uma referência nesse sentido, de alguém que outras pessoas olhem e digam: ‘Eu quero ser goleira’. Até meninos também falarem para mim: ‘Eu quero ser goleiro também’”, revelou.
“Em relação à carreira, quero muito me consolidar no futebol. Quero que as pessoas conheçam o meu nome, assim como já conhecem o nome de muitas atletas — algumas, inclusive, que já trabalharam comigo. A Tarciane, por exemplo: hoje quem acompanha o futebol feminino sabe quem ela é. Ou a Angelina, que tem uma idade parecida com a minha e já conquistou espaço. Quero trilhar esse caminho de consolidação. Sonho em realizar grandes feitos com a camisa da Seleção Brasileira e também conquistas com a camisa do Bahia. Um dos meus maiores sonhos é levar o futebol feminino do Bahia para a Libertadores. Além disso, quero crescer cada vez mais na carreira e ter a oportunidade de disputar — e vencer — uma Champions League.”
“Lembro que, antes de jogar contra o Red Bull Bragantino [quartas de final da Copa do Brasil Feminina], revisitei um caderno que usava para anotar minhas sensações pré-jogo. Quando li aquelas anotações, percebi que a ‘eu’ de cinco anos atrás jamais imaginaria que hoje estaria aqui. Então, quero que a ‘eu’ de daqui a cinco anos também esteja vivendo os sonhos que tenho hoje. Quero conquistar coisas incríveis com o Bahia, alcançar feitos com a Seleção, me consolidar como referência e estar no meu mais alto nível. Sempre digo que não gosto de me comparar com ninguém; o que quero é ser 1% melhor do que fui ontem. É isso que me move: poder fazer a diferença na vida das pessoas. Quem sabe criar algum projeto para que meninas tenham contato com o esporte? Gosto muito de esportes no geral — vôlei, basquete, handebol. Quero usar isso para impactar positivamente. Não quero ser só mais uma. Quero realmente fazer a diferença.”
Confira abaixo a entrevista na íntegra: