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Entrevista

Após 2 anos sem jogar futebol por conta de religião, ex-Vitória tenta recomeço no Olímpia

Por Gabriel Rios

Após 2 anos sem jogar futebol por conta de religião, ex-Vitória tenta recomeço no Olímpia
Vitor renasce na Série B do Baiano | Foto: Arquivo Pessoal

Revelado pelo Vitória, Vitor começou a carreira de maneira muito promissora. Surgiu como promessa no Leão e chegou a fazer bons jogos na Série C do Campeonato Brasileiro em 2006. Entretanto, perdeu espaço no início do ano seguinte e acabou deixando precocemente o Rubro-Negro baiano. Com tanto talento, Vitor passou um período de testes no Barcelona B, quando integrava as divisões de base do Vitória. Apesar do pouco contato com o time profissional, teve a oportunidade de treinar com Ronaldinho Gaúcho, que havia vencido o prêmio de Melhor Jogador do Mundo na época.

 

Após idas e vindas no futebol, o arqueiro chegou ao Londrina-PR, seu auge. Ganhou a confiança do técnico Cláudio Tencati e não saiu mais da titularidade. No clube, conquistou alguns títulos, mas o principal foi o acesso à Série B do Brasileiro e o prêmio de Melhor Jogador da Série C, sendo um goleiro. Quando parecia enfim deslanchar na carreira, recebeu uma proposta da Chapecoense, time da elite do futebol nacional. No entanto, as negociações não avançaram. O motivo? Vitor segue a religião adventista e não pode atuar aos sábados, o que fez a Chape recuar.

 

Essa decisão, inclusive, afastou a renovação do Londrina e o arqueiro deixou o clube cinco meses depois. Após mais de dois anos parado, Vitor recebeu a oportunidade de atuar pelo Olímpia. Fundada pelo jogador Anderson Talisca, a agremiação disputa a Série B do Campeonato Baiano e, em quatro rodadas, lidera a competição com 100% de aproveitamento e nenhum gol sofrido por Vitor. Ao Bahia Notícias, o experiente jogador contou sobre o arrependimento de deixar o Vitória, a experiência com R10, o projeto do Olímpia, um possível retorno ao Leão – comandado por Tencati -, e sobre seu livro que conta sua carreira.

 

Você iniciou a carreira no Vitória, teve algumas chances na série C, mas acabou não tendo sequência. Como foi esse início para você e por que não conseguiu deslanchar no Leão?

Uma parte da responsabilidade de não ter ficado mais tempo foi minha mesmo, pela ansiedade, por ser jovem e querer ganhar dinheiro. Jogador de base no clube não é muito valorizado. Tinha participado de seleção brasileira de base, tinha dupla cidadania e isso me deixou ansioso para sair e ganhar dinheiro. Tive uma chance na série C, estava com 21 anos. Depois no Baiano na final contra o Colo-Colo, estava indo bem, fui classificando de fase na série C e chegou na última fase. O Mauro Fernandes assumiu em um jogo onde eu tinha sido expulso, aí o Emerson jogou no jogo seguinte e daí o Mauro continuou com o Emerson. Achei meio injusto, pois eu estava com uma sequência. Esperei uma oportunidade e só retornei no último jogo do octogonal. Estava feliz, comecei 2007 jogando bem e feliz, logo na terceira ou quarta rodada contra o Colo-Colo, que era um rival na época, empatamos em 2 a 2. Tínhamos um elenco sendo remontado, fui eleito o melhor em campo naquela partida, mas logo na volta contra o Atlético de Alagoinhas não fui bem, perdemos por 3 a 2 e o Mauro me tirou do time. Achei estranho e irresponsável da parte dele, parecia que estava querendo culpar alguém. Fiquei muito chateado e foi quando pensei em deixar o clube. Não me sentia reconhecido financeiramente e tecnicamente. Sendo jovem, tive a vontade de ir embora. Conversei com o Sinval e pedi a rescisão.

Arqueiro foi revelado pelo Leão | Foto: Arquivo pessoal 

Você se arrepende de ter saído naquele momento?

Me arrependo sim. Eu tinha discutido com o irmão do Mauro Fernandes, que era preparador de goleiros, aí foi que vi que não teria mais chances. Fui logo depois para a Ponte Preta, achei que teria mais oportunidades. Até no dia que fui assinar minha renovação com o Vitória para poder ser emprestado, o Givanildo estava sendo apresentado e por isso poderia ter tido oportunidades. Na Ponte, fui contratado para jogar no lugar do Aranha, que estava machucado. O Denis era reserva e nunca tinha jogado, mas ele atuou duas partidas antes de eu chegar e foi muito bem e acabou se destacando. O Nelsinho Baptista disse que tinha que esperar pois o menino tinha ido bem, com isso fiquei o ano todo sem jogar. Voltei para o Vitória, fui emprestado novamente, dessa vez para o Joinville, fiz um estadual muito bom lá e foi quando pedi a rescisão. Fui precipitado, se eu tivesse ficado no Vitória quando retornei do clube catarinense, poderia ter tido oportunidade. Tinha mais dois anos de contrato, mas a ansiedade do jovem em querer ser valorizado... Fui buscar essa valorização em outros clubes. Fui para a Portuguesa-SP, joguei a temporada de 2009 lá e depois comecei a rodar.

 

Ainda no Vitória, você acabou tendo a oportunidade de treinar no Barcelona, mas não foi liberado pelo clube baiano para continuar por lá. O que de fato aconteceu? Você guarda mágoa do Vitória por essa recusa? Aproveita para contar essa experiência de treinar naquele Barcelona, com Ronaldinho no auge.

Foi uma experiência incrível. Algumas atitudes sempre foram tomadas com base na minha ansiedade de ser valorizado. Em 2004 fui para o PSV “escondido” do Vitória, já que eu tinha contrato com o Vitória, tentei forçar uma situação. Aceitei na época uma proposta do empresário André Cury e fiz isso. Mas acabei retornando ao Vitória. Em 2006 sim o Vitória me liberou para um período de testes. O treinador do segundo time do Barcelona não achou que eu estava pronto naquele momento. Pude treinar uma vez com o Ronaldinho. Eu morava lá no alojamento e me chamaram para fazer um trabalho no profissional. Aceitei na hora. Me deparei com o Ronaldinho, que estava voltando de lesão, precisava fazer um trabalho específico de finalizações. Aí só estava eu, ele e o preparador físico. Estava todo mundo de folga e ele estava lá recuperando de lesão. Conversei um pouco com ele e no outro dia voltei a treinar no time B. Foi um exemplo para mim. Ele era o melhor do mundo e estava treinando em um dia de folga e isso foi importante. No jogo seguinte ele destruiu e fez dois gols. Depois de quase um mês o treinador de goleiros do time B me chamou e disse que não tinha interesse em relação a contrato. Mas para mim foi excelente. Pude ver que tinha condição de atuar em qualquer clube do Brasil. Não estava pronto naquela época. Voltei para jogar o Baiano com o Camaçari, me destaquei e aí sim tive oportunidade no Vitória de ser titular na Série C.

Vitor treinou com Ronaldinho no Barcelona | Foto: Arquivo pessoal 

Após um início promissor, além de ter chamado a atenção do Barça, você também chegou ao sub-20 da seleção brasileira, e com ótimas atuações. A falta de um bom empresário pode ter atrapalhado?

Tudo foi com a minha anuência, mas se eu tivesse um empresário com um pouco mais de pé no chão poderia ter sido diferente. André Cury é um cara influente, inclusive representante do Barcelona no Brasil. Mas naquele momento me atrapalhou um pouco, por querer algo rápido.

Goleiro se destacou nas divisões de base da Seleção | Foto: Arquivo pessoal 

Durante sua carreira você rodou por alguns clubes, mas sempre sem muitas oportunidades. Seu principal momento foi no Londrina entre 2014 e 2015. Como foi essa experiência no clube paranaense?

Fiquei ansioso para aparecer um clube de Série A, mas o empresário me pediu calma. Foi o clube onde tive minha maior sequência de jogos. Em todos os outros clubes eu não tive muito tempo para jogar. Lá eu pude trabalhar com o Claudio Tencati, ele me passou muita confiança e pude ficar tranquilo. Ele me contratou e me deu moral para isso. Substituí o Danilo, que era destaque do clube e acabou saindo para a Chapecoense. Fiquei com aquele peso. Mas encarei bem tranquilo, todo jogo tinha que matar um leão, mas logo o time encaixou e fomos campeões. Peguei pênalti na final e entrei para a história do clube, que estava há 22 anos sem ganhar um título Estadual. As coisas começaram a dar certo, fiquei bastante conhecido e renovei o contrato. Foram quase três anos. Tivemos uma sequência muito boa, comecei na Série D, subimos para a Série C. Também fomos campeões do interior no Paranaense. Na Série C fomos à final, fiquei sete jogos sem tomar gol, só fui tomar gol no jogo da volta. Fomos vice, mas fui eleito o melhor jogador do Campeonato Brasileiro da Série C.

O baiano tomou conta da meta do Londrina-PR | Foto: Arquivo pessoal 

Você já era adventista, mas naquela época acabou decidindo seguir de vez, né? Começou a guardar os sábados. Coincidiu de ser bem numa época de destaque e chamou atenção da Chapecoense. Ganharia mais e atuaria na elite do futebol brasileiro. No entanto, as negociações começaram a esfriar porque você não queria ir, muito por essa questão da religião. Com isso, seu contrato acabou no meio do ano seguinte e o Londrina não renovou. Como você enxerga esse episódio e por que você tomou essa decisão?

Como houve a proposta da Chapecoense, fiquei feliz, pois achei que eles iam aceitar. Conversei com o presidente e eles não concordaram com a minha condição. Fiquei triste. Resolvi me batizar e passei a guardar os sábados. Quando retornei de férias para o Londrina eles ficaram sem saber o que fazer, e não renovamos o contrato. O Tencati entendeu, o presidente também. Sentamos, fizemos uma conta das partidas que eu poderia participar, então vi que poderia continuar lá. Eu conversava com o Marcelo Rangel, que era o meu reserva, estávamos empolgados em revezarmos, mas a diretoria acabou não aceitando. Muitos atletas ficam sem jogar por lesão ou mau desempenho e continuam no grupo recebendo salário, mas o meu conceito de questão religiosa eles não entenderam. Respeitei a decisão, apesar de querer continuar no Londrina, pensava até em me aposentar lá. Gosto muito do clube e da estrutura.

 

Na sua chegada ao Olímpia, foi destacado que um dos motivos para você ter aceitado foi por só haver jogos aos domingos. Como você lida com essa situação na sua carreira?

Para mim foi uma oportunidade que caiu do céu. Para ser bem sincero eu nem esperava mais receber nenhuma oportunidade. Estive parado por 2 anos, tenho 34, além da questão da religião... Então fiquei muito feliz com o convite. É um projeto bem audacioso e bacana. Acabei aceitando o convite do treinador de goleiro que trabalhou comigo no Vitória. Eu vinha me preparando nesse tempo, voltei aos poucos e já estou ajudando ao clube. Estamos na liderança e tenho esperança de fazer o que fiz no Londrina, que é começar pela Série D e ir subindo.

 

Caso você recebesse uma proposta de um clube maior, mas tivesse que atuar aos sábados, ainda assim recusaria?

Pensaria, com certeza. Mas a condição é a mesma que foi com a Chapecoense. Se hoje aceitarem, tiverem uma cabeça diferente, me aceitarem como eu sou, é claro que darei sequência à minha carreira. Estava no auge no Londrina e hoje me sinto preparado para retomar e assumir qualquer equipe do Brasil. Respeito a minha crença, não mudei, então continuaria com essa condição. Não sou apenas um atleta, sou pai de família, ser humano, então não se contrata apenas o profissional. Quem for me contratar, vai me contratar como eu sou. Inclusive a minha experiência religiosa me ajudou bastante dentro de campo, melhorou minha concentração e a me sentir mais pronto.

 

Toda essa questão do arrependimento de ter saído cedo, de ter surgido lá, agora a chegada do Cláudio Tencati, que você conhece muito bem... Caso surja uma oportunidade de retornar ao Leão, você aceitaria?

Uma das coisas que sempre falava era que meu único arrependimento na carreira era não ter ficado mais tempo no Vitória. É muito cedo, ele chegou agora. Estão na Série B, então jogarão mais aos sábados, mas eu ficaria feliz com um possível convite. Mas claro, preciso focar aqui no Olímpia primeiro, que é onde estou. Na Europa se faz muito esse revezamento, os dois goleiros jogam. Mas é uma questão cultural, aqui no Brasil é diferente... Mas nunca se sabe, ficaria feliz, principalmente por ser aceito como eu sou. Se o Vitória respeitar, para mim será um sonho retornar ao clube que me formou. Se o Tencati tiver tempo, com certeza fará um belo trabalho, como fez no Londrina, onde ficou sete anos e subiu da Série B do Estadual, e chegou à Série B do Brasileiro. Espero que possa conseguir logo os resultados e coloque o Vitória no lugar que merece, que é a 1ª divisão.

Goleiro trabalho com Tencati no Londrina-PR | Foto: Arquivo pessoal 

O Olímpia é um clube novo e o projeto é conduzido por um jogador em atividade. Por isso, acaba às vezes sendo olhado de maneira diferente aos outros clubes. É realmente diferente?

Fiquei muito tempo fora do futebol da Bahia, não acompanhei muito... Mas fiz um amistoso contra o Bahia de Feira e achei bacana que eles estão bem estruturados e estão dando passos largos para crescer. Espero que isso aconteça com os outros clubes também, como aconteceu com o Londrina. Em relação ao Olímpia, o Talisca é um cara ousado, que está incentivando o esporte no estado. Talvez a imagem do clube para outras pessoas possa ser diferente por ter um jogador por trás. Os jogadores do Galícia acharam que a gente teria uma premiação caso vencesse eles, mas isso não acontece. A galera está ralando mesmo, com muito pé no chão e muita simplicidade. É um clube bem organizado e focado para subir o time. O que vejo diferente é só essa questão da imagem que o time tem muito dinheiro, mas não é isso. Eles se preocuparam em ter o valor humano, buscar as peças corretas para poder deixar o Olímpia mais forte. Eles garimparam muito bem.

Vitor é um dos mais experientes do Olímpia | Foto: Arquivo pessoal 

Você começou junto com o David Luiz e o Hulk, que também não tiveram tantas oportunidades no Leão. Você ainda tem contato com eles?

Tem alguns grupos de amigos que a gente participa... Eu falei com o David pela última vez na Copa das Confederações, fiz o contato com ele para ir lá no hotel. Tem muito tempo que falei com eles. Conversei bastante com ele antes do jogo contra a Itália, também falei com o Hulk nesse dia, mas depois acabamos perdendo mais o contato, porque vida de jogador é muito corrida.

O goleiro atuou começou a carreira ao lado de Hulk | Foto: Arquivo pessoal 

Vi que você tem um livro. Conta um pouco mais sobre ele. Ele aborda sua carreira toda?

É um livro autobiográfico. Decidi escrever um livro e ele ficou grande e acabei dividindo em dois volumes. Esse primeiro livro conta minha história de vida, minha carreira no Vitória, Barcelona... Alguns detalhes bem bacanas. Conto esse processo de mudança como homem, o batismo... Ficou bem legal. Coloquei algumas fotos também da minha carreira. Foi interessante, já vendi mais de cinco mil unidades. Estou satisfeito com o rumo que a minha vida tomou em pouco tempo. Além de jogador, virei palestrante, algo que eu não esperava. Gostei bastante dessa experiência. Se eu pudesse optaria em continuar jogando. Se eu puder continuar dando sequência, será bacana, até para poder encerrar a carreira de uma maneira normal, até porque minha saída acabou sendo interrompida. Continuarei trabalhando muito forte no Olímpia para conseguir os objetivos. Viajei muitos lugares no Brasil fazendo palestra. No esporte a gente aprende a ter valor, ter caráter e ter palavra. Então, tento passar isso de alguma maneira.

Goleiro palestrou pelo Brasil após lançamento de livro | Foto: Arquivo pessoal