Davidson pelo Mundo: Turismo da saudade - Quando a memória vira destino!
Em meio a tantas tendências que surgem e desaparecem na indústria do turismo — do bleisure ao turismo regenerativo —, há um movimento silencioso, mas poderoso, que cresce sem precisar de rótulos sofisticados: o Turismo da Saudade. Trata-se de viajar não apenas pelo inédito, mas pelo já vivido, retornar a um lugar da infância, revisitar a terra natal dos avós ou mesmo procurar experiências que remetam a tempos em que a vida parecia mais simples.
Esse fenômeno tem ganhado espaço sobretudo em tempos de hiperconexão e excesso de estímulos. Enquanto o marketing turístico insiste em vender novidades, há um público que valoriza justamente o contrário: a permanência, a tradição, o aconchego do que permanece igual. Cidades históricas do interior, hotéis que mantêm suas fachadas originais, restaurantes familiares que resistem às pressões de modernização — todos se tornam palco desse tipo de viagem.
Especialistas apontam que esse nicho dialoga com um valor cada vez mais demandado pelo viajante contemporâneo e autêntico. Não basta um destino ser belo, é preciso que ele seja verdadeiro, que carregue marcas de identidade e memória coletiva. O turismo da saudade, nesse sentido, questiona um modelo de promoção de destinos centrado apenas em novidades e grandes eventos.
No Brasil, exemplos não faltam. Cidades como Ouro Preto e Paraty exploram esse imaginário, preservando não só sua arquitetura, mas também modos de vida que remetem a outras épocas. Já no litoral, praias pouco urbanizadas ainda atraem aqueles que buscam resgatar o sabor das férias em família de décadas atrás. O mesmo acontece em povoados nordestinos, onde a música, a culinária e a religiosidade mantêm viva uma herança cultural que desperta afetos em quem retorna.
O desafio, no entanto, é duplo: como transformar a saudade em estratégia de promoção sem cair na armadilha da caricatura? Como oferecer experiências autênticas sem congelar as cidades no tempo ou transformá-las em cenários artificiais para turistas?
Mais do que nostalgia, o turismo da saudade pode ser um caminho de valorização da memória coletiva e de fortalecimento da identidade dos destinos. Cabe aos gestores públicos e empreendedores perceber que, muitas vezes, o futuro do turismo passa pela capacidade de revisitar e reinterpretar o passado.
O turismo da saudade não é só uma ideia poética: há cada vez mais evidências de que a memória, o desejo de reviver sentimentos e de vincular-se ao passado são fatores concretos de decisão no mundo das viagens.
Motivação baseada na nostalgia influencia intenção de retorno
Um estudo com turistas em Hue, Vietnã, um patrimônio mundial da UNESCO, investigou como emoções nostálgicas (sentimentos evocativos do passado) durante a visita influenciam não apenas a escolha do destino, mas atitudes posteriores, como o desejo de voltar (revisit intention) e o “boca a boca” (word-of-mouth). A nostalgia melhora a imagem do destino, e essa boa imagem está positivamente ligada a comportamentos de divulgação e sustentabilidade.
O estudo “Antecedents of nostalgia-related cultural tourism behavior: evidence from visitors to pharaonic treasures city (Luxor, Egito)” verificou que motivações autônomas (ligadas à identidade, raízes e pertencimento) fomentam a nostalgia cultural, que aumenta fortemente a intenção de retorno. Isso mostra que, em locais com patrimônio histórico forte, o turismo da saudade pode ser particularmente potente.
O artigo “Tourism, Culture and Memory: study of two World Heritage Sites in Brazil” analisa São Luís (Maranhão) e a Praça São Francisco, em São Cristóvão (Sergipe). Nele, percebe-se que locais reconhecidos pelo patrimônio mundial possuem valor de memória para moradores (identidade, pertencimento), além de serem potenciais atrativos turísticos que mexem exatamente com essas lembranças culturais. Em paralelo, o dado de mercado sobre o turismo de patrimônio (US$ 20,36 bi até 2033) mostra que não é só nostalgia individual, mas um fenômeno com impacto econômico relevante no Brasil.
Apesar de seu potencial, o turismo da saudade também enfrenta armadilhas e limites. O risco de romantização ou caricatura quando destinos investem em “nostalgia” como marketing: há o risco de reproduzir estereótipos, ignorar contradições históricas ou desvalorizar experiências autênticas em favor do imaginário simplificado.
A desigualdade na preservação em lugares de patrimônio muitas vezes carece de investimento. A nostalgia atrai turistas, mas, se a infraestrutura estiver precária ou se houver descuido com a conservação, a experiência pode frustrar o visitante, enfraquecendo o valor afetivo.
É difícil mensurar “memória”, “saudade”, “nostalgia” de forma objetiva. A pesquisa depende, muitas vezes, de entrevistas qualitativas ou de escalas subjetivas em questionários. Isso às vezes dificulta o uso de dados precisos para a tomada de decisão pública ou investimento privado.
Equilíbrio entre preservação e uso turístico — investir para que locais não se descaracterizem, cuidar para que o crescimento turístico preserve o patrimônio e respeite moradores.
Diversificação de públicos — adaptar o turismo da saudade para diferentes faixas etárias, inclusive jovens que não viveram os momentos passados, mas que podem se conectar por meio de memórias culturais, literárias, familiares.
O turismo da saudade é real, mensurável e tem tanto dimensão afetiva quanto econômica. As pesquisas recentes mostram que ele influencia a escolha de destinos, a intenção de retorno e até comportamentos sustentáveis. No Brasil, o mercado de turismo de patrimônio cresce, sinalizando que as pessoas estão dispostas a pagar para se reconectar com o passado.
Mas, para que essa onda produza efeitos positivos duradouros, é essencial que o turismo da saudade seja gerido com responsabilidade, preservando o patrimônio, respeitando identidades locais, equilibrando expectativa turística e realidade do destino, sem explorar a nostalgia de forma superficial.
Boa viagem!