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Desafio da PrEP na Bahia: Serviços superlotados e desconhecimento da própria vulnerabilidade afastam público-alvo

Por Ana Clara Pires

Desafio da PrEP na Bahia: Serviços superlotados e desconhecimento da própria vulnerabilidade afastam público-alvo
Foto: Ana Clara Pires / Bahia Notícias

O debate sobre prevenção ao HIV segue em constante evolução, especialmente diante da ampliação do acesso a estratégias como a Profilaxia Pré-Exposição (PrEP) e a Profilaxia Pós-Exposição (PEP). Para o infectologista Alessandro Henrique Tavares, do Centro Estadual Especializado em Diagnóstico, Assistência e Pesquisa (Cedap), a compreensão correta dessas ferramentas é decisiva para reduzir novas infecções. Ele explica que, embora ambas sejam voltadas à prevenção, elas atuam em momentos distintos e exigem critérios específicos, principalmente a testagem negativa para HIV antes do início dos medicamentos.

 


Médico infectologista Alessandro Henrique Tavares

 

Segundo o especialista, a PrEP é destinada a pessoas que estão sob risco de adquirir o vírus, mas que não tiveram uma exposição recente. Já a PEP é indicada após uma situação concreta de risco, ocorrida em até 72 horas, seja por um acidente ocupacional envolvendo material biológico, seja por uma relação sexual sem preservativo, rompimento da camisinha ou qualquer exposição não planejada. O esquema da PEP é semelhante ao tratamento utilizado por pessoas que vivem com HIV, dura 28 dias e deve ser iniciado o mais rapidamente possível. Ambos os métodos, destaca ele, têm sua eficácia condicionada a um teste negativo de HIV antes do início, condição obrigatória para evitar erros diagnósticos e garantir que a pessoa seja direcionada ao cuidado adequado.

 

Um ponto que desperta frequentes discussões é a ideia de que a PrEP estimularia o abandono do uso da camisinha. Alessandro Tavares rebate essa interpretação, ressaltando que se trata de uma percepção mais cultural do que científica. Ele cita um estudo envolvendo mais de 9 mil participantes, no Brasil e no México, que avaliou o comportamento sexual de pessoas antes e depois de iniciarem a PrEP. Os resultados mostram que não houve redução significativa no uso de preservativos atribuída ao início da medicação. Pelo contrário: há perfis variados de usuários, incluindo pessoas que mantêm o uso regular da camisinha, pessoas que passam a usar mais e aquelas que já não utilizavam antes e veem na PrEP uma alternativa dentro da chamada “mandala de prevenção”.

 

Essa mandala, explica o médico, reúne um conjunto de estratégias complementares e igualmente importantes uso de preservativos, PEP, PrEP, testagem constante, tratamento de infecções sexualmente transmissíveis, vacinação contra hepatite B e HPV, além do tratamento adequado das pessoas que vivem com HIV. A combinação dessas medidas é que fortalece a proteção individual e coletiva. Ao iniciar o acompanhamento de alguém interessado em PrEP, a equipe de saúde discute todos esses elementos com o paciente, entendendo hábitos, comportamentos e eventuais vulnerabilidades, já que o uso ou não de camisinha de forma consistente é um dos indicadores de risco que orientam a oferta da profilaxia.

 

O processo de acompanhamento das pessoas que utilizam PrEP segue um protocolo específico. Após o primeiro atendimento, no qual são avaliados critérios de elegibilidade, outras possíveis infecções e contraindicações, o paciente retorna em 30 dias. Esta consulta é fundamental para fechar a chamada janela imunológica, período em que um teste pode dar falso negativo caso a pessoa tenha adquirido HIV há poucos dias. A partir daí, os retornos passam a ser trimestrais e, depois de um ano, para usuários que seguem corretamente o esquema e mantêm regularidade nas consultas, o acompanhamento torna-se semestral. Durante toda a trajetória, outras infecções sexualmente transmissíveis também são monitoradas, assim como eventuais efeitos colaterais dos medicamentos.

 

Caso o teste inicial seja positivo, algo que ocorre com certa frequência, já que muitas pessoas chegam para pedir PrEP sem saber que foram infectadas recentemente, o fluxo muda completamente. Nesse cenário, a prioridade passa a ser o início imediato do tratamento para HIV, ainda no mesmo dia, seguido da vinculação a um serviço especializado. O Cedap, por ser o maior serviço do estado, foca preferencialmente nos pacientes mais complexos, enquanto pessoas assintomáticas costumam ser encaminhadas para os Serviços de Atendimento Especializados (SAE) municipais, garantindo capilaridade no cuidado.

 

A procura pela PrEP tem crescido significativamente na Bahia, mas ainda está longe de atender a todos que poderiam se beneficiar dela. De acordo com Tavares, a demanda supera a capacidade atual dos serviços, apesar dos esforços constantes de expansão e capacitação de novas unidades. Estima-se que menos de 20% do público elegível esteja em uso da profilaxia, percentual muito inferior ao de cidades que são referência mundial, como Sydney e Nova York. Ele destaca que o principal grupo elegível compreende pessoas sexualmente ativas sem parceria fixa e que não usam camisinha de forma consistente, um recorte que representa um universo populacional muito amplo. A dificuldade, contudo, não está apenas na oferta limitada, mas também no desconhecimento e na percepção equivocada sobre a própria vulnerabilidade, muitas dessas pessoas não se reconhecem como estando sob risco.

 

Os preconceitos também influenciam. Ainda há quem associe o uso de PrEP a promiscuidade, o que afasta muitos potenciais usuários. A recomendação dos especialistas, no entanto, é que pouco importa o número de parceiros; o que importa é se a pessoa está ou não em uma situação que pode levá-la a adquirir o HIV e se não há contraindicações ao medicamento. A atenção é ainda maior para grupos historicamente mais vulneráveis, como homens que fazem sexo com homens, pessoas trans, trabalhadores do sexo, usuários de drogas, população privada de liberdade e jovens abaixo de 30 anos, faixa etária em que a infecção por HIV mais progride no Brasil.

 

Outra questão abordada pelo médico é a importância do diagnóstico precoce. Assim como ocorre em diversas doenças crônicas, identificar o HIV cedo garante um tratamento mais simples, maior preservação da saúde e melhor qualidade de vida a longo prazo. Embora não exista cura disponível para a população em geral, iniciar o tratamento rapidamente reduz processos inflamatórios, evita complicações e permite que a pessoa viva toda a vida sem adoecer por causa do vírus. Além disso, um diagnóstico rápido interrompe a cadeia de transmissão. Uma pessoa que passa anos sem saber que vive com HIV está, durante todo esse período, potencialmente transmitindo o vírus. Por outro lado, se ela é diagnosticada em meses, a redução desse impacto comunitário é imensa.

 

As campanhas de prevenção e testagem seguem essenciais, e embora o Cedap esteja aberto a todos os usuários, suas ações externas ainda se concentram em grandes mobilizações, como o “Fique Sabendo” e as iniciativas que ocorrem no período do Carnaval. A busca ativa em ambientes específicos, como locais de trabalho sexual ou presídios, ainda não é rotineira no serviço, mas o tema já está presente em discussões de política pública mais amplas. O centro, entretanto, conta com iniciativas importantes, como o ambulatório trans, que busca oferecer atendimento multidisciplinar e acolhimento especializado, garantindo que essa população, frequentemente alvo de estigma, possa acessar prevenção e tratamento de forma mais segura e digna.

 

Tavares resume o trabalho do Cedap como um compromisso contínuo de ampliar a prevenção, combater o preconceito, fortalecer o diagnóstico precoce e garantir que todas as pessoas, independentemente de origem, comportamento ou identidade, possam acessar as ferramentas disponíveis para evitar ou tratar o HIV. Conforme o especialista, ainda há muitos desafios pela frente, mas a ampliação do debate e a circulação de informação qualificada são passos fundamentais para que mais pessoas reconheçam riscos, busquem cuidado e rompam barreiras históricas que ainda afastam grande parte da população dos serviços de saúde.