Bahia paga mais de R$ 21,5 mi para governo cubano custear "bolsas de estudos" em medicina
Por Victor Hernandes / Fernando Duarte / Leonardo Almeida
O governo do estado fará um investimento de R$ 21.584.142,90 (R$ 21,5 milhões) para custear os estudos de 60 alunos baianos de baixa renda na Escola Latino-Americana de Medicina (Elam), em Cuba, com o valor sendo pago ao governo cubano, segundo informações obtidas pelo Bahia Notícias. O edital de seleção dos estudantes foi publicado pela Secretaria de Saúde da Bahia (Sesab) na terça-feira (11), dando preferência para residentes da zona rural do estado.
A quantia de R$ 21,5 milhões será paga em parcelas anuais ao longo dos seis anos e meio de curso dos alunos selecionados para estudar em Cuba. O montante, em média, corresponde a um investimento de R$ 360 mil por estudante. Vale destacar que, conforme a Sesab, os valores preveem a cobertura integral de custos, incluindo matrícula, hospedagem, alimentação e, claro, a bolsa de estudos.
O Bahia Notícias apurou, por meio de fontes oficiais da Escola Latino-Americana de Medicina, que, em 2024, o custo do curso para não bolsistas girava em torno de US$ 57,4 mil (R$ 303 mil na cotação atual), incluindo todas as mensalidades e o “curso pré-médico”. Além disso, a hospedagem na residência universitária tem uma diária de US$ 6,85 (R$ 36), contando com a alimentação “típica da culinária cubana”, segundo a Elam. Levando em consideração a duração do curso de seis anos e meio e o valor do estudo autofinanciado, o governo da Bahia gastaria, na verdade, R$ 23,2 milhões.
O edital da Sesab com o governo cubano se deu em cooperação técnica com a Organização dos Estados Ibero-Americanos (OEI), com o processo de seleção ficando a cargo da Universidade do Estado da Bahia (Uneb). Segundo a Secretaria, como “retribuição”, após os alunos validarem o diploma no Brasil, terão que, obrigatoriamente, atuar, no mínimo, por dois anos em regiões de difícil acesso e com carência de profissionais, na zona rural da Bahia.
O edital estabelece que a seleção observará normas e critérios voltados ao intercâmbio acadêmico-científico em Cuba, com foco na formação para atuação em áreas rurais e de vazio assistencial no interior da Bahia. O processo será composto por três etapas/fases, de caráter eliminatório e classificatório, sob responsabilidade da Uneb.
REQUISITOS
Entre as exigências listadas estão:
- Ser brasileiro(a), com preferência para residentes em área rural da Bahia;
- Ter concluído o ensino médio até a data da inscrição;
- Ter cursado, preferencialmente, o segundo ciclo do ensino fundamental e o ensino médio em estabelecimento da rede pública (admite-se, preferencialmente, conclusão do ensino médio por Exames Supletivos ou equivalente);
- Ter 18 anos completos até a inscrição;
- Possuir passaporte válido;
- Comprovar trajetória de participação comunitária e/ou atuação social, por meio de Carta de Recomendação de Movimento Social;
- Assumir compromisso formal de atuação por, no mínimo, dois anos nas condições definidas após a validação do diploma;
- Declarar-se pessoa de baixa renda, nos termos da legislação, abrangendo famílias com renda per capita de até ½ salário-mínimo ou, se superior, beneficiárias de programas sociais destinados a serviços públicos específicos.
A ELAM
A Escola Latino-Americana de Medicina (Elam) foi fundada a 15 de novembro de 1999 pelo líder da Revolução Cubana, Fidel Castro. O então presidente de Cuba criou a instituição para oferecer educação gratuita a jovens de nações pobres da América Central e do Caribe atingidas pelos furacões Mitch (1998) e Georges (1998). Segundo o site da Elam, até o momento, já se formaram mais de 30 mil alunos de 120 países.
MAIS MÉDICOS
Ainda na temática entre Brasil-Cuba-Medicina, há o Programa Mais Médicos, criado em 2013 durante o governo Dilma Rousseff, o qual pretendia levar profissionais de saúde a regiões do Brasil com escassez de atendimento. No entanto, a parceria firmada entre o Brasil, a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) e o governo de Cuba se tornou um dos pontos mais polêmicos da iniciativa.
Pelo acordo, o governo brasileiro repassava os valores à Opas, que, por sua vez, transferia o dinheiro ao governo cubano. Cabia a Havana enviar os médicos e definir quanto cada um receberia. Estimativas indicavam que apenas entre 25% e 40% do total pago pelo Brasil chegava aos profissionais, enquanto o restante ficava com o Estado cubano. Uma reportagem da Folha de S.Paulo, de 2013, apontou que o regime cubano, na verdade, recebia até 75% dos vencimentos.
Parlamentares do espectro da direita e entidades de classe apontavam que os médicos cubanos não tinham vínculo direto com o governo brasileiro, o que levantava questionamentos sobre a legalidade trabalhista do modelo. O arranjo também foi acusado de beneficiar financeiramente o regime cubano, e não os profissionais de saúde.
A intermediação da Opas foi outro alvo de questionamentos. Investigações do Tribunal de Contas da União (TCU) e do Ministério Público Federal apuraram se o modelo configurava desvio de recursos ou violação de direitos trabalhistas. Em 2017, o TCU revelou dados que comprovam a eficácia do Mais Médicos, mas fez determinações ao Ministério da Saúde no “sentido de corrigir falhas e dar mais transparência aos repasses financeiros” feitos à Opas.
Com o avanço das críticas, o então deputado federal Jair Bolsonaro fez do tema uma de suas principais bandeiras durante a campanha presidencial de 2018. Após ser eleito, ele afirmou que os cubanos deveriam receber diretamente do governo brasileiro e comprovar revalidação do diploma. Em resposta, o governo de Cuba anunciou a retirada de mais de 8 mil médicos do programa, alegando declarações “desrespeitosas e inaceitáveis” do presidente eleito.
