Luto patológico não acontece só em situações de morte; saiba identificar
Por Gabriela Icó
Tão certo e natural como o envolvimento sentimental durante a vida, é o luto: a dor da perda por algo ou alguém estimado. Porém esse sentimento, natural e proporcional ao afeto, pode se tornar patológico e causar danos à estrutura da rotina. Psicanalista, professor e especialista em saúde mental, Thiago Vinícius de Oliveira explica que o luto não acontece somente após uma morte. Pode acontecer após a perda de um cargo ou de um relacionamento, por exemplo.
“Desde o momento que a gente se separa de um amigo na escola ou passa de ano e muda tudo, já traz uma sensação de luto. O que diferencia a relevância da perda é o aspecto simbólico e a afetividade", explica o especialista. Thiago menciona que o luto patológico pós-relacionamento amoroso é o mais frequente entre os pacientes. “Costumo dizer que é o mais doloroso, porque é o luto do sujeito vivo”, opina.
O luto normal passa por cinco estágios: a negação ou isolamento; raiva; barganha (quando começam a ser desenvolvidas crenças ou estratégias para lidar com a dor); depressão e aceitação. Embora o luto seja um período difícil, é considerado um estágio necessário pelo psicanalista. "Sempre estamos perdendo alguma coisa: os dentes, a juventude, o emprego, o relacionamento amoroso, os amigos... Então, esse momento é preciso para entender o que foi perdido e aprender a lidar com essas perdas, para que as próximas não sejam tão dolorosas", conta.
Não há um período de duração ideal para o luto normal. "Isso depende muito de cada sujeito. Do estilo de vida ou das estratégias que ele vai desenvolver para atravessar esse momento". Thiago aponta, contudo, a importância da preservação da saúde mental. "Certamente esse luto vai ser mais rápido para uma pessoa ativa, que trabalha, tem filho e, consequentemente, o cotidiano muito intenso. Já para alguém menos ativo, que não se cuida ou não pensa no próprio bem-estar, o luto pode demorar mais", explica. Por isso, o psicanalista reforça a importância do acompanhamento psicológico durante o momento e aponta a atividade física como uma aliada da superação.
Segundo o especialista, a pandemia agravou as situações de luto patológico. "Perdemos a liberdade, os empregos, a segurança para abraçar quem amamos... perdemos tudo. Foi uma reorganização do nosso modelo de vida". Entre março e agosto de 2020, surgiram 53 milhões de novos casos de depressão e mais 76 milhões de casos de ansiedade, segundo um artigo publicado na revista científica The Lancet. Além disso, houve uma demanda reprimida de 471 mil atendimentos no SUS durante esses primeiros meses da pandemia no Brasil.
O alerta para luto patológico deve ser ligado quando a situação começa a afetar o cotidiano e a comprometer as relações durante um longo tempo. Como, por exemplo, quando atinge o rendimento no trabalho, o cuidado com os filhos ou tarefas da rotina. Thiago conta que, geralmente, o luto patológico está acompanhado de outras patologias ou doenças, como a depressão. E indica cuidado frequente com a saúde mental. “Não esperar a situação acontecer ou fazer esperando que aconteça. A gente tem que fazer para se conhecer e aprender a lidar melhor com os fatos da vida”.
Nos casos em que o luto se torna anormal, é preciso buscar um psiquiatra. “Ele vai fazer a análise dos sintomas, identificar se há outras patologias que também precisam ser tratadas e prescrever medicações adequadas”, detalha o psicanalista. Depois, o acompanhamento também deve ser continuado por um psicólogo. “A partir desse momento, esse profissional entra com o trabalho da conversa, da análise... para fazer o sujeito analisar esse luto”.