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Após surto em 2015, crianças com microcefalia chegam à idade escolar com desafio de inclusão

Por Renata Farias

Após surto em 2015, crianças com microcefalia chegam à idade escolar com desafio de inclusão
Diana na escola com a filha, Rayssa | Foto: Arquivo pessoal

O Ministério da Educação define que, aos quatro anos, a criança deve estar matriculada na primeira etapa da educação básica, o ensino infantil. No entanto, essa não é a realidade de Rayssa, 4.

 

Sua mãe, Diana Oliveira, teve duas tentativas frustradas de inserir a filha na rede municipal de ensino. Isso por conta da ineficiência no processo de inclusão das crianças vítimas do surto de microcefalia que atingiu o Brasil a partir de outubro de 2015.

 

“Eu tentei matricular ela em uma escola no Candeal, no ano passado. Fui contemplada, só que chegando lá a diretora não estava muito animada para recebê-la, disse que não tinha estrutura, colocou muitas dificuldades. Eu desisti e nem finalizei a matricula”, contou Diana ao Bahia Notícias.

 

Na segunda tentativa, já neste ano, a recepção foi muito positiva por parte da diretora e de todos os funcionários da escola. Ainda assim, a estrutura oferecida não foi suficiente para atender às necessidades de Rayssa.

 

“Matriculei ela em uma escola municipal na Amaralina. Quando fui levar a documentação, a diretora me recebeu muito bem, mas ficou preocupada pela falta de estrutura. O elevador não estava funcionando, mas ela disse que entraria em contato com a secretaria para manutenção e para solicitar a ADI [auxiliar de desenvolvimento infantil]. Junto com a minha filha, estavam entrando mais umas quatro crianças com microcefalia na escola”.

 

Com uma sala no sexto andar do prédio, Diana precisava carregar a filha dentro da instituição. Além disso, a ausência de uma auxiliar especializada fazia com que a mãe tivesse que permanecer em sala de aula com Rayssa, das 13h30 às 17h. Devido a problemas de saúde, relacionados ao excesso de esforço físico nessa nova rotina, ela se viu obrigada a tirar a filha da escola.

 

O drama vivido por Diana se repete entre a maior parte dos familiares de crianças com a chamada Síndrome da Zika Congênita. De acordo com Mila Mendonça, fundadora da ONG Abraço à Microcefalia, muitas mães já se queixam da ausência de políticas inclusivas nas escolas e creches de Salvador, especialmente no caso da rede municipal de ensino.

 

“A demanda mais importante que viabiliza a permanência da criança na escola é o Atendimento Educacional Especializado (AEE). Todas as nossas crianças precisam de um acompanhante que fique com elas o tempo inteiro. A lei prevê isso, que a escola forneça esse assistente individualizado”, explicou.

 

Dados da Secretaria Municipal de Educação (Smed) mostram que há 33 alunos com a má formação matriculados na rede pública de Salvador. A busca por essas vagas só tende a aumentar, à medida que as crianças com microcefalia atingem a idade escolar.

 

De acordo com a Secretaria da Saúde da Bahia (Sesab), entre outubro de 2015 e julho de 2018, o estado notificou 1.840 casos da má formação. Apenas na capital, foram 270 crianças.

 

Pesquisas apontam que os bebês afetados pela Síndrome da Zika Congênita podem apresentar, além da microcefalia, lesões cerebrais, problemas oftalmológicos e nas articulações, surdez, dificuldade para se alimentar e outras alterações. A doença está associada à infecção pelo Zika durante a gestação.

 

TRATAMENTO ESPECIALIZADO

O Centro Estadual para Reabilitação de Deficiências (Cepred) é uma das unidades de saúde de Salvador onde as crianças recebem tratamento. O atendimento é feito por uma equipe multidisciplinar – fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional, fisioterapeuta, psicólogo e assistente social. Com a proximidade da idade escolar das crianças, os pais são incentivados pelos profissionais a buscar uma instituição de ensino.

 

“A gente tem direcionado o trabalho de orientação aos familiares a respeito desse processo de inclusão, quais são os direitos deles, os deveres das escolas, a partir de que idade a criança tem perfil de entrar na escola, quais são os tipos de recurso de adaptação, se será necessário um auxiliar para a criança. A gente orienta para todo esse processo de adaptação”, afirmou a fonoaudióloga Paula Moraes.

 

Mesmo com o tratamento, a profissional explicou que as crianças ainda apresentam déficit motor muito grande e, em alguns casos, é possível se observar atraso cognitivo e na fala. Paula também relatou um grande número de queixas das famílias com relação às escolas. Nesse sentido, o Cepred também tem papel fundamental de orientação.

 

“A gente oferece para a família e a escola esse suporte. A gente tem o contato com a coordenação ou professores. Quando há necessidade, eles acionam a gente. O Cepred também dá recursos, como cadeira de rodas, mesas, órteses... As crianças podem ir para a escola com esses equipamentos”, acrescentou.

 

EXPECTATIVA X REALIDADE

Mesmo com muitas reclamações, ainda há histórias positivas. O Centro Municipal de Educação Infantil Hélcio Trigueiro foi uma das unidades elogiadas por mães da ONG Abraço à Microcefalia. De acordo com a diretora, Cléria Silva, duas crianças com a má formação estão matriculadas e recebem toda a atenção necessária.

 

“A escola não foca na limitação da criança, mas no potencial, no que ela consegue desenvolver”, disse a gestora. “Assim que indiquei para a Secretaria de Educação que a criança era portadora de necessidade especial e microcefalia, foi enviada uma Auxiliar de Desenvolvimento Infantil”.

 

Isso deveria acontecer em todos os casos, como afirmou a própria Smed em nota. “A Gerência Regional de Educação (GRE) envia a solicitação de ADI, juntamente com o laudo médico, para o órgão central, onde será analisado”. A secretaria acrescentou que a rede municipal conta com 518 auxiliares de desenvolvimento infantil que atuam com alunos com deficiência.

 

No entanto, a situação de Rayssa é um exemplo de que a realidade não é tão simples. Desde a matrícula, em janeiro, foi solicitado um ADI. Diana Oliveira contou ao Bahia Notícias que o próprio secretário municipal da Educação, Bruno Barral, visitou a escola, em maio, e prometeu resolver todos os problemas notificados. Até hoje, as mães esperam uma solução.