Avanços na medicina possibilitam aos portadores de psoríase uma vida sem a doença
Há mais de 40 anos trabalhando em uma das duas unidades de referência no tratamento de pacientes com psoríase da capital baiana, a médica Vitória Rêgo já viu de perto muitas histórias e comprovações de que a doença, carregada de estigmas e implicações na qualidade de vida, pode sim não ser uma realidade cotidiana na vida dos pacientes.
"É uma doença que muitas vezes precisa de um acompanhamento multidisciplinar. Assim, a gente fala que atualmente o paciente não precisa viver mais com psoríase. Nossa missão é que a gente possa controlar naquele paciente a doença", explica ao Bahia Notícias.
Responsável pelo Serviço de Dermatologia do Ambulatório do Hospital Universitário Professor Edgard Santos (HUPES), unidade pública da capital baiana ligada ao Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), a profissional conta que viu de perto "o quanto evoluiu o tratamento da psoríase". "Antes não tinha nada e hoje o quanto a gente pode fazer pelo doente".
O setor comandado por Vitória é ligado à Universidade Federal da Bahia (UFBA), instituição de ensino onde Vitória Rego leciona e lidera ações de pesquisa e extensão na área da dermatologia.
No Brasil, de acordo com dados da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), cerca de 3 milhões de pessoas vivem com a doença inflamatória, que pode provocar lesões em diversas partes do corpo, como mãos, couro cabeludo, pés e unhas. Em todo mundo, estima-se que 190 milhões de indivíduos tenham alguma forma da psoríase.
Ela não tem cura, como afirma a entrevistada, mas o acompanhamento multidisciplinar pode fazer com que os sinais desapareçam e as implicações negativas na qualidade de vida e nas relações sociais, causadas pelo estigma, sejam reduzidas. A psoríase é de origem genética e pode acometer todos os públicos, sendo mais comum entre os 20 e 40 anos e entre 50 e 70 anos.
Estima-se que apenas 5% dos pacientes acometidos esteja em tratamento. Para Vitória, o Dia Mundial e Nacional da Psoríase, celebrado neste sábado (30) é uma oportunidade que "serve para que as pessoas se atentem para algo que até muito pouco tempo atrás era alvo de preconceito", que há tratamento e o problema é controlável.
Qual é o perfil dos pacientes com psoríase atendidos pelo Serviço de Dermatologia do Ambulatório Magalhães Neto?
O ambulatório de psoríase do Hospital Universitário Professor Edgard Santos é uma unidade de referência em psoríase para o estado da Bahia. Então a gente tem um volume muito grande de pacientes. Estimamos que hoje a gente tenha cerca de 800 pacientes matriculados. A gente tem um ambulatório que funciona na quarta-feira, de manhã e de tarde, para onde são drenados os pacientes, normalmente, com maior gravidade, no sentido da extensão da doença. O perfil de atendimento é de pacientes com formas mais exuberantes da doença. Atendemos cerca de 50 pacientes por semana, sendo que cada um deles retorna para o atendimento num intervalo de dois a três meses, mas isso vai depender do tratamento que ele faz ou da medicação que ele usa.
Qual a incidência dessa doença hoje no Brasil? Há algum fator atenuante para ela?
A psoríase, na verdade, é uma doença genética com fatores ambientais e associada com outras doenças pode haver uma piora. Há hoje um aumento da incidência porque aumentou-se o conhecimento sobre ela. Estima-se que cerca de 1% a 3% da população mundial seja portadora da doença.
Ela é mais recorrente em alguma faixa etária específica ou atinge todos os públicos?
Ela atinge todos os públicos, mas ela é muito mais frequente entre o adulto jovem, em pessoas com idade entre 20 e 40 anos, e entre a faixa que vai dos 50 aos 70 anos. É bem rara na infância e na terceira idade. Ela tem um caráter genético, mas não é hereditária. O paciente pode não nascer com psoaríase - e a maioria não nasce mesmo -, no entanto, a grande maioria tem um histórico familiar.
Quais são os cuidados que um paciente deve ter durante esse processo de tratamento?
Ela é uma doença inflamatória que acomete a pele e as articulações. As características principais são as placas vermelhas descamativas, que são tímidas às vezes. Temos diagnósticos diferenciais que, como eu disse, podem envolver também as articulações. O paciente com comorbidades, doenças cardiovasculares e com sobrepeso podem ter um agravamento do quadro. A gente tem um arsenal terapêutico enorme para tratar o paciente com psoríase. São métodos que vão desde a forma leve da doença, que você usa medicamentos locais, injetáveis,fototerapia, toda orientação do paciente em relação a qualidade de vida, exposição solar, atividade física, a parte lúdica da vida, remédios para as formas mais exuberantes e tudo mais. É uma doença que muitas vezes precisa de um acompanhamento multidiscplinar. Assim, a gente fala que atualmente o paciente não precisa viver mais com psoríase. Nossa missão é que a gente possa controlar naquele paciente a doença.
Além do Magalhães Neto, no sistema público de saúde baiano, quais é a estrutura disponível para o atendimento de portadores da psoríase?
Em Salvador, o paciente com psoríase vai ter na atenção básica o atendimento inicial. Por ser um hospital terciário, o nosso hospital não funciona no formato "porta aberta". O paciente com suspeita de qualquer doença de pele faz a consulta, geralmente, com médicos que não são especialistas. Sendo diagnosticada a doença que precisa de acompanhamento no HUPES eles são regulados. A partir do momento que é direcionado para lá, ele vai ter um acompanhamento completo da doença. Temos todas as opções de tratamento e a disponibilidade de prescrever todo o arsenal. Os pacientes com a forma leve da doença podem ser tratados na própria Unidade Básica de Saúde (UBS), sem necessidade de ser encaminhado para o Hospital das Clínicas. A gente tem dois serviços especializados no tratamento das formas mais graves da psoríase em Salvador, o HUPES e o Santa Izabel.
Quais são as implicações da psoríase na vida da pessoa e como ela se manifesta?
As lesões são predominantes no cotovelo, joelho, couro cabeludo. São várias formas, como a palmoplantar (nas mãos e nos pés). Existem pacientes que só tem no couro cabeludo, pacientes que só têm lesões nas unhas. Mas ela pode se manifestar no corpo inteiro, inclusive ao mesmo tempo, que é a o que a gente chama de prodrômico, que é uma das formas mais graves. Pode ser que uma pessoa tenha uma lesãozinha no cotovelo a vida toda e nunca tenha se preocupado em tratar.
O maior problema da psóriase é o impacto na qualidade de vida das pessoas, porque quando você tem uma doença de pele as pessoas acham que é contagiosa e não querem chegar perto. Às vezes coça, então o paciente fica se coçando. Ou é uma área exposta, que as pessoas veem em perguntam. Fora isso, muitas vezes acontecem implicações na vida afetiva e nas relações sociais. Fazemos toda uma orientação quanto a isso, através de psicoterapia, até para que a pessoa aceite a doença. Algumas doenças de pele você trata o paciente, outras você trata o acometimento. Quando se tem uma micose, você passa uma pomadinha e em 20 dias você vai ficar bem. Com a psoaríase não é assim, você trata o paciente. Porque, apesar de ser uma só doença, ela se comporta de maneiras diversas, tem várias formas e o próprio paciente também se comporta de modo diferente. Alguns pacientes que mesmo fazendo uso de medicações mais novas não têm uma boa resposta.
Você falou sobre o avanço nas medicações e nos tratamentos. Qual é o custo disso e quais as respostas possíveis após esse progresso "farmoterapeutico"?
Mesmo os fármacos mais novos, que são os biológicos que a gente chama, que atuam na cadeia inflamatória. Mesmo com eles, não quer dizer que a doença vai ficar controlada, porque tem paciente que começa com um e perde a resposta, faz com outro e perde a resposta. Tem tudo isso. São medicamentos que você vai usar para a vida toda, são de alto custo e precisam que o Sistema Único de Saúde (SUS) ou os convênios banquem. Uma terapia biológica pode custar, R$ 5 mil reais, uma ampola, a cada 15 dias de uso. Sem dúvidas, hoje, o paciente com psoríase tem um cenário, vamos dizer assim, mais iluminado com relação ao tratamento que era disponível há dez anos atrás.
De onde vem esse Dia Nacional e Mundial da Psoríase?
Acho que, como outras doenças, a exemplo da dermatite atópica, que a gente também está celebrando agora o mês mundial, e a epidermólise bolhosa, que é altamente estigmatizante, há uma necessidade de se chamar a atenção para a psoríase. São doenças que as pessoas não sabem que não são contagiosas. Um dia nacional e mundial de conscientização serve para que as pessoas se atentem para algo que até muito pouco tempo atrás era alvo de preconceito. É uma data para mostrar que podemos abraçar alguem com psoríase, que há tratamento e uma disponibilidade de medicamento, e que ela é uma doença controlada.
Você falou dessa trajetória no Serviço de Dermatologia e do acompanhamento cotidiano da doença enquanto profissional. O que viu ao longo desse tempo?
Trabalho na UFBA há exatamente 42 anos. Sou professora na universidade, sou chefe do Serviço de Dermatologia, então a gente consegue acompanhar de perto o quanto evoluiu o tratamento da psoríase. Antes não tinha nada e hoje o quanto a gente pode fazer pelo doente. E, como qualquer doença de pele, acho que isso é importante, é essencial o acolhimento do paciente. Só temos doenças graves no HUPES. Ao todo, são nove turnos de ambulatório. Não de psoríase, mas de diversas complicações. Nenhum delas é de porta aberta. As doenças leves não conseguem nem chegar no hospital. A gente prima, que para que esses pacientes, até pela dificuldade de chegar, sejam acolhidos e tratados - sempre que possível, porque nem sempre conseguimos. Mas estamos lá, com uma equipe, para e encolver, aconher e mostrar. Sempre falo, temos pacientes hoje que estão sem nenhum sinal da psoríase - assim como temos de outras doenças - e que são acompanhados o tempo todo porque às vezes se desestabilizam, o estresse está alto. O emocional é um ponto importante para a psoaríase, pode ser um gatilho de piora, da mesma maneira que a obesidade ou o uso de algum medicamento também são. Ao longo desse tempo de existência do ambulatório participamos também de diversas pesquisas sobre psoríase.
