'Setembro Verde' surge a fim de convocar a sociedade para participar da doação de órgãos
Cerca de 7,4 mil brasileiros desempenharam o papel de doadores de órgãos no ano passado. Para aumentar o número de pessoas e/ou famílias a terem essa mesma iniciativa, durante todo este mês é celebrado o mês de conscientização para a doação de órgãos, células e tecidos, o "Setembro Verde".
Para falar sobre esse assunto, o Bahia Notícias conversou com Eraldo Salustiano de Moura, cirurgião e responsável pela Coordenação do Sistema Estadual de Transplantes (Coset).
O órgão, subordinado à Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab), possui uma estrutura organizacional complexa, a qual compreende a Coordenação do Sistema Estadual de Transplantes, a Central de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos e Tecidos (CET) e as Organizações de Procura de Órgãos.
É a Coset que tem competência sobre a coordenação da política de transplantes no estado, supervisionando as atividades, planejando, gerenciando, executando, acompanhando e fiscalizando as ações e condições para a a retirada de órgãos, partes e tecidos do corpo humano para fins de transplantes ou enxertos.
Ao site, o médico ressaltou a necessidade, não somente do mês, como a criação do Dia Nacional, comemorado nesta terça-feira (27). Para ele, é necessário que mais pessoas se conscientizem sobre o processo de doação, assim como a oportunidade serve como um passo para a disseminação de conhecimento e informação.
"Com o desenvolvimento da medicina, cada vez mais, a gente consegue que muitas doenças possam ser tratadas com transplante. As leucemias, por exemplo, que não respondem ao tratamento de quimioterapia, radioterapia, os linfomas, que não respondem a esse tratamento, hoje é permitido que pessoas com essas condições voltem a ter sua vida normal", destacou o entrevistado.
Ele também explicou sobre a dinâmica de funcionamento do serviço público, a essencialidade do Sistema Único de Saúde (SUS) e outros aspectos da evolução científica ao longo dos últimos 30 anos.
Coordenador, de onde surge a necessidade de se criar uma data para a conscientização sobre a doação de órgãos?
Isso decorre da necessidade de chamar a atenção da população. Transplante é uma atividade que depende da sociedade. Se a sociedade doa, ela própria é beneficiada com o transplante. Por exemplo, hoje a gente consegue transplantar muitos órgão para pessoas que estavam fadadas a morrer precocemente ou ter uma qualidade de vida muito limitada. Com o transplante a gente consegue permitir que essas pessoas voltem a ter uma qualidade de vida normal. Essa data foi criada e hoje no Brasil a gente comemora o mês de incentivo à doação de órgãos, e no dia 27 de setembro o dia nacional. Nesse período a gente faz uma atividade mais intensa com o objetivo de levar para a sociedade, para os profissionais da saúde, a informação sobre o processo de doação e transplante.
Qual o balanço que a comunidade médica faz sobre o advento do transplante no Brasil?
Com o desenvolvimento da medicina, cada vez mais, a gente consegue que muitas doenças possam ser tratadas com transplante. As leucemias, por exemplo, que não respondem ao tratamento de quimioterapia, radioterapia, os linfomas, que não respondem a esse tratamento, hoje é permitido que pessoas com essas condições voltem a ter sua vida normal. Da mesma maneira são as doenças cardíacas em fase terminal, as doenças hepáticas e as doenças renais. Atualmente, o que a gente busca é estar levando essa informação para que mais pessoas se predisponham a doar. Porque esse processo só é permitido com a autorização de parentes de primeiro e segundo grau ou o cônjugue. É importante que as pessoas informem em vida a vontade de ser um doador.
Na Bahia, quais são os números que dão conta do volume ou da fila de pessoas que aguardam pela doação de órgãos?
Aqui na Bahia a gente está em torno de 2.800 pessoas necessitando de transplante e com certeza tem mais pacientes que precisariam de transplantes que não chegam aos profissionais médicos pra identificar as doenças que podem ser tratadas com transplante. Existem profissionais especializados, credenciados pelos Ministério da Saúde, que podem referenciar esses pacientes para que aí possam entrar na fila de transplante.
Estamos realizando hoje, em média, 50 procedimentos sendo realizados por mês, mas é um número que vem crescendo nos últimos anos. Entretanto, há uma necessidade muito maior para atender. Essa fila é grande, mas não é real. Na realidade, como eu disse, temos mais pacientes que com certeza precisam. E outra coisa é que, quanto mais vamos reduzindo a lista de espera, mais pessoas vão entrando.
Se tratando de procedimento legal e outras questões estruturais, como acontece a realização de transplantes?
O processo de doação e transplante envolve toda a sociedade, envolve a estrutura hospitalar e os profissionais. A maioria dos hospitais hoje, principalmente os maiores, contam com comissões intra-hospitalares de doação de órgãos e tecidos para transplante. São profissionais que são capacitados para ofertar às famílias, no momento que perdem seus parentes, a possibilidade de doar e poder ajudar outras pessoas e ressignificar aquela perda.
Além das comissões a gente tem um grupo específico que acompanha vários hospitais e que chamamos de organização de procura de órgãos. Essa articulação é responsável por assessorar essas comissões no quesito de apoio mesmo. Elas estão em todos os hospitais da rede estadual e da rede privada. É obrigatório por lei que esses estabelecimentos tenham essas comissões. São elas as responsáveis por todas as atividades de identificação de um potencial doador, de realização de entrevistas familiares e tudo mais.
A partir desse trabalho é que a central de transplantes entra com a parte logística. No momento que se tem a doação, esse doador é cadastrado no Sistema Nacional de Transplante e com isso vai se identificar quais são os receptores que são compatíveis com ele.
O processo de doação e transplante no Brasil é custeado pelo Sistema Único de Saúde?
Temos um dos sistemas mais justos no Brasil. Somos referência no para o mundo em relação. Temos o maior sistema público de transplantes do mundo. E somos o segundo país do mundo em número de transplantes, todo financiado pelo SUS. Isso é importante para que a população entenda a necessidade da saúde públcia para o atendimento desses pacientes.
Temos visto pesquisas sobre o desenvolvimento de órgãos mecânicos e sintéticos, assim como os transplantes feitos com órgãos animais. O que hoje já é realidade no Brasil?
O transplante é uma atividade que a gente ainda não tem uma produção de órgãos em laboratórios. Nem o sangue, que é um tecido que a gente faz transfusões, conseguimos ainda produzir uma versão em laboratório com qualidade suficiente para substituí-lo. Várias tentativas são feitas pelo mundo e alguns resultados interessantes estão sendo obtidos, como os órgãos artificiais. Os pacientees com doenças cardíacas graves, por exemplo, podem contar com bombas cardíacas até que encontrem um doador compatível. Isso já é uma realidade no serviço público.
Quanto a pesquisa com animais, o que a gente chama de xenotransplantes, elas já acontecem em vários experimentos. Recentemente, tivemos um transplante renal e cardiáco através da utilização de órgãos de um porco geneticamente modificado. Mas esse é um avanço do ponto de vista experimental.
Quais são os entraves para a doação de órgãos? Há algum fator cultural ou de infraestrutura que seja um dificultador?
A dificuldade é de conhecimento, né? Eu sempre defendo que a educação e a informação são as únicas estratégias que a gente tem para mudar e melhorar o mundo. Com o transplante não é diferente. É uma atividade relativamente recente. Começamos a transplantar em um volume maior a partir da década de 1980, então temos pouco mais de trinta anos. Por isso o "Setembro Verde" aqui no Brasil, porque o processo de conhecimento depende muito dessa informação. O objetivo é que o país se mobilize para informar o que é o transplante, qual a importância dele.
O pós-transplante também é um momento delicado, dada a compatibilidade do órgão, o tratamento medicamentoso… Como o paciente é acolhido e quais ferramentas estão à disposição dele nessa etapa?
Todas atividades que envolvem o pré-transplante, o transplante, o pós-transplante são pagas pelo Sistema Único de Saúde. Todas as pessoas que passam pelo procedimento são acompanhadas com toda assistência, não só médica, da equipe que realizou o transplante, mas também com relação aos medicamentos necessários para evitar rejeição.