População menospreza vacina da gripe, mas doença é 'roleta russa', alerta pneumologista
por Jade Coelho

Enquanto há ansiedade pela vacina da Covid-19 e a população aguarda o fim da pandemia, a adesão à vacinação contra a H1N1, outra doença que há 10 anos também causou uma pandemia, segue baixa. O vírus é um dos três combatidos pela vacina da gripe de 2021. O imunizante cuja campanha de vacinação foi aberta ao público geral protege contra os vírus da Influenza A (H1N1); B; e o da H3N2.
A pneumologista Maristela Sestelo acredita que a baixa procura pela vacina da gripe se dá pelo entendimento de grande parcela da população de que a doença é branda. Mas a especialista faz um alerta: “é uma roleta russa, a gente não tem como adivinhar que o indivíduo, mesmo fora do grupo de risco, possa ter uma manifestação grave ou não”.
A cada ano a Organização Mundial da Saúde (OMS) investiga quais são os tipos de vírus Influenza que estão circulando pelo mundo para definir as cepas que a vacina daquele período vai combater. É por isso que o imunizante precisa ser dado anualmente.
A médica elenca os fatores que ressaltam a importância da vacinação contra a gripe durante a pandemia da Covid-19. “Uma particularidade que tem recomendado muito para os pacientes que é tomem a vacina de gripe, porque primeiro se tiver a gripe nesse momento você vai apresentar um quadro mais brando, mas se tem uma manifestação e não foi vacinado a gente sempre vai ficar na dúvida: é H1N1 ou é Sar-Cov-2? Quando o indivíduo foi vacinado não”, explicou.
Além disso, a especialistas em doenças do trato respiratório ainda aponta que, apesar de Salvador não ter registrado nenhum caso, a literatura médica tem notificações de casos de coinfecções de Covid-19 e outros vírus respiratórios. “Do ponto de vista fisiopatológico é perfeitamente factível. A presença de um vírus não invalida a chance de um indivíduo sobrepor a infecção por um outro vírus”, afirmou Maristela.
Maristela é médica da rede estadual da Bahia, atuou por 28 anos no Hospital Especializado Octávio Mangabeira e atualmente atende no Hospital Ernesto Simões Filho. Ela é professora do curso de Medicina da Universidade do Estado da Bahia (Uneb) e da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, onde coordena o Ambulatório de Tabagismo.
Durante a entrevista a pneumologista ainda falou sobre outros aspectos relacionados a imunização contra a gripe, vacina pneumocócica, políticas públicas para a saúde e negacionismo durante a pandemia da Covid-19.
Foto: Rodrigo Nunes/Ministério da Saúde
Infecções respiratórias têm sido o centro das atenções desde o ano passado com a Covid-19. Mas mesmo assim a gente tem assistido a baixa adesão à vacinação da gripe, que protege contra os vírus Influenza, H1N1 e H3N2. É possível comparar a gravidade desses dois vírus com o Sars-Cov-2?
Desde que surgiu a pandemia de H1N1 e até mesmo antes, H2N3 e outros HNs por aí, sempre se buscou um tratamento. Para o H1N1 especificamente tem terapia antiviral. Com isso quando a gente percebe que o paciente chega, a gente num momento de até 48h de sintomas, a gente entra com a terapia e a gravidade, morbidade e mortalidade caem muito. Para o Sars-Cov-2 a gente não tem ainda essa terapia, esse tratamento antiviral. Muitas pesquisas tem sido desenvolvida, diversas drogas antivirais testadas, mas todas decepcionantes. Então a chave mestra é a vacinação. Porque com a vacinação a gente diminui o risco de adoecimento, principalmente quando a gente vacina um contingente grande de pessoas, que é a famosa e deturpada situação da imunidade de rebanho. Que a gente consegue de fato com a vacinação. E quando escapa é o paciente que mesmo vacinado pode ter doença de forma mais grave, a gente usa a medicação. Para o Sars-Cov-2 não tem medicação, tem vacina, que são eficazes. Agora é preciso que tanto para uma quanto outra, Sars-Cov-2 e H1N1, haja aderência da população para que a vacinação seja feita. Uma particularidade que tem recomendado muito para os pacientes que é toma vacina de gripe, porque primeiro se tiver a gripe nesse momento você vai apresentar um quadro mais brando, mas se tem uma manifestação e não foi vacinado a gente sempre vai ficar na dúvida: é H1N1 ou é Sar-Cov-2? Quando o indivíduo foi vacinado não.
O Ministério da Saúde abriu a vacinação da gripe para o público geral após a baixa adesão. No ano passado ocorreu a mesma coisa. A senhora percebe algum tipo de comportamento de menosprezo das doenças respiratórias por parte da população? Se sim, acha que pós-Covid esse cenário pode mudar?
O que se sabe de forma geral é que como a evolução de doença é muita branda, em poucas situações você tem gripe mais severa, que complica, que chegue a ir para hospital, já que isso é mais comum no idosos e outros grupos prioritários, então todo mundo, numa questão de ser humano, sempre acha que aquela doença naquela forma grave não vai chegar nele. Só que é uma roleta russa. A gente não tem como adivinhar que o indivíduo, mesmo fora do grupo de risco, possa ter uma manifestação grave ou não. Então junta com tudo isso a situação de negacionismo de que é doença branda, acaba que as pessoas vão para o paredão, mas são incapazes tomar vacina de gripe. Há quem tenha medo de tomar agulhada, tem falta de vontade de pegar fila, tem de tudo. Mas a grande situação é a percepção da população que a gripe é doença branda e que não precisa fazer nada e que não há necessidade de tomar vacina.
O secretário da Saúde da Bahia, Fábio Vilas-Boas, ao fazer uma convocação para que as pessoas compareçam aos postos para se imunizarem contra a gripe falou na possibilidade de coinfecção de Covid-19 e outro vírus respiratório. A senhora tem conhecimento de algum caso de coinfecção? É possível apontar a probabilidade e as chances disso acontecer?
Aqui em Salvador não conheço nenhum caso. Mas a literatura relata sim coinfecção, há relatos na Inglaterra. Mas do ponto de vista fisiopatológico é perfeitamente factível. A presença de um vírus não invalida a chance de um indivíduo sobrepor a infecção por um outro vírus. E aí é que está a vantagem da vacinação de gripe, se um indivíduo tomou vacina de gripe, ele vai ter menos chance de a gripe e menos chance de associar com Sars-Cov-2. Imagina se você junta uma doença que é grave que é a Covid-19 com outro vírus, o de Influenza, se junta as duas coisas no meio de uma pandemia esse indivíduo vai ficar mais grave ainda.
Entre as principais doenças do trato respiratório, temos a pneumonia que é uma infecção nos pulmões provocada por bactérias, vírus ou fungos. O calendário de vacinação do SUS inclui um imunizante pneumocócico, mas nos últimos anos a Bahia e o Brasil não tem atingido a meta de cobertura de 90% do público alvo. Esse problema é enfrentado por outras vacinas também. Que tipo de risco essa baixa adesão pode trazer no caso específico da pneumocócica?
Essas vacinas são prioritárias para o grupo de risco. São aqueles pacientes que já tem alguma comorbidade que os fragiliza e que na vigência de uma infecção bacteriana, como a pneumonia, aquela situação de doença prévia faz com que a manifestação seja mais grave. Vou lhe dar um exemplo: doença pulmonar obstrutiva crônica, todo mundo conhece por enfisema pulmonar, obrigatoriamente ele tem que tomar todo ano vacina de gripe e vacina de pneumonia. Quando o individuo por algum motivo não toma e ele faz uma pneumonia e já há doença pulmonar obstrutiva crônica, que já é fator de risco para fazer pneumonia, quando ele tem, ele tem a forma grave, interna, pode ir para UTI, para a ventilação mecânica, ele fica muito mais tempo internado, fica acamado, faz úlcera de decúbito, faz atrofia da musculatura, acaba complicando numa dimensão muito maior. Então é o tipo de complicação que não vale pela vida. Então o diabético, o doente renal crônico, todos precisam tomar esse tipo de vacina, porque já tem fragilidade prévia.
O Ministério da Saúde ampliou temporariamente o grupo de pessoas que podem recorrer ao Sistema Único de Saúde (SUS) para tomar a vacina pneumocócica conjugada 13-valente (VPC13), da Pfizer, que protege contra 13 tipos da bactéria Streptococcus pneumoniae – esse agente é causador de pneumonias, meningites e otites. Porque é importante que as pessoas do grupo de risco procurem os postos para tomar o imunizante?
Tem a 13 valente e tem a 21. O Ministério da Saúde só tem 13 e 21 só tem na rede privada. Tem quem pense assim: ah de 13 para 21 são oito bactérias, não. São patógenos diferentes em cada uma dessas vacinas, então algumas vezes pacientes da iniciativa privada a gente tem que recomendar que tome as duas. E o ministério da saúde precisa colocara 21 também da rede. A 13 está disponível para indivíduos do grupo de risco apontado pelo Ministério da Saúde (Asma persistente moderada ou grave; Diabetes; Fibrose cística; Hepatopatias crônicas; Trissomias - como Síndrome de Down; Doenças neurológica crônicas incapacitantes - como Alzheimer, distrofia muscular e esclerose múltipla; Fístula liquórica e derivação ventrículo-peritoneal; Imunodeficiências congênitas; Nefropatias crônicas e síndrome nefrótica.
Existe alguma restrição em relação a vacina da Covid-19?
Assim como a da Covid-19 e gripe, essa também são 14 dias.
Em sua opinião, o que falta ou o que poderia ser feito pelos gestores de saúde em relação a políticas públicas para melhorar os índices vacinais?
Acho que precisa ir atrás do público através de busca ativa. Ir nas escolas, chega e faz um mutirão na escola e vacina todo mundo, compreendo que agora está sem aulas, mas não é uma coisa nova. Eu acho que é ir atrás de creches, escolas, universidades, shoppings, e não só luxuosos, naqueles pequenos, mercados, ampliar essa vacinação indo atrás do publico.
A senhor acha que falta informação? Campanhas publicitárias e outros meios de comunicação no que se refere a vacinas?
Também. Sem dúvida. Tinha que ter uma forma de informação que não é só rede social, tem que ser mais amplo do que isso, não é só na unidade de saúde com um cartazinho escrito que tem que ter vacinação. Tem que ter outdoor na rua, placa dentro do ônibus, tem que chamar atenção do indivíduo de que é preciso se vacinar. Já que as pessoas com as próprias pernas não procuram se vacinar, vai atrás. A gente vai comprar insumo que é caro e vai se perder, perder a validade.
A gente tem convivido com o mal causado pelo Sars-CoV-2 e também aquele causado pela desinformação. Além da infecção, nós tivemos que lutar também contra as Fake News durante a pandemia. Qual foi o maior erro na visão da senhora? Seja cometido por paciente com um tratamento mirabolante ou sob outro aspecto?
Acho o pior cenário foi o negacionismo da doença e a falta de uma gerência central. Que desse o comando para que, não centralizasse, mas que de fato desse norte para o país. E se perdeu muito tempo. A CPI está mostrando aí está mostrando ai o tamanho, a gravidade de situações que aconteceram em relação as vacinas e que hoje nós nos aproximamos de 550 mil mortos, para uma doença que podeira ser evitada. Então o grande problema foi isso negacionismo e a gerência central, o comando central do país na mãe de pessoas negacionistas e que começaram a disseminar informações errôneas, desacreditando a ciência, e expondo a população de forma grave que levou a morte de tanta gente. No nosso país os danos foram catastróficos.
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