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Entrevista

Pandemia piorou relações sexuais de casais que já enfrentavam problemas, analisa sexóloga

Por Jade Coelho

Pandemia piorou relações sexuais de casais que já enfrentavam problemas, analisa sexóloga
Foto: Arquivo Pessoal

Os impactos da pandemia da Covid-19 na vida sexual das pessoas variam de acordo com a rotina, o nível de intimidade da relação e a maneira como outros aspectos da crise sanitária atingiram cada um. A psicóloga e sexóloga clínica Cláudia Meireles explica que os casais cujas relações que já enfrentavam problemas antes da pandemia tiveram os problemas com o desejo e a vida sexual impactados negativamente.

 

A especialista cita como exemplo a redução do desejo sexual nas relações já desgastadas, onde a proximidade e o aumento da convivência diária impostos pela pandemia e o isolamento social acabaram prejudicando. “Os casais convivem cerca de cinco ou seis horas por dia, mas com a pandemia a convivência passou a ser de acordar, passar dia inteiro e dormir, pode ter acelerado um processo de desgaste, e isso também faz reduzir desejo sexual”, analisou a sexóloga.

 

Ela ainda elenca como fatores que influenciaram negativamente o desejo sexual de algumas pessoas nesse período o medo de contrair a doença, questões relativas às finanças, ao trabalho, e a insegurança em relação à grave crise sanitária.

 

A sexóloga também cita que também houve quem aproveitasse a pandemia para aumentar a intimidade. “Alguns casais aproveitaram o momento em que estavam mais próximos do parceiro ou parceira para transformar esses momentos em lúdicos, em olhar para o outro com mais erotismo, em brincar mais. Eles tiveram esse ganho e aumento do desejo”, acrescentou.

 

Cláudia Meireles também fez críticas ao fato do sexo ainda ser, em pleno século XXI, um assunto considerado delicado, vergonhoso e um tabu. Ela pondera que a sociedade tem um longo caminho pela frente para evoluir nesse quesito, apesar de, ao olhar para o passado, não se poder contestar que já houve certa evolução.

 

O problema, segundo a especialista, está na falha educação para a sexualidade, e isso não ocorre por falta de conhecimento ou de programas efetivos. Entre os erros apontados está um cometido pela maioria dos pais e responsáveis por crianças: “imagine que ainda hoje, terceira década do século XXI, quando se vai começar a nomear as partes do corpo para uma criança já não dá nome, dá apelido. Não se fala pênis e vulva. É normal na hora de ensinar a lavar o corpo ensinar que tem que esfregar a mão, mas a parte da genitália praticamente está fora do corpo nessa hora”.

 

A psicóloga é categórica ao dizer que “é aí que começa a ser fixado e fortalecido um tabu” em relação a sexualidade.

 

Questões como essa, na visão dela, levam a pessoas que não conhecem o próprio corpo e nem os centros de prazer. Isso é ainda mais grave em relação às mulheres. “Algumas já dizem como gostam de ser tocadas, onde querem ser tocadas, e como. Mas não são todas. Existem mulheres que entram para ato sexual mudas e saem caladas. Elas não conhecem o próprio corpo, e não sabem quais são as zonas que lhe dão prazer e nem sabem mostrar ao parceiro como gostariam de ser tocadas. Em qual posição, de qual forma, qual é a impressão da força”, analisou Cláudia.

 

A sexóloga ainda tratou de libido e apetite sexual; sinalizou hábitos que podem auxiliar na  melhora desse aspecto; os efeitos e sequelas da sexualidade em outros aspectos da vida; as inovações e como a pandemia influenciou e o que mudou na vida sexual das pessoas; entre outros assuntos. 

 

Foto: Reprodução/Pixabay

 

A gente teve nesse mês o Dia dos Namorados. Foi a segunda vez que a data, que é marcada por romance e sexo, foi vivida em meio ao isolamento forçado pela pandemia da Covid-19. A gente sabe que a crise teve impacto na vida sexual das pessoas. A gente consegue mensurar o quanto isso afetou?

Eu fiz um questionário em abril deste ano onde perguntei sobre o impacto da pandemia e do isolamento sobre o desejo. Porque o relacionamento sexual começa com desejo, se não houver desejo, não tem relação. Houve sim impactos na vida sexual, no desejo sexual. Em respostas masculinas o que aconteceu foi que alguns homens sinalizaram que houve aumento de desejo, outros tanto rebaixamento, e muitos que a vida permaneceu a mesma coisa. Então se formos analisar o que permaneceu, o que não houve alteração ainda há muito a ser investigado. Por exemplo: como era essa vida? O quanto de desejo e o quanto ativos sexualmente esses homens são? Houve lacunas nesse questionário que eu vou corrigir e vou fazer uma grande pesquisa sobre essas questões. Aqueles que disserem redução do desejo sexual, provavelmente foram pessoas que já vinham de relação desgastada, onde a proximidade, a convivência diária, porque os casais convivem cerca de cinco ou seis horas por dia, mas com a pandemia, que a convivência passou a ser de acordar, passar dia inteiro e dormir, pode ter acelerado um processo de desgaste, e isso também faz reduzir desejo sexual. Além disso há o medo de contrair a doença, questões relativas às finanças, ao trabalho, a insegurança pode ter impacto negativo, mas houve parcela que usou essa impossibilidade de sair ao seu favor. Eles aproveitaram o momento em que estavam mais próximos do parceiro ou parceira para transformar esses momentos em lúdicos, em olhar para o outro com mais erotismo, em brincar mais. Eles tiveram esse ganho e aumento do desejo. Então sim houve impacto, tanto negativo quanto positivo.

 

Esse impacto na vida sexual por causa da pandemia influencia e tem efeitos ou sequelas em outros aspectos da vida?

Quando a gente fala que uma relação sexual não está favorável, por exemplo a redução do desejo sexual, temos que analisar vários aspectos. Primeiro o que está levando a redução desse desejo. É só quarentena? Ou outras questões, da relação em si, é que estão prejudicadas? Casais que não tem uma assertividade no discurso, relacionamento conturbado, casais que tem vivência extra conjugal e que com pandemia ficaram na impossibilidade de manter esses encontros furtivos. Há sempre. O homem é um indivíduo constituído por um todo, tem as questões biológicas, que pode impactar na sexualidade as questões hormonais; ou o diagnóstico de uma doença; ou um tratamento, algumas medicações que está tomando; e existe questão psicológica, para que você esteja bem na horizontalidade, ou seja, na hora na brincadeira, do sexo, é necessário ter boa verticalidade, que durante o dia desenvolva uma comunicação fluida, cortês e erótica também. Porque a gente não cria um movimento para sexualidade favorável em se tratamento de relação sexual na hora que vai ter o encontro amoroso. Isso você vai conquistando ao longo do dia. Uma pessoa que briga o dia inteiro, e a noite o parceiro ou parceira vai dizer estou pronto (a)? Pera aí. O outro pode não estar preparado. Então a gente se conquista diariamente. Tudo que interfere na vida da pessoa, pode impactar na sexualidade, e as questões de sexualidade também impactam na comunicação, relacionamento do casal, e até no relacionamento com outras pessoas.

 

Pesquisadores de vários países do mundo vêm se debruçando sobre esse tema e sinalizam a possibilidade da pandemia ter influenciado no aumento da abstinência, da masturbação e também a busca por “inovações”? A senhora concorda? Os indícios científicos conseguem confirmar essa teoria?

A pandemia por si só já é um movimento que pode contribuir para muitas pessoas de forma negativa. Porque houve grande medo. E o medo, o pânico, a insegurança não te deixa tão disponível para a relação sexual. Porque relação sexual é brincadeira, e quando você vai brincar está descontraído. Então os casais que não coabitam, que não vivem na mesma casa, começaram a ter mais dificuldade porque as vezes esses dois elos moram com pessoas idosos, pessoas dos grupos de risco, e não quiseram se encontrar para evitar a contaminação. Dificulta? Dificulta. Muitos deles, no entanto usaram os recursos de comunicação disponíveis, a internet, para criar um clima, mas nunca nada é pele-pele. Mas não há como dizer que não houve impacto. Houve. A forma como cada um lidou, lida ou tem lidado com esta pandemia é faz a grande diferença.

 

Existe relação entre alimentação e bons hábitos (hábitos saudáveis) com a libido?

A libido é o desejo sexual, a vontade de tocar, beijar, abraçar lamber. Para que essa libido se estabeleça é necessário estímulo. Ou seja, uma pessoa diante de um estímulo efetivo pra ela, porque não é igual para todos. Existem pessoas que gostas de pessoas altas, magras, morenas, outros gostas de loiras, gordinhas e baixinhas. Então tem que ser um estímulo efetivo para aquela pessoa. Se ela começa a pensar em sexo, erótico, esse desejo vai se estabelecer. Se ela mantém esse pensamento erótico ela vai entrar na fase de excitação, no homem a ereção e na mulher a lubrificação. Mantendo ainda esse grande pensamento erótico vai culminar no orgasmo. A alimentação, que é a sua pergunta, tem um impacto. Quanto mais saudável eu estou, melhor meu corpo está preparado para esse encontro, para se disponibilizar. Por exemplo, uma má alimentação pode gerar colesterol alto; uma glicemia descontrolada e aí uma diabetes; pressão arterial alta; coisas que vão prejudicando o funcionamento sistêmico desse corpo, funcionamento geral desse corpo. E aí o que acontece? Pode haver sim questões que vão influenciar. Então a ideia é uma alimentação saudável é para tudo, inclusive para a sexualidade. Exercícios físicos são para tudo, inclusive a sexualidade. Agora se você me perguntar: existem alimentos afrodisíacos? Vou lhe dizer que a ciência não os comprova.

 

Muitas mulheres reclamam que métodos contraceptivos, principalmente o anticoncepcional, diminuem a libido a ponto de virar um problema na relação do casal. O que elas podem fazer nesse caso?

Os anticoncepcionais de hoje são ultramodernos e a possibilidade desse impacto na libido é mais reduzida, mas existem diversas alternativas para que essa mulher use um contraceptivo que não venha a impactar o desejo sexual. Por exemplo o uso do DIU [Dispositivo Intrauterino], um método de barreira, existem outras formas, mas o ideal é que ela converse com o ginecologista para que ele veja para o organismo dela o que vai ser melhor. Porque o que para uma mulher pode desencadear uma falta de desejo, redução de desejo, para outra pode não ter nenhum impacto. Então as medicações devem ser olhadas para o sujeito e não na universalidade. 

 

Muitas séries (principalmente as médicas) trazem casos curiosos de pessoas que tentaram usar objetos não indicados durante a prática sexual e acabaram tendo problemas sérios. Você já soube de algum caso inusitado assim?

Isso é muito recorrente em hospital chegar pessoas, de ambos os sexos, e que terminam no centro cirúrgico porque introduziram, principalmente no ânus, um objeto que não era para estar ali. Há casos desde tudo de desodorante, até garrafas. O ânus tem movimento peristáltico de saída, só que quando se introduz um objeto e ele ultrapassa uma parte do reto e chega a um determinado ponto. Ali dentro tem como se fosse um vácuo, ele suga esse objeto para dentro, e na hora que faz isso, acabou. Não tem mais como tirar, tem que ir para o Centro Cirúrgico. Isso é recorrente, acontece nos hospitais, não é história de carochinha não. O pênis não tem problema nenhum, porque ele não descola, ele é fixo no corpo e não tem como sair. O sexo anal não tem problema algum, se a pessoa está a vontade, de comum acordo, está bastante lubrificada, já que o ânus não tem lubrificação própria, mas a introdução de objetos no ânus devem ser evitadas. E isso não é coisa nem de interior e nem de roça, acontece na capital. 

 

Nos últimos anos, o sexo e a autoestima da mulher foram temas que ganharam mais espaço nas discussões do dia a dia. Você acredita que já se pode dizer que o sexo não é mais um tabu, ou ainda há muita resistência?

Ainda temos caminho longo pela frente. Porque nós não temos programas efetivos de educação para sexualidade. Se nós tivermos uma educação para a sexualidade começando por conhecimento do próprio corpo, saber como esse corpo se expressa, que eu tenho direito de dizer sim, de dizer não, com quem e a hora que eu desejo partilhar a minha intimidade, a gente vai começar a tirar o tabu. Imagine que ainda hoje, terceira década do século XXI, quando se vai começar a nomear as partes do corpo para uma criança já não dá nome, dá apelido. Não se fala pênis, vulva. É normal na hora de ensinar a lavar o corpo ensinar que tem que esfregar a mão, mas a parte da genitália ela praticamente está fora do corpo nessa hora. É aí que começa a ser fixado, fortalecido um tabu. E nós estamos longe. Com relação as mulheres, como você perguntou, elas estão conquistando cada vez mais espaço e autonomia, hoje já dizem quando estão interessadas em outa pessoa, não esperam que se dirijam a elas, hoje algumas já dizem como gostam de ser tocadas, onde querem ser tocadas, como. Mas não são todas. Existem mulheres que entram para ato sexual mudas e saem caladas. Elas não conhecem o próprio corpo, e não sabem quais são as zonas que lhe dão prazer e nem sabem mostrar ao parceiro como gostariam de ser tocadas. Em qual posição, de qual forma, qual é a impressão da força.  Mas isso vai da educação para a sexualidade. Quando tivermos isso, a gente vai quebrar o tabu. E inclusive, não é por falta de projetos e ações. Quando nós conseguirmos conversar de forma horizontal com todas as pessoas sobre sexualidade, aí a gente está vivendo esse critério sem tabu. 

 

Em um momento muito conectado, mas também de muitos golpes, o risco de uma nude acabar vazando nas redes sociais aumentou consideravelmente. Esse é um assunto que você discute com seus pacientes?

No consultório existe assuntos que a gente não consegue nem enumerar quantos são. Fala-se de tudo. Toda dúvida e demanda é discutida, inclusive essa questão. Se o paciente chega e pergunta: 'Como é que eu faço? vou chegar e entrar em um site de relacionamento e a pessoa me pede um nude, você acha que eu devo mandar?'. A pergunta que eu faço é: o que é que você acha? Você se sente confiante? Essa pessoa lhe passa essa confiança? Qual é o benefício disso? Então você leva a pessoa a avaliar os custos e os benefícios. Se ela se sente segura, inclusive para correr risco, porque diante do desconhecido quem está do outro lado é um personagem, você tem que estar disposto a correr esse risco. Mas tem que ser um risco calculável. Até onde pode suportar havendo uma invasão da minha privacidade. Mas que existem, existem. As vezes o paciente não chega para relatar, ele vai pedir uma autorização. Ele espera que eu diga que é natural e que ele pode fazer, porque se algo der errado ele vai dizer, foi você que falou. E a nossa conduta é justamente ao contrário, é que ele se responsabiliza por esse ato.