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Entrevista

Condução da pandemia pelo governo tem prejudicado e desacreditado Anvisa

Por Jade Coelho

Condução da pandemia pelo governo tem prejudicado e desacreditado Anvisa
Foto: Reprodução/Abrasco

O comportamento e a condução do governo federal da crise sanitária da Covid-19 tem prejudicado a importância e prestígio da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), “que sempre foi um órgão que atuou de forma científica e séria”. Essa é a avaliação da epidemiologista e pesquisadora do Instituto de Saúde Coletiva (ISC) da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Glória Teixeira.

 

A especialista também é integrante da Rede Covida, um projeto de colaboração científica e multidisciplinar focado na pandemia da Covid-19. A iniciativa foi criada em março do ano passado e reúne profissionais do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia) e a Universidade Federal da Bahia (Ufba).

 

“Nós estamos vendo que ela está ficando um pouco desacreditada. Esse problema é muito mais da forma como o governo federal tem se comportado. Isso não é da área técnica da Anvisa, a gente precisa separar”, argumentou Glória.

 

A professora da Ufba ainda destacou que a população mão deve acusar a Anvisa. “A Agência é o corpo técnico, os dirigentes são passageiros”, ponderou.

 

Nas últimas semanas a agência tem sido alvo de críticas e cobranças da população e também do setor público pelos longos processos e inúmeros critérios para a aprovação de vacinas.  “Temos que valorizar, mas ao mesmo tempo ficar solicitando e trabalhando e tentando mobilizar STF, parlamento, para continuar trabalhando de forma que seja ágil, porque a pandemia assim exige, mas ao mesmo tempo sem abrir mão da questão científica para que a eficácia e segurança das vacinas sejam asseguradas para a população brasileira”, argumentou a professora. 

 

 A epidemiologista também ressaltou a importância e necessidade de que o máximo de pessoas sejam vacinadas contra a Covid-19.  Nesse sentido ela ressaltou e condenou as fake News que vem sendo veiculadas e que levantam dúvidas e desacreditam as vacinas. Para ela, essa é uma questão importante que deve ser fortemente combatida, porque pode se tornar um problema de saúde pública.

 

“Foi divulgado um dado de que mais de 75% da população brasileira quer se vacinar. Mas precisamos convencer os outros. Precisamos atuar nesse ambiente pró-vacina Covid para poder falar das outras vacinas”, completou Glória.

 

Durante a entrevista integrante da Rede Covida ainda falou sobre uso de medicamentos sem eficácia comprovada para a Covid-19, o aplicativo TratCov, problemas na cobertura vacinal, fake News, e as temidas variantes do coronavírus.

Glória Teixeira é professora de Epidemiologia do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia | Foto: Arquivo Pessoal

 

A Rede Covida tem entre os objetivos a defesa da ciência. Como a senhora vê, enquanto integrante do grupo e cientista, a insistência do governo federal em sugerir o uso preventivo de remédios sem eficácia comprovada?

É uma lastima. Porque quando você prescreve um medicamento sem eficácia, você cria uma falsa esperança nos pacientes. E não só isso, como pode impedir que a população e os pacientes adotem outras medidas que são eficazes. Se você acredita que a ivermectina vai impedir de adoecer, você então não usa máscara, não faz o distanciamento social, aglomera, não tomas os cuidados que são necessários para impedir seu adoecimento e transmitir para outras pessoas. É uma coisa que eu não consigo entender como isso está se dando pandemia nem pleno século XXI. É tentar enganar população e ao mesmo tempo não adotar medidas necessárias e possíveis para se reduzir os efeitos dessa epidemia. Só posso considerar isso uma lástima, porque não podemos dizer que isso é um equívoco porque os trabalhos científicos são muito claros. Várias notas foram emitidas, inclusive pela Rede Covida, mostrando e colocando a bibliografia da ineficácia da cloroquina, ivermectina e mais o que tem sido prescrito. 

 

O Ministério da Saúde chegou a lançar o TrateCov, uma página  que na teoria seria para auxiliar o tratamento precoce de pacientes com a infecção pela Covid-19 e que recomendava um leque de medicações sem eficácia comprovada contra a infecção. Foi amplamente divulgado na imprensa que praticamente todas as formas de preenchimento do formulário do app levariam à combinação de um kit de remédios para tratar a Covid-19 que desde o início da pandemia é defendido pelo presidente Jair Bolsonaro. Como a Rede Covida avalia a ferramenta e essa atitude do Ministério da Saúde?

Nós além de repudiar, já fizemos uma nota. Nós apoiamos as outras sociedades científicas que redigiram e se mostraram contrários. Porque além de tudo o Ministro da Saúde vai a Manaus e ao invés de providenciar o oxigênio o que fez foi estimular o uso de cloroquina. Isso é um verdadeiro absurdo. A rede Covida é veementemente contra essa inversão de atitudes que o governo e o Ministério da Saúde adotaram. Ele foi retirado, mas ficou no ar por um tempo criando uma falsa expectativa. Qual é o interesse do governo de prejudicar sua população? Isso é um absurdo, um genocídio. 

 

A senhora concorda que gente está vivendo algo paradoxal em relação a vacina e cobertura vacinal? Enquanto tanta gente espera por uma vacina da Covid-19 para por fim a pandemia, outras já existentes não estão sendo utilizadas pela população. 

Foi divulgado um dado de que mais de 75% da população brasileira quer se vacinar. Mas precisamos convencer os outros. Precisamos atuar nesse ambiente pró-vacina Covid para poder falar das outras vacinas. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que em torno de 2 milhões de óbitos são evitados a cada ano no mundo por conta da vacinação. Nós não podemos voltar atrás. A mortalidade infantil nesse país, no nosso Brasil caiu em consequência de duas coisas: melhoria da qualidade da água, que diminuiu as diarréias infantis aguda; e a vacinação. A vacina de rotavírus contra diarreia infantil diminuiu muito as mortes por diarréia. Além das mortes por sarampo; pólio, que também deixava nossas crianças com sequelas muito graves; difteria que matava tanto; pneumonias. A mortalidade infantil hoje é abaixo de 15 no Brasil, antes da vacinação nós tínhamos anos em que 100 crianças morriam a cada mil que nasciam. Então temos que olhar para trás e ver que avançamos muito.  Precisamos realmente combater as fake news, a anti-ciência para podermos avançar ainda mais para melhoria das condições de vida e saúde da nossa população.

 

Na semana passada nós recebemos as primeiras doses das vacinas contra a Covid-19. O fato foi muito comemorado, mas ainda há quem levante dúvidas e espalhe informações falsas sobre as vacinas. Qual o posicionamento da Rede Covida em relação às Fake News?

Combater as Fake News em todos os espaços. Na mídia, nas escolas, onde nós tivermos voz, nós temos que combater. Sem dúvida. 

 

Na sua visão, diante desse tema, que tipo de ações e posicionamento cabem a cada setor da sociedade? Governo, empresas, imprensa, sociedade civil?

A mídia papel fundamental. A mídia séria, científica, tem papel muito importante de alertar população para buscar saber se aquela informação é verdadeira ou não. O papel de vocês é fundamental nesse combate, e o nosso é de não desperdiçar espaços para divulgar a ciência, notícias corretas.

 

As pessoas se acostumaram e adaptaram suas vidas e rotinas à pandemia. Que outros efeitos da Covid-19 sem necessariamente ser a infecção em si o setor da saúde vai sentir agora? A gente percebeu que as pessoas tiveram medo de ir aos hospitais, inclusive cresceu o número de pessoas morrendo em casa. 

Nós não estamos muito serenos em relação a isso. Porque a pandemia está aí e realmente nós temos que evitar ambientes os hospitalares, temos que praticar distanciamento, e isso claro que prejudica outras faces importantes e necessárias que nós temos que ter com os serviços de saúde para proteger nossa população. É necessário que façamos nossos exames, mas buscando sempre manter o distanciamento social, e buscando unidades de saúde que tenham esses cuidados para que nós incorramos no erro de as vezes cuidar de uma hipertensão, mas sair contaminado. Então o que temos falado é que a Atenção Básica em Saúde, que tem uma cobertura no nosso país em 70%, tenha seus Equipamentos de Proteção Individual (EPI) para continuar mantendo os programas de prevenção, como a vacinação, mas também os de tratamento, como a distribuição de remédios contra hanseníase, tuberculose, diabetes, hipertensão. Tem que continuar, mas de forma segura, tanto para o trabalhador da Saúde quanto para a população que recebe esse cuidado. 

 

A Anvisa tem sido criticada e acusada de alongar processos e ser presa a burocracia. Como o grupo encara esses ataques a agência e também o posicionamento adotado pelo órgão?

A Anvisa sempre foi um órgão que atuou de forma muito científica e séria. Nós estamos vendo que ela está ficando um pouco desacreditada. Esse problema é muito mais da forma como o governo federal tem se comportado. Isso não é da área técnica da Anvisa, a gente precisa separar. Não podemos acusar a Anvisa. A Agência é o corpo técnico, os dirigentes são passageiros. Nós temos que valorizar, mas ao mesmo tempo ficar solicitando e trabalhando e tentando mobilizar STF, parlamento, para continuar trabalhando de forma que seja ágil, porque a pandemia assim exige, mas ao mesmo tempo sem abrir mão da questão científica para que a eficácia e segurança das vacinas sejam asseguradas para a população brasileira. 

 

A gente tem acompanhado as novidades e as dúvidas que vem sendo levantadas pelo aparecimento das variantes do vírus. Por que essas mutações se tornam uma preocupação? 

Os vírus são organismos formado por uma única hélice de RNA que sofrem mutações, mudanças na sua composição a vida toda. Vírus muda vida toda. Essas mutações podem transformá-lo em menos transmissível e patogênico, como também torná-los pior para população humana. O vírus como qualquer outra parasita ou ser vivo precisa se multiplicar para garantir perenidade da espécie. Se ele se torna mais transmissível ele está para o lado dele no melhor dos mundos, já que está garantindo a perpetuação da espécie. E prejudicando nós que somos os hospedeiros. A preocupação se faz presente porque o que nós fizemos? Vacina. Mas para aquele vírus que conhecemos em 2020. Ele muda. Pode ser que algumas vacinas continuem a produzir defesa contra aquele organismo, mas ele pode mudar de um jeito que aquela vacina não produza mais anticorpos tão eficientes. Além disso, ao que tudo indica ele aumentou o poder de transmissão. Então é uma preocupação do mundo inteiro, essa variante ainda está sendo estudada, mas parece que essa variante do Amazonas além de ser mais transmissível, talvez seja mais grave. Ainda não está comprovado. Mas existe a suspeito. Tanto que alguns cientistas dizem que podem vir um tsunami e que pode pior a pandemia. E isso tudo nos preocupa muito. Nós vamos nos vacinar, conforme o nosso governo for comprando doses de vacina, mas nós não devemos vacilar. Temos que continuar usando máscara, com distanciamento social, porque nós podemos inclusive ser reinfectados. Então o melhor que fazemos é nos proteger e proteger ao outro.