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Entrevista

Sarampo tem transmissibilidade maior, mas letalidade menor que coronavírus

Por Jade Coelho

Sarampo tem transmissibilidade maior, mas letalidade menor que coronavírus
Foto: Priscila Melo / Bahia Notícias

Apesar da alta transmissibilidade, o coronavírus não deve ser uma preocupação imediata dos brasileiros e o Carnaval está a salvo. É o que afirma o médico infectologista da Vigilância Epidemiológica do Estado, Antônio Bandeira, ao citar os números reprodutivos do novo vírus, que é a média de quanto uma pessoa eficazmente contamina outra. “Isso para o coronavírus está sendo estimado na faixa entre três e quatro. Ou seja, uma pessoa consegue eficazmente transmitir para quatro pessoas”, esclareceu. 

 

Para explicar melhor sobre o novo vírus que vem assustando as pessoas do mundo inteiro, o infectologista comparou os números do coronavírus com outro já conhecido pelos brasileiros: o sarampo. Antônio Bandeira destaca que o sarampo é uma doença imunoprevenível que apresenta surtos esporádicos, a exemplo da situação vivida em alguns estados brasileiros em 2019. “Uma pessoa com sarampo contamina 15 a 20 pessoas, então a taxa de transmissão é muito maior”, explicou o especialista. Entretanto, o integrante da Vigilância Epidemiológica do Estado fez um alerta: “a mortalidade do sarampo, ao que tudo indica, é menor do que a do coronavírus”. “Se a gente comparar, o sarampo tem muito mais chance de transmitir. Transmissibilidade maior, mas uma letalidade menor”, completou.

 

Em 2019 o Brasil perdeu o certificado de erradicação da doença. Desde então o Ministério da Saúde (MS) vem empregando esforços para recuperar a certificação. Para Bandeira, contudo, isso depende de um esforço coletivo: além do MS, os estados e municípios e a própria população devem fazer sua parte. “As pessoas têm responsabilidade com a sua saúde e com a saúde dos outros. Elas têm que se vacinar e tem que levar seus filhos para serem vacinados. É fundamental. Não adianta fazer um investimento público enorme e depois as pessoas não se vacinarem”, comentou. 

 

Durante a entrevista o médico infectologista ainda falou de Infecções Sexualmente Transmissíveis, calendário de vacinação de adultos, vacina contra o HPV, epidemia de dengue e deu dicas para evitar contaminação por vírus. 

Estamos em meio a uma epidemia de um novo vírus. Com as notícias as pessoas acabam ficando aflitas e preocupadas. Para entender melhor gostaria que o senhor explicasse sobre os números reprodutivos do coronavírus.

Esses números reprodutivos são estimados por uma taxa chamada de taxa de reprodutibilidade basal, que representa uma média quanto uma pessoa eficazmente contamina outra. Isso para o coronavírus está sendo estimado na faixa entre três e quatro. Ou seja, uma pessoa consegue eficazmente transmitir para quatro pessoas. Esse é um número muito grande, porque dá uma progressão exponencial. A única forma de conter isso é através de medidas que estão sendo feitas na China, como a contenção física das pessoas, e pessoas que estejam doentes sejam rapidamente atendidas e colocadas separada de outras. Então essa é a forma de conter. Nesse momento a epidemia está contida na China e alguns países tiveram, mas ainda não de forma sustentada como está acontecendo por lá. Agora é um vírus que tem alta transmissibilidade, porque você vê que os números aumentam cada dia mais, em números significativos.

 

A Globo News fez um gráfico que mostra que a cada quatro dias o número tem dobrado...

Exatamente. Agora ele tem uma chamada letalidade, que é a capacidade de causar morte, em torno de 2 a 4%, depende de que população a gente esteja falando. Se é uma população nas ruas, nas unidades, mas está em casa também, população geral, parece estar em torno de 2%, mas quando a gente olha a letalidade de pessoas que buscam e são admitidas em hospitais por qualquer causa, essa letalidade está sendo estimada em 4%. 

 

É possível comparar esses números reprodutivos com doenças que a gente já tem mais conhecimento, a exemplo do sarampo?

O sarampo é uma doença imunoprevenível. A gente tem surtos esporádicos, como o que aconteceu no ano passado. Não era nem para ter mais, porque a gente tinha controlado o sarampo. Uma pessoa com sarampo contamina 15 a 20 pessoas, então a taxa de transmissão é muito maior. A mortalidade do sarampo, ao que tudo indica, é menor do que a do coronavírus. Se a gente comparar, o sarampo tem muito mais chance de transmitir. Transmissibilidade maior, mas uma letalidade menor.

 

Agora para entendermos melhor e até exemplificar para os leitores, em uma situação como o Carnaval, em que há uma aglomeração e fluxo grande de pessoas, essa situação se potencializa?  É possível identificar o quanto?

Eu diria que os vírus que estão normalmente circulando no Carnaval, como é o caso do vírus da Influenza, que foram várias pessoas identificadas com ele agora nessa busca do coronavírus, metapneumovírus e adenovírus, esses são os vírus que a gente espera disseminar no Carnaval. Porque dissemina todo ano. Quando a gente olha o coronavírus, a gente não tem ainda casos identificados no Brasil, e o Carnaval começando a menos de uma semana, acho muito pouco provável que haja um impacto em relação ao Carnaval, mesmo que chegue alguma pessoa contaminada pelo coronavírus hoje. Porque você não tem tempo de contaminar uma quantidade gigantesca. Se a gente colocar esses números que você mesmo comentou, a cada quatro dias tá dobrando na China, se a gente pensar que chegou na terça-feira uma pessoa, vai dobrar para 2 pessoas no sexta, e vai dobrar para quatro pessoas na terça. Então na terça de Carnaval a gente teria 4 pessoas contaminadas no país, no Brasil inteiro, com 220 milhões de pessoas. Isso tem um impacto absolutamente negligenciável, muito mínimo. É claro que isso poderia ter um impacto muito grande após o Carnaval. A preocupação que tem que ter no Carnaval é a transmissão de doenças que já existem. Como as doenças sexualmente transmissíveis, que são as que têm maior impacto no Carnaval. Sífilis, HIV, e outras doenças é que se passa com muito mais facilidade, nesse momento, do que o coronavírus. 

 

Uma das ações da Sesab e da SMS no Carnaval em Salvador é a montagem de postos de testagem para Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs) e distribuição de preservativos. Essas ações são realmente eficazes? Existem outras que poderiam ser adotadas?

Elas ajudam sem dúvida nenhuma. Não há uma medida milagrosa para impedir essas infecções sexualmente transmissíveis, porque depende do comportamento humano. O indivíduo muitas vezes sabe que tem determinados vírus, e ele acaba naquele momento sendo negligente, passa, o efeito do álcool tira a capacidade da pessoa avaliar corretamente, se ainda tiver misturado com drogas que não são lícitas… Tem muitos fatores que impedem que a gente tenha uma taxa de transmissão zero. Por mais que o governo municipal, estadual e federal façam, ou outras associações façam, tudo vai estar ajudando a prevenir, mas não temos garantia. É importante que as pessoas tenham responsabilidade, para com ele e com os outros. 

Durante o Carnaval há uma grande concentração de pessoas e quando a festa passa é comum que as pessoas fiquem gripadas. Isso se repete todos os anos e até se brinca com o nome da gripe e a música do Carnaval. Tem uma maneira de reforçar o sistema imunológico para se preparar para a festa? 

Não. Para a gente tomar alguma coisa para o sistema imunológico assim super ótimo e acabar com todos os vírus, bactérias, fungos, protozoários, não existe. O que existe é, primeira coisa, ter hábitos saudáveis, para que seu corpo de uma forma geral possa responder às infecções. Porque se você não está preparado para aquela infecção, você se expondo, vai acabar contraindo. Se você tem um corpo que está saudável, está se alimentando bem, faz atividade física, seu corpo está funcionando na melhor das condições, ele vai poder responder a essa infecção e rapidamente debelar aquele agente infeccioso. Mas isso são medidas gerais, que todo mundo pode fazer, não é uma coisa específica, não é um comprimido, não tem isso. A outra parte que você pode evitar [as infecções] é através de vacinas para as coisas que a gente consegue evitar. Aí é mais um rol de doenças que você, mesmo exposto, não vai pegar porque você já tem anticorpos te prevenindo, esse é o segundo ponto. O terceiro é trabalhar na prevenção, ou seja, tentar ter um comportamento que eu me previna de pegar aquilo que eu possa estar suscetível. Quais são eles? Higienização frequente de suas mãos. Então você vai cumprimentar, abraçar muita gente, mas na hora de levar a mão à boca, aos olhos, pegar num alimento, você necessariamente lave as mãos com água e sabão, ou preferencialmente com álcool em gel. Aí você vai poder pegar no alimento, na sua boca. Se tiver alguém tossindo, que você vê que está com um resfriado, alguma coisa, procure manter uma distância de pelo menos um metro. Porque assim ela não vai lhe contaminar. 

 

Queria que o senhor explicasse um pouco sobre o calendário de vacinação adulto. 

Para o adulto é preciso ter atenção com algumas vacinações. Primeiro, tétano e difteria, que o adulto tem que tomar um reforço a cada dez anos. A gente vê alguns adultos com tétano hoje, porque ele esqueceu de tomar o reforço. A outra eu diria que é uma vacina para o pneumococo, que geralmente pessoas acima de 60 anos que devem tomar. A outra é a da gripe, Influenza, que na verdade todo mundo, qualquer pessoa, deveria tomar anualmente, mas pelo programa nacional de imunização, é dada gratuitamente só para alguns grupos. Agora é uma vacina que está disponível. Quem puder pagar, deve tomar. Existe uma vacina que é muito indicada para pessoas acima de 50 anos, que é a vacina do herpes zoster, o cobreiro. Quem já teve catapora um dia na vida pode ter o cobreiro mais adiante. O herpes zoster é uma doença muito chata porque às vezes ela pode deixar uma neuralgia, uma dor no nervo que fica contínua, que chama neuralgia pós herpética. A vacina do herpes zoster é uma vacina interessante de fazer, mas não está disponível pelo SUS. Tem que ser paga. Todo adulto também precisa ver se ele já foi vacinado para Hepatite B, porque é uma doença que não é boa, pode ficar crônica, e existe a vacina que é altamente eficaz. Também ela é disponibilizada no SUS até determinada idade, depois disso não. Então é importante a pessoa checar. 

 

E a vacina do HPV? A gente teve uma campanha uns anos atrás, inicialmente tinha foco em meninas, depois se expandiu para os meninos, mas a adesão ainda é baixa.

A vacina do HPV é importante ser feita por meninos e meninas. Porque ela é altamente eficaz. Deve ser feita antes do menino ou menina começar a vida sexual. Porque aí fica protegido do vírus HPV, que causa câncer no pênis e no colo do útero. Ela é dada gratuitamente pelo SUS, é muito eficaz, e tanto menos na faixa de oito a 14 anos, se não me engano, e meninas de 9 a 14 devem tomar. 

 

Então depois que a pessoa inicia a vida sexual ela não pode mais ser imunizada?

Pode ser imunizada, mas se ela acabou se contaminando com o HPV a vacina vai ter uma eficácia menor. 

 

O Ministério da Saúde chamou a atenção, durante a Reunião Ordinária da Comissão Intergestores Tripartite 2020, que os brasileiros devem temer mais o sarampo do que o coronavírus. O Brasil perdeu o certificado de erradicação do Sarampo. Existe a possibilidade de termos de volta essa certificação?

Sem dúvida alguma. É fundamental um esforço coletivo, Ministério da Saúde com os estados e municípios, para voltar a enfrentar a vacinação para o sarampo de forma o máximo possível disseminada. E volto a falar: as pessoas têm responsabilidade com a sua saúde e com a saúde dos outros. Elas têm que se vacinar e tem que levar seus filhos para serem vacinados. É fundamental. Não adianta fazer um investimento público enorme e depois as pessoas não se vacinarem. 

 

A Bahia registrou em 2019 um crescimento de 600% no número de casos prováveis de Dengue. Com esse aumento o estado pode declarar surto ou epidemia da doença?

O Brasil todo em 2019 teve uma epidemia de dengue. Foram mais de 1,4 milhão de casos. A Bahia não ficou fora disso. Foi um problema nacional. Nós tivemos em 2019 um número muito alto, como não vínhamos tendo desde 2016, que foi o último ano com altas taxas de dengue. Mas não foi só dengue. Teve e continua tendo chikungunya. A gente teve em 2019, sem dúvida, um ano de pico epidêmico, que foi semelhante e até superou o de 2016.

 

O governo do estado anunciou investimento na ampliação e modernização do Laboratório Central de Saúde Pública Professor Gonçalo Moniz (Lacen-BA). A unidade é referência para diagnóstico laboratorial das doenças de notificação compulsória de interesse para a Saúde Pública. Qual é a expectativa para essa modernização? E o que realmente vai mudar a partir dela?

O Lacen está sendo modernizado de forma muito intensa, hoje ele já tem capacidade de fazer análises microbiológicas muito sofisticadas, uso de tecnologias avançadas, e está avançando inclusive para identificação dos vírus por essas técnicas mais modernas de identificação molecular, está avançando. A partir agora de segunda-feira vamos testar inclusive uma tecnologia de identificação rápida, tipo em uma hora, uma hora e meia, uma quantidade grande de vírus respiratórios, que causam diarreia, bactérias que causam sepse, meningite, isso deve estar sendo incorporado. Então o Lacen hoje está passando por uma fase muito boa de expansão e de melhoria e ampliação dos horizontes de diagnósticos.