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Entrevista

Crítica do governo a Anvisa por plantio de Cannabis não tem embasamento, diz Cannab

Por Jade Coelho

Crítica do governo a Anvisa por plantio de Cannabis não tem embasamento, diz Cannab
Foto: Matheus Caldas/Bahia Notícias

Em meio ao embate sobre a regulamentação do plantio de Cannabis sativa para fins medicinais no Brasil, protagonizado pela Anvisa e pelo Governo Federal, quem sai prejudicado são as famílias de baixa renda com pacientes acometidos por doenças como epilepsia refratária de difícil controle, Parkinson e esclerose múltipla, que poderiam estar sendo beneficiados com medicação à base de CBD e THC. Esta é a avaliação de Leandro Stelitano, presidente Associação para Pesquisa e Desenvolvimeno da Cannabis no Brasil (Cannab). “Isso é que está atrapalhando a regulamentação sair mais rápido. Porque o ministro [da Cidadania, Osmar Terra] dá umas opiniões sem nenhum embasamento, apesar de ser médico”, argumentou Stelitano.

 

O titular da Cannab ainda esclareceu declarações dadas pelo ministro da Cidadania, que ameaçou fechar a Anvisa caso a agência autorizasse o plantio. “Ele não tem condições de poder fechar a Anvisa. A Anvisa é um órgão regulador independente do Executivo e do Legislativo, por isso que eu digo que ele não tem embasamento para falar, e o que ele diz nas entrevistas é que, para se ter uma medicação no Brasil, que é o CBD, você não precisa ter uma produção [da erva]”, disse Leandro, ao rechaçar a teoria de Terra.

 

Stelitano apontou ainda o atraso no Brasil neste tema ao destacar que é o único país da América do Sul que ainda não possui uma regulamentação sobre o plantio de Cannabis medicinal e citou um projeto da Cannab de produzir e fornecer a custo menores e acessíveis, a todos os seus associados, a medicação a base da Canabbis.

Como e com que objetivo surgiu a Associação para Pesquisa e Desenvolvimeno da Cannabis no Brasil?

A fundação surgiu em outubro de 2017, vai fazer quase dois anos. Surgiu de uma parceria com um amigo meu lá de São Paulo, que a gente já militava nesse seguimento. E eu também tenho amigos que têm crianças com diversas patologias que já usavam do óleo do CBD nessa época em que fundamos a associação. Eles têm essa resolução de você poder importar o produto desde 2015, então em 2017 já faziam o uso importado porque os pais têm condições, poder aquisitivo para importar a medicação. Mediante isso fizemos uma parceria com a Fundação de Neurologia, e desde outubro de 2017 vem junto nessa parceria atendendo aos nossos pacientes gratuitamente, não só na associação, como na fundação. Estamos até hoje em busca dessa liberação de cultivo, que a gente também deu entrada em fevereiro de 2018 no processo aqui na 6ª Vara, que ainda está me curso. Ficamos meio tristes porque já vai se passar um ano e meio e os nossos associados  hoje tem quase 300 seguem esperando essa medicação, porque a maioria dos nossos associados não tem esse poder aquisitivo para poder importar a medicação. Até hoje estamos buscando resposta na Justiça Federal na regulamentação da Anvisa, que está prometendo para sair ainda neste ano.

 

Os associados da Canabb são só de Salvador ou vocês têm também pessoas de outras localidades do estado?

Da Bahia e do Brasil. Temos associados de vários lugares do Brasil, mas 80% são da Bahia. 

 

Em quais doenças já se sabe que o uso das substâncias THC e CBD auxiliam no controle?

São diversas. A que se tem mais embasamento em pesquisas é com epilepsia refratária de difícil controle, Parkinson, esclerose múltipla... uma das enfermidades que tem aqui que é nossa, brasileira, e na Bahia tem uma grande quantidade, é de microcéfalos. São diversas patologias, até ansiedade, depressão. Hoje o Brasil já tem mais de 40 patologias que são prescritas e registradas na Anvisa. Porque quando a gente começou essa conversa a maioria dos laudos médicos era mais para quem tinha epilepsia de difícil controle, convulsão. Mas hoje, inclusive, tem um grande número de pessoas idosas que estão fazendo o uso da medicação. 

 

Como lidar com o preconceito e os tabus que envolvem o uso da maconha medicinal?

É complicado, mas hoje, como a questão está na pauta mundialmente, tem vários países que tem essa regulamentação, e a gente já está meio que atrasado. Mas eu costumo dizer que não nos preocupamos muito com as pessoas que tenham posição contra, porque estamos preocupados com os nossos associados. E quando essas pessoas que têm uma opinião contra tiverem  um ente querido na família com uma dessas patologias, e começarem a usar a medicação e a ter um resultado excepcional, aí automaticamente eles mudam de opinião. 

Na sua avaliação, a maconha é uma planta marginalizada? Ela é alvo de críticas sem embasamento?

Eu acho que quem não tem conteúdo e quem não tem entendimento na planta, relacionado a todas as pesquisas que se tem em todos os locais do mundo, é uma pessoa ignorante. Pessoa que marginaliza uma planta, como toda e outra qualquer, e quando já tem embasamento científico dizendo que para diversas patologias, enfermidades, ela tem um efeito altamente positivo, não tem porque estar contestando. 

 

Esses tabus que envolvem a maconha acabam atrapalhando pesquisas e desenvolvimento de tratamentos baseados na erva?

De certo modo pode atrapalhar um pouco, mas isso a gente está falando aqui do Brasil. Porque esses tabus, inclusive na América do Sul, não acontecem mais. O Brasil é o último país a ter uma regulamentação da Canabbis medicinal. Aqui pode ter esse preconceito, e esse freio para o avanço nas pesquisas, mas como é uma coisa que vem de fora para aqui o Brasil não tem mais como segurar. Então as pesquisas vão avançar a cada dia.

 

O que falta para que esse tema passe a ser encarado com a importância adequada? 

Eu acho que primeiro tem que vir a regulamentação. Estamos aguardando a regulamentação da Anvisa, estivemos presentes lá na audiência publica no mês passado. E o que os diretores da Anvisa dizem é que agora entre outubro e novembro essa regulamentação já vai estar pronta aqui para o Brasil para a gente ter acesso a essa medicação hoje, com preço justo, porque importando uma medicação nesses valores você não consegue atender nem 1% da população brasileira, principalmente a nossa, baiana e soteropolitana, devido ao grande índice de desigualdade social. A gente precisa que essa regulamentação saia para que consiga produzir aqui o nosso medicamento e ele sair com um preço justo para os nossos associados. 

 

Hoje só quem tem certo poder aquisitivo tem acesso. As pessoas de baixa renda que têm a necessidade acabam não tendo aceso apesar de ser liberado?

Exatamente. E são 90% a 95% dos nossos associados. Hoje a gente tem 300 associados e no máximo cinco conseguem importar o medicamento. Então por isso que buscamos produzir aqui para sair um preço justo e conseguirmos atender a demanda local. Hoje um frasco de 30 ml importado sai em média R$ 1.500, e tem pacientes que podem usar de um a três frascos por mês, então é impossível um tratamento com esses custos.

 

Vocês têm ideia de quanto seria para produzir e quanto sairia para essas pessoas se a associação conseguisse produzir e fornecer esse medicamento? Vocês já têm algum estudo nesse sentido? 

Testudos desse valor, inclusive o nosso protocolo de cultivo está lá no processo, na Justiça, mas não pode fechar um valor correto porque de acordo agora as regras da regulamentação da Anvisa vai ser um plantio muito bem controlado, então requer um custo maior. É exatamente isso que a gente está buscando na Anvisa, inclusive foi uma proposta nossa, da Associação, ter um plantio que se chama "green house", que no mundo todo tem. Até então a regulamentação da Anvisa dizia que a planta tinha que ser cultivada entre quatro paredes, com duas portas na sala, com biometria, todo um esquema de segurança que a gente concorda, mas que iria onerar o custo do produto final. Então umas das propostas que demos na audiência pública do mês passado foi no cultivo dessa forma, que são como se fossem estufas que você consegue até aproveitar a luz do dia. Não tem toda essa burocracia em torno da planta e a gente consegue ter um custo de cultivo muito mais em conta e consequentemente o produto final, o medicamento, ia sair muito mais barato. 

 

Estamos em meio a um embate entre Anvisa e Governo Federal sobre a possibilidade de liberação do plantio de Cannabis sativa para fins medicinais no Brasil. O ministro da Cidadania Osmar Terra chegou a afirmar que a Anvisa poderá ser fechada caso aprove regras que versam sobre o tema. Em entrevista no mês passado, Terra disse que "pode ter ação judicial", se o órgão flexibilizar as regras. Como o senhor vê essa rusga e essas declarações?

Eu acho que isso é que está atrapalhando a regulamentação sair mais rápido. Porque o ministro dá umas opiniões sem nenhum embasamento, apesar de ser médico. Ele não tem condições de fechar a Anvisa. A Anvisa é um órgão regulador independente do Executivo e do Legislativo, por isso que eu digo que ele não tem embasamento para falar, e o que o ministro diz nas entrevistas é que para se ter uma medicação no Brasil, que é o CBD, você não precisa ter uma produção [da erva]. Só ele no mundo diz que a gente pode produzir um CBD sintético, só que não existe hoje nenhuma pesquisa no mundo que tenha um medicamento sintético. Então são palavras soltas, sem embasamento nenhum, que fica nesse entrave do governo com a Agência reguladora, e quem está no meio desse fogo cruzado é que está sendo prejudicado, que são os associados que estão aguardando essa regulamentação, mas eu acredito e apoio 100% a Anvisa, que ela vai conseguir mediar essa regulamentação ainda esse ano. Infelizmente o governo vai ter que acatar. 

A Anvisa recentemente realizou uma consulta pública sobre a possibilidade de liberação do plantio de Cannabis sativa para fins medicinais no Brasil. A consulta contou com 554 contribuições. O diretor-presidente da Anvisa, William Dib, atribuiu a responsabilidade pela decisão sobre a regulamentação do plantio e o uso da cannabis medicinal à população. O senhor concorda? A população brasileira está preparada e tem conhecimento adequado para decidir algo neste sentido?

Concordo em parte. O que ele quis dizer é que a população tem que decidir porque ele já sabe, nós sabemos por pesquisas, que a maioria da população, nessa questão da cannabis medicinal, é completamente a favor. Inclusive até a bancada evangélica hoje no Congresso é a favor dessa questão. Então o que ele quis dizer foi isso, que deixando com a população, uma maioria esmagadora é a favor, mas não que dependa da população para sair a regulamentação da Anvisa. Isso aí ja está certo, porque já foi votado, inclusive acabou o prazo da audiência pública e agora eles estão formulando o relatório final para poder divulgar as empresas que estão aptas a cultivar aqui no Brasil, e pelo prazo que William Dib demonstrou pra gente, e que são prazos que tem que ser cumpridos, depois que acabada a audiência pública você tem 40 dias para emitir o relatório, e esses 40 dias acabam em outubro. 

 

Vocês mantém contato com a Anvisa? Como funciona essa relação? 

Há dois anos temos contato com a Anvisa, inclusive com o antigo diretor, então tem essa relação aberta, somos convidados, participamos da audiência pública. Todo o projeto da Associação, está lá registrado, e a gente está aguardando essa regulamentação para estar apta ao plantio, ao cultivo, para atender os nosso associados. Então tem duas vertentes, a regulamentação da Anvisa e o nosso processo em que a gente se antecipou a essa regulamentação, e deu entrada no pedido de cultivo de plantio aqui em fevereiro de 2018. Mas eu acho que vai acontecer tudo no mesmo momento. 

 

Como o senhor, e a Cannab, veem a descriminalização da maconha no Brasil?

Essa questão da descriminalização da maconha ou na canabbis no Brasil é um entendimento que tá lá no Supremo. Não adianta nem a minha opinião, nem a do governo, nem da Anvisa, a questão da descriminalização é jurídica. Se eu não me engano, tenho quase certeza, a votação retorna no dia 6 de novembro, inclusive está três a zero. Três ministros já votaram a favor da descriminalização e do porto para o consumo, mas a gente tem que aguardar, deixar lá com o Supremo, porque quando a questão está na Justiça independente de nossas opiniões é aquela instância que vai ter que regulamentar ou não. O que se busca aqui e está completamente atrasado é a questão da regulamentação do uso medicinal. Volto a falar, o Brasil é o último país da América do Sul a ter uma regulamentação dessa questão, então a gente está focado na questão medicinal.