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Entrevista

No Brasil, idade chega junto com preconceitos e falta de preparo da sociedade com idosos

Por Jade Coelho

No Brasil, idade chega junto com preconceitos e falta de preparo da sociedade com idosos
Foto: Priscila Melo / Bahia Notíticas

Com o crescimento da população idosa atingindo níveis cada vez maiores e a previsão de que em alguns anos o número dessa população no Brasil seja superior ao de pessoas de até 15 anos, a sociedade precisa se adaptar e se preparar. Esta é a avaliação do médico geriatra e presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia na Bahia, Leonardo Oliva, que defende que o “idoso tem uma série de demandas que a gente precisa estar pronto”.

 

“Eu não consigo pensar em um setor da sociedade brasileira que esteja preparado para lidar com isso que a gente chama de tsunami prateada. É uma verdadeira onda, gigantesca, de pessoas idosas, que necessitam de toda uma visão de políticas públicas, de sociedade, preparação para a gente receber esse número tão grande de idosos”, defendeu o profissional.

 

Entre os pontos apontados pelo geriatra como principais para proporcionar dignidade de qualidade de vida para população idosa está a ampliação do fornecimento de políticas públicas voltadas para este público.  “O idoso demanda muito mais saúde do que a pessoa mais jovem, ele interna mais, usa mais medicações, tem mais necessidade de consultas médicas”, chamou a atenção. “O custo de saúde em geral de uma pessoa idosa é bem maior do que de uma pessoa mais jovem, então a sociedade também tem que estar preparada para isso”, analisou Oliva.

 

Outro ponto destacado por Leonardo Oliva foram acerca dos preconceitos sofridos pela população idosa. “Que o idoso é esquecido, que é surdo, que é lento, e existe o preconceito de que o idoso perde a sexualidade”, listou. “Isso não é verdade, a gente precisa combater isso, precisa falar sobre isso”, defendeu o médico. 

 

Dados mostram que os brasileiros estão envelhecendo mais. Daqui a algumas décadas nós teremos um número alto de idosos. Esse é, inclusive, um dos argumentos em defesa da reforma da Previdência. A que podemos atribuir este fato? As pessoas estão se cuidando mais? Dando maior atenção a alimentação e a saúde? O que vem acontecendo?

O envelhecimento populacional se dá por dois fatores basicamente. A gente consegue ter uma expectativa de vida maior, então a gente vive mais, e a gente tem uma taxa de natalidade menor. A gente está vivendo mais por uma série de outros fatores, primeiro melhoramos muito o saneamento básico, então doenças infecciosas tem um controle melhor, a gente tem vacina com abrangência melhor, a saúde melhorou no ponto de vista de abrangência. Talvez 30/40 anos atrás só tinha acesso a saúde quem tinha uma carteira assinada. Então a gente conseguiu, com um melhor controle de doenças, melhor controle de saneamento básico, de vacinação, de medidas pública, políticas públicas de melhoria de saúde geral da população envelhecer. Atingir o envelhecimento é sinônimo de evoluir como país. Os países mais desenvolvidos tem uma expectativa de vida mais alta, e o Brasil está tentando chegar lá. Nós somos um país que envelhece muito rapidamente. Essa é uma preocupação, inclusive, porque a gente está envelhecendo numa taxa muito alta, e isso gera outros problemas que a gente vai enfrentar aí pela frente. 

 

Salvador foi apontada como a capital nordestina com o maior número de idosos pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). A que podemos atribuir este dado? O que diferencia Salvador das demais capitais em relação a expectativa de vida?

É difícil entender o porquê exatamente Salvador tem o maior número de idosos. A população de salvador é muito grande, então em número absoluto se deve a isso grande parte. Porque a gente tem uma população maior realmente. Nossa expectativa de vida na nossa população de idosos a nível proporcional, se a gente pensar proporcionalmente, é semelhante a outros estados do Nordeste, que tem características parecidas, como Pernambuco, Ceará, e são estados muito parecidos com a Bahia. A questão é que Salvador é uma cidade muito populosa, e é uma cidade antiga, a gente tem uma concentração de idosos. É uma cidade que de certa forma o nossos povo cuida dos idosos, isso é uma característica do brasileiro, mas o baiano segue isso de forma bastante intensa. Então a gente cuida dos idosos de uma forma mais intensa. Se a gente comparar por exemplo com estados do Sul e Sudeste, lá se institucionaliza muito mais os idosos, porque não se tem esse hábito de cuidar. Aqui é o contrário, institucionalizar aqui, colocar em uma casa de repouso, soa como abandono para nossa população. Isso acaba agregando. 

 

Hoje em dia está cada vez maior a disseminação de fake news. A saúde é um tema comum deste tipo de informação falsa. Em paralelo a isso há também um crescimento do movimento antivacinal. A população idosa vem sofrendo com esses fatores?

Eles também sofrem com fake news. A principal vacina relacionada ao idoso é a vacina da gripe. É uma vacinação que tem que ser anual, de extrema importância, porque reduz mortalidade. Quando a gente vacina a população idosa, o idoso morre menos porque foi vacinado. Esse é um desfecho muito importante. Só que as fake news atrapalham, existe um boato, e ainda tem muito do boca a boca com os mais idosos, mas eles também têm acesso às redes sociais, e também recebem notícias de que a vacina é pra matar velho, a vacina faz mal, que alguém ficou paralisado porque tomou vacina. Tem diversas fake news sobre vacinação da gripe principalmente, todas infundadas obviamente, mas que atingem o público  e acabam reduzindo abrangência vacinal.

 

Uma pesquisa do Instituto Locomotiva divulgada em abril mostrou a importância que os brasileiros dão a aparência. O responsável pela pesquisa acredita que o medo de mudanças na aparência refletem "o preconceito que existe em relação ao envelhecimento". O senhor concorda com esta afirmação? Em sua opinião o envelhecimento é visto como um vilão e é alvo de preconceito?

Concordo sim, sem dúvida. E esse preconceito está presente inclusive entre os mais velhos. Eu não tenho dúvida que o brasileiro dá mais importância à beleza do que a saúde. Até se a gente pensar nessa crise dos últimos anos, as indústrias que permaneceram ativas e vendendo são as de cosméticos, de beleza, salão. Essas empresas não perdem público, mesmo em tempos de crise. A medida que a gente envelhece a gente perde o padrão de beleza estabelecido pela sociedade e surge a ideia de que você é menos saudável porque envelheceu, que você é menos bonito porque envelheceu. Esse padrão de beleza ditado pela sociedade influencia negativamente, na própria percepção de como a pessoa se vê mais velha, e cria um nicho de pessoas procurando o antienvelhecimento. Uma busca incansável por estar jovem, que acaba fazendo mal a saúde. Então a busca por não envelhecer, que é um processo normal, fisiológico, inexorável, ou seja, vai acontecer, e a única forma que a gente tem de não envelhecer é morrendo cedo, se a gente não morrer cedo a gente vai envelhecer. A gente deve procurar envelhecer bem, e não deve lutar contra o envelhecimento. A gente deve lutar a favor do envelhecimento saudável, bem sucedido, aquele que independente se seu cabelo está branco, se você tem um pouco mais de rugas, se seu corpo não é tão desenhado, tão atlético como era antes, mas que você é capaz de fazer suas atividades, que você desempenha um papel na sociedade, que você tem um ciclo social, esse é um envelhecimento saudável, bem sucedido. 

 

O Brasil atualmente conta com mais de 29 milhões de pessoas acima dos 60 anos e a expectativa, segundo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é que o número ultrapasse os 73 milhões até 2060. A sociedade está preparada para lidar com um número cada vez maior de idosos?

Não, não está. Eu não consigo pensar em um setor da sociedade brasileira que esteja preparado para lidar com isso que a gente chama de tsunami prateada. É uma verdadeira onda, gigantesca, de pessoas idosas, que necessitam de toda uma visão de políticas públicas, de sociedade, preparação para a gente receber esse número tão grande de idosos. Em pouco tempo, o número de idosos no país vai ultrapassar o número de pessoas abaixo de 15 anos. Isso está acontecendo no Brasil em uma velocidade muito maior do que aconteceu em outros países que são considerados envelhecidos. O idoso tem uma série de demandas que a gente precisa estar pronto. Você começou falando da reforma da Previdência, sem dúvida nenhuma é uma discussão que precisa existir. Não dá para se manter  a mesma forma que vinha se fazendo previdência quando a gente começa aumentar o número de pessoas que está recebendo e diminuindo o número de pessoas que está pagando, essa balança não se equilibra. Claro que existem muitas formas de fazer isso, não é o dinheiro de quem está pagando que vai diretamente pra quem está recebendo, precisa haver uma política econômica misturando isso, mas a gente sabe que se o número de idosos aumenta muito, e o número de pessoas que contribui diminui essa balança não vai fechar. Mas não é só com a Previdência. Se a gente pensar em saúde, o idoso demanda muito mais saúde do que a pessoa mais jovem, ele interna mais, ele usa mais medicações, tem mais necessidade de consultas médicas. O custo de saúde em geral de uma pessoa idosa é bem maior do que de uma pessoa mais jovem, então a sociedade também tem que estar preparada para isso. Como é que  agente se prepara para isso? Trabalhando em prevenção, com política de evitar o adoecimento, controle adequado de doenças crônicas, para que quando a gente envelheça, seja gastando menos em saúde. Mas a gente não tá preparado, a gente não tem centros de convivência para idosos, instituições de longa permanência, que muitas vezes a gente precisa. A família não tem condições de cuidar, a gente não tem profissionais especializados suficientes pra lidar com isso, aí inclui os geriatras e gerontólogos. 

 

Como médico geriatra, como o senhor avalia o atendimento público destinado a esta população no SUS? Quais pontos precisam ser melhorados? O que é mais e o que é menos urgente nesse sentido?

Pra gente conseguir atender bem o idoso a gente vai ter que sair do atendimento do idosos que já está muito necessitado e começar a investir nessa parte de prevenção, de controle adequado das doenças crônicas. Hoje existem várias doenças que antigamente matavam e que hoje a gente controla bem e o individuo envelhece com estas doenças, mas quando elas não são bem controladas ele envelhece com muitas necessidades, com perdas funcionais como a gente chama. E isso tem um alto custo para a sociedade, e não é só para a saúde não, para a sociedade em geral. Precisa de alguém para cuidar dele, então os filhos não podem trabalhar tanto quanto trabalhavam, então o custo de envelhecer mal é muito alto para a sociedade. Hoje já existe uma quantidade grande de idosos necessitando de cuidados especializados, aqui na nossa cidade a gente tem alguns centros públicos de atendimento, os principais são o Creasi [Centro de referência Estadual de atenção ao idoso], as Obras Irmã Dulce e no Hospital das Clínicas da Universidade Federal da Bahia (Ufba). Talvez esses sejam os três grandes polos de atendimento ao idoso, infelizmente a população idoso necessitada desse atendimento é bem maior do que esses três centros são capazes de atender. A gente precisaria de um número maior de profissionais voltados para isso e de uma atenção maior das esferas organizacionais, governo e prefeitura, dando uma atenção maior a isso. 

 

Existem doenças que automaticamente, e por vezes de modo errado, são associadas a velhice, a exemplo da hipertensão, diabetes, Alzheimer, Parkinson, etc. É possível envelhecer de modo saudável e passar dos 60 anos sem ter doenças como essas?

Sim é possível. A gente costuma dizer que existem três tipos de pacientes que envelhecem. Tem o "escapador", que envelheceu sem nenhum tipo de doença, a menor porção dos pacientes; existe aquele que envelhece e que resistiu as doenças, ele adoece desde a idade adulta ou jovem, 40, 50 anos, com doenças crônicas controláveis, ele controla essas doenças bem e atinge a terceira idade. Por fim, existe aquele que atrasa o adoecimento, ele envelhece sem doença nenhuma, mas quando chega ali por volta dos 70 anos começam a surgir alguns problemas de saúde. Independente dele ter problema de saúde ou não, ter doenças diagnosticadas, ele pode estar saudável, isso é uma coisa importante. Por exemplo, você citou as duas doenças mais prevalentes no idoso, diabetes e hipertensão, se a gente controla bem, de forma adequada essas doenças, o individuo vive como se não as tivesse. As consequências dessas doenças estão mais relacionadas a falta do controle adequado, do que da doença em si. A gente pode envelhecer bem sem nenhuma doença, e com alguma doença bem controlada também. 

 

O sexo na terceira idade é visto como um tabu. Existem contra indicações nesse sentido? Quais são as preocupações e/ou cuidados que os idosos tem que ter para manter uma vida sexual ativa?  

Existem vários preconceitos contra pessoa idosa, que o idosos é esquecido, que é surdo, que é lento, e existe o preconceito de que o idoso perde a sexualidade. Isso não é verdade, a gente precisa combater isso, precisa falar sobre isso. Muitas vezes a dificuldade do médico, do profissional de saúde em falar da sexualidade é mais dele do que do paciente. Quando a gente aborda isso com os pacientes eles se sentem a vontade pra conversar com o médico. O idoso também tem sexualidade. Ter sexualidade não necessariamente significa praticar o ato sexual, ele pode praticar ou não, mas ele tem desejos, vontades, e de maneira geral é uma adaptação do que seu corpo é capaz de fazer e tem vontade de fazer. As pessoas relatam que mantém uma vida sexual ativa independente disso significar coito, independente do tipo de ato sexual que se realiza, mas ter sexualidade e vida sexual ativa vai muito além disso. Não existe contra indicação de realização de atividade sexual nos mais idosos, é claro que idosos doentes não podem fazer esforços físicos, a depender da doença se você tiver uma limitação de esforço físico o ato sexual pode ser um esforço físico contraindicado. Mas hoje com tratamentos mais modernos para o homem para disfunção erétil, fácil de usar, que são comprimidos que já estão bem baratos e bastante seguros, ja evoluiu-se muito, se consegue ter uma vida sexual ativa de forma a ter muita qualidade também na questão sexual. Tanto homens, que para o coito precisa de ereção e tem muitas medicamentes e tratamentos para isso, até mesmo a prótese peniana, nem sempre o homem precisa do coito para ficar satisfeito. E para as mulheres muitas vezes o envelhecimento prejudica um pouco a capacidade de coito por dor, ressecamento, mas também existe tratamento para isso. Quando a gente conversa com o paciente e entende que isso é necessário a gente faz os tratamentos e melhora a qualidade de vida desses indivíduos. Esse ponto é muito importante, precisa ser conversado, não pode ser encarado como um tabu, um preconceito que não existe.