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Entrevista

SUS não cobre tratamentos avançados do câncer e saída é pesquisa, avalia oncologista

Por Jade Coelho

SUS não cobre tratamentos avançados do câncer e saída é pesquisa, avalia oncologista
Foto: Paulo Victor Nadal / Bahia Notícias

Ao lamentar a oferta limitada de tratamentos oncológicos inovadores no Sistema Único de Saúde (SUS), a médica Clarissa Mathias, oncologista do Núcleo de Oncologia da Bahia (NOB) e recém empossada coordenadora do Comitê Internacional da Sociedade Americana de Oncologia Clínica, defende o fomento à pesquisa no país e o potencial dos pesquisadores locais. “Os pesquisadores brasileiros sabem fazer pesquisa clínica, a gente tem um portfólio muito bacana e termos de auditorias e etc, então a gente precisa aproveitar isso, trazer mais pesquisas para o Brasil, com uma desburocratização dos órgãos como a Anvisa”, argumentou.

 

“Infelizmente o SUS obedece ao regime federal, você tem as alguns critérios e empecilhos e não consegue, na maioria das vezes, cobrir os tratamentos mais modernos, mais novos, por isso que a pesquisa é tão importante”, completou a médica, que ainda defendeu a pesquisa como uma “grande oportunidade” de oferecer a um paciente, principalmente àqueles que não têm uma saúde suplementar, o que tem de mais avançado naquele tratamento.

 

A especialista em oncologia ainda defendeu o tratamento humano e a necessidade dos médicos olharem para os pacientes “como um todo”, principalmente no tratamento do câncer. “Ser humano em tratar o paciente é uma coisa que você não precisa de recursos, não precisa de arsenais financeiros, tem como igualar as desigualdades dentro do tratamento humanizado”, argumentou a médica, ao defender que todas as pessoas merecem um tratamento humanizado.

 

Na avaliação de Clarissa Mathias, o próprio diagnóstico de câncer traz uma série de estigmas, de dificuldades e de alterações psicológicas, e nesse sentido o tratamento humanizado faz toda a diferença. “O paciente precisa ser acolhido de uma forma bacana para que ele possa até desempenhar melhor o seu papel dentro do tratamento”, analisou. 

A senhora foi nomeada coordenadora do Comitê Internacional da Sociedade Americana de Oncologia Clínica, qual foi o sentimento com essa notícia? O que representa pra você este trabalho? 

Eu não esperava, fiz parte do Comitê há três anos atrás. É um Comitê que é formado por pessoas de todo o mundo, são oncologistas do mundo inteiro, é pequeno, e aí você faz um termo de três anos e aí quando eu recebi o e-mail no mês passado eu fiquei super feliz porque é uma honra muito grande. 

 

E o que pretende desenvolver a frente do Comitê?

Na verdade esse comitê é responsável por toda a parte de alocação de verba, recursos, projetos de pesquisas, bolsas. Está envolvido com uma série de eventos para a melhoria do tratamento do câncer no mundo. Então tem programas na Índia, África, programas no Vietnã, na América Latina, então assim realmente o cuidado, com a Organização Mundial de Saúde, Instituto Nacional do Câncer, é o cuidado realmente para melhorar o tratamento do câncer. 

 

Quantas pessoas estão envolvidas nesse trabalho?

O comitê é formado por em torno de 20 pessoas os membros rodam anualmente. Então agora eu entrei como coordenadora eleita, fico um ano nesse cargo, vou ser efetiva de 2020 a 2021 e depois fico como pós coordenadora. Então nesses três anos eu acho que tem várias oportunidades da gente poder desenvolver vários projetos.

 

A senhora tomou posse da presidência do Comitê Mundial da Sociedade Americana de Oncologia Clínica durante o evento da entidade nos EUA. Neste ano o tema foi Medicina Humanizada. Qual a importância e que diferença faz esse tipo de atendimento no tratamento do câncer?

Ser humano em tratar o paciente é uma coisa que você não precisa de recursos, não precisa de arsenais financeiros, tem como igualar as desigualdades dentro do tratamento humanizado. Todo mundo merece um tratamento humanizado. O próprio diagnóstico de câncer traz uma série de estigmas, de dificuldades, de alterações psicológicas, então o paciente precisa ser acolhido de uma forma bacana para que ele possa até desempenhar melhor o seu papel dentro do tratamento. 

 

O que seria esse tratamento humanizado?

Tem uma psicóloga amiga minha que fala que é um absurdo a palavra “humanizada” porque se é ser humano teria que ser humanizada. Você não fala que uma formiga tem que ser formigada. Humanizado é tratar o outro como você gostaria que as pessoas lhe tratassem. Meu conceito de humanizado é isso. 

O evento contou com apresentação e publicação de vários estudos sobre o câncer. Qual foi o que mais te chamou a atenção entre os apresentados?

Na verdade a sessão plenária, que são os estudos mais importantes, foi uma sessão extremamente palpitante. Teve um estudo que foi bacana sobre o Obama Care, e como a maior cobertura de pacientes dentro do sistema Obama Care pode melhorar o tratamento do câncer. Na verdade essa questão econômica é um problema não só no Brasil e em outros países em desenvolvimento, é um problema mundial. Existe uma conta que precisa fechar, então esse trabalho foi bem interessantes. Teve também um trabalho sobre câncer de próstata que foi interessante, mostrando a incorporação de uma medicação nova com resultados bons, mas não foi nada assim muito palpitante. Muito estudo de medicamentos droga alfo, onde você pode mirar em determinado alvo e melhorar os resultados do tratamento. 

 

Tinha algum trabalho brasileiro?

Vários trabalhos brasileiros. Vários brasileiros apresentaram. 

 

Qual a avaliação da senhora sobre os estudos, pesquisas, ensaios e avanços no tratamento dos cânceres no mundo?

Hoje o câncer é uma nova doença. Antes, você ter um câncer, ser diagnosticado com um câncer, era uma sentença de morte. Isso no passado, se agente for pensar há trinta anos atrás. Nós tínhamos um arsenal muito pequeno de medicamentos para poder tratar o câncer. Hoje isso mudou completamente. Hoje você tem pacientes com doenças metastática vivendo durante muitos anos, vivendo bem, com uma qualidade de vida boa. Hoje você tem o braço da imunoterapia, que é o maior avanço que existe em termo de tratamento, junto com as terapias alvo, então você tem tumores, por exemplo, os dados de melanoma, foram apresentados mostrando resultados fantásticos com o tratamento a longo prazo. Uma doença que era fatal, que era uma sentença de morte. Então eu acho que a gente tem avançado bastante, não só no diagnóstico precoce, que é extremamente importante, continua sendo, como na prevenção. Hoje nós sabemos identificar fatores de risco para vários tipos de câncer e com isso você reduz o fator de risco e reduz o risco da doença e realmente poder instituir um tratamento precoce e um tratamento dentro dessas linhas mais avançadas. 

 

E falando de Brasil? Como a senhora avalia essa questão da pesquisa aqui?  

Nós precisamos fomentar a pesquisa no Brasil. A pesquisa é uma grande oportunidade de oferecer a um paciente, principalmente aqueles que não têm uma saúde suplementar, o que tem de mais avançado naquele tratamento. Porque todo projeto de pesquisa é feito da seguinte maneira: você tem um braço que é chamado de controle, que é o melhor tratamento disponibilizado, versus um braço que é a pergunta experimental.  Essa pergunta experimental, na grande maioria das vezes, vai ser no mínimo igual ou melhor, é muito raro você ter um braço experimental que seja pior. Então a valorização da pesquisa clínica no Brasil, e os pesquisadores brasileiros sabem fazer pesquisa clínica, a gente tem um portfólio muito bacana e termos de auditorias e etc, então a gente precisa aproveitar isso, trazer mais pesquisas para o Brasil, com uma desburocratização dos órgãos tipo Conep, Anvisa, e a gente como Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica, tem lutado muito em relação a isso, junto com alguns grupos cooperativos para gente tentar desburocratizar, trazer mais estudos e melhorar o tratamento do paciente.

 

Então na sua visão no Brasil nós temos potencial para fazer pesquisas de inovação no tratamento do câncer?

 Temos potencial e gente faz pesquisa na verdade. 

Qual sua avaliação do tratamento público do câncer no Brasil e na Bahia?

Infelizmente o SUS obedece ao regime federal, você tem as alguns critérios e empecilhos e não consegue, na maioria das vezes, cobrir os tratamentos mais modernos, mais novos, por isso que a pesquisa é tão importante. A não ser em algumas ilhas isoladas como Barretos, o ISESP em São Paulo, onde você tem um SUS diferenciado, fora isso o tratamento é sempre inferior ao mais atual,  isso é uma coisa muito triste. 

 

Qual a sua avaliação sobre as campanhas de conscientização sobre o câncer? Como o Outubro Rosa, Novembro Azul? 

Essas campanhas são importantes, ela trazem uma conscientização em relação à presença, então você tem momento de mulheres que procuram fazer os exames de rastreamento em outubro. Você tem um maior número de homens procurando o urologista em novembro. Dezembro é o dezembro laranja, que o mês do câncer de pele. Então assim, no meu ver, são campanhas importantes, mas o que a gente precisa fazer é trazer isso para o dia a dia dos médicos. Para que quando um médico veja um paciente ele enxergue o paciente como um todo e ele se lembre de realmente fazer, de pensar no rastreamento precoce. 

 

Indepentende da especialidade?

Sim, independente da especialidade. 

 

As Fake News tem prejudicado a saúde de muitos brasileiros com efeitos como a diminuição do número de crianças vacinadas. Em relação ao tratamento e prevenção do câncer, essas notícias falsas também têm atrapalhado?

Bastante. Na verdade o câncer é um solo fértil para Fake News, porque quando você descobre é um desespero, quando uma pessoa é diagnosticada na família, você fica desesperado procurando alguma tábua de salvação. Se alguém disser alguma coisa você se pega naquilo e infelizmente as pessoas veiculam informações erradas, prometem coisas que não são baseadas realmente em estudos. Então nosso papel, enquanto sociedade, é desmistificar isso e se tornar disponível para retirar esses efeitos.