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Entrevista

Especialista defende benefícios emocionais ligados à cirurgia bariátrica na adolescência

Por Renata Farias

Especialista defende benefícios emocionais ligados à cirurgia bariátrica na adolescência
Foto: Paulo Victor Nadal / Bahia Notícias

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que, no Brasil, 15% das crianças com idade entre cinco e nove anos e 25% dos adolescentes têm sobrepeso ou obesidade. Com o crescimento destes números e o consequente aumento das doenças associadas – diabetes, hipertensão, apneia, problemas nas articulações, entre outras –, têm se elevado as indicações a cirurgia bariátrica para estes pacientes. Apesar de considerada uma das últimas opções, por ser um procedimento invasivo, a cirurgia bariátrica é importante até mesmo para o desenvolvimento emocional dos jovens, defendeu o cirurgião Marcos Leão, em entrevista ao Bahia Notícias. Considerado uma das referências brasileiras em cirurgia bariátrica em adolescentes, o especialista argumentou que a espera pode ser prejudicial para este público específico. “O adolescente está em uma fase de vida muito peculiar, quando ele está construindo toda a base de sua personalidade, estrutura social, autoestima, encontrando seus espaços... Se ele passa aquele período com obesidade mórbida, a probabilidade de um impacto negativo na formação de sua personalidade é maior. A pessoa retarda uma cirurgia, mas tudo que se passou naquela fase está perdido”. Leão explicou também que, no passado, acreditava-se ser importante aguardar o fim da puberdade para realização do procedimento. No entanto, pesquisas apontaram que a obesidade representa maior prejuízo sobre a puberdade, em comparação aos riscos associados à cirurgia. “Por exemplo, eu tenho estudos que mostram que o indivíduo que é operado na adolescência tem uma taxa de crescimento em estatura maior do que o indivíduo que não opera. Você tira a carga da obesidade de cima dele, então ele cresce mais, uma média de um centímetro a mais por ano do que o não operado. O desenvolvimento sexual secundário, a puberdade não são impactados pela cirurgia”, acrescentou.

 

Nós temos uma taxa bastante alta de sobrepeso e obesidade em crianças e adolescentes. Nos estudos que o senhor participou e acompanha, quais são as principais causas desse quadro?

No mundo inteiro, a obesidade vem crescendo em todas as faixas etárias. Na faixa etária mais jovem, em uma velocidade maior. Ainda não tem um número absoluto maior do que nas outras, mas a velocidade de crescimento é muito maior. Meus estudos são mais focados na cirurgia, mas obviamente a gente acompanha o crescimento da obesidade em todo o mundo e o que mudou foi a sociedade. Nós vivíamos em uma sociedade onde o alimento era escasso e o trabalho braçal muito mais importante. Nos últimos anos, o avanço tecnológico foi fazendo com que a pessoa cada dia mais evite fazer esforços, por menores que sejam, e ao mesmo tempo fomos aumentando o acesso à comida, principalmente industrializada, com alto teor calórico. São basicamente os hábitos de vida da sociedade moderna que vêm aumentando esse número em todas as faixas etárias. Os nossos jovens hoje, por exemplo, não brincam mais na rua, como antes. O acesso à tecnologia fez com que os hábitos demandem menos gasto energético. Para crianças e adolescentes isso é ainda mais importante.

 

Defende-se que, antes de qualquer procedimento invasivo, sejam realizados outros tratamentos. A cirurgia normalmente é tratada como a última opção, especialmente entre jovens. Em quais casos a cirurgia bariátrica é indicada para uma criança ou adolescente?

Quando a obesidade toma uma proporção muito grande. A cirurgia bariátrica, seja na população jovem, adolescente ou adulta, é um recurso para casos graves de obesidade. Dependendo da gravidade, não necessariamente é o último recurso. Teoricamente, deveria ser assim, mas, se chega para mim um indivíduo com grau de obesidade extrema, o índice de sucesso de qualquer tratamento clínico é tão ridiculamente baixo que você só vai estar protelando e perdendo tempo com um tratamento clínico, porque ele não dispõe de armas. As armas do tratamento clínico são mudanças de hábitos de vida através de alimentação, o que é extremamente difícil e levou as pessoas a essa obesidade. Eu não estou falando de indivíduos gordinhos, estou falando de obesidade extrema, aquele que já sofre de todos os males da obesidade, principalmente os emocionais. Esses adolescentes têm muito mais impacto psicossocial do que médico, embora já exista também impacto médico, como diabetes e apneia do sono. De qualquer forma, obviamente, o tratamento cirúrgico é a última escolha. O ideal é que se tente melhorar os hábitos para tratar isso, mas é muito falho. A gente, infelizmente, termina protelando o diagnóstico. O que a gente sabe no adolescente é que, quanto mais a gente protela a resolução daquilo, mais impacto emocional a gente tem, com mais difícil reversibilidade. 


 

Existe uma idade mínima para realização da cirurgia? É preciso considerar, inclusive, que na puberdade o corpo muda bastante, correto?

No passado, havia uma preocupação maior com isso. Escolhia-se esperar o amadurecimento sexual, a fase do estirão do crescimento para depois operar. Hoje a gente tem vários estudos mostrando que isso é impactado negativamente pela obesidade e positivamente pela cirurgia. Por exemplo, eu tenho estudos que mostram que o indivíduo que é operado na adolescência porque eu não posso comparar um indivíduo obeso mórbido com um magro, é preciso comparar um indivíduo que fez a cirurgia e outro que não fez  tem uma taxa de crescimento em estatura maior do que o indivíduo que não opera. Você tira a carga da obesidade de cima dele, então ele cresce mais, uma média de um centímetro a mais por ano do que o não operado. O desenvolvimento sexual secundário, a puberdade não são impactados pela cirurgia. O que impacta é o desenvolvimento emocional, a gente vê um resgate da sociabilidade desses indivíduos, porque eles sofrem muito. Tem adolescentes que deixam de ir à escola, isolam-se socialmente. Com relação à idade, eu tenho pacientes operados a partir dos 14 anos de idade. Meu paciente mais jovem tinha 14 anos incompletos. A legislação do Conselho Federal de Medicina (CFM) tem uma portaria que determina que deve ser a partir dos 16 anos. Na minha opinião, isso é totalmente equivocado. Indivíduos mais jovens com grau muito grande de obesidade não têm que esperar. Eu opero a partir dos 14 anos, mas tem cirurgiões no mundo - existe um grupo que foca mais em cirurgias em adolescentes, do qual faço parte - que operam crianças mais jovens. Existe um cirurgião na Arábia Saudita que opera por volta dos cinco anos de idade. Claro que são situações muito extremas. O ideal é que não tivesse chegado ali, mas se chega a um grau muito grande de obesidade, a cirurgia é a melhor opção.

 

Essa resolução do CFM está relacionada a essa questão da puberdade?

A resolução do conselho é feita a partir de uma câmara técnica que decidiu aleatoriamente, baseada em nada, sem nenhum dado objetivo. Formalmente, no Brasil, a gente deve operar acima dos 16 anos. A maior parte dos meus pacientes são de idade acima dos 16. Essa resolução foi posterior à cirurgia do meu paciente de 14 anos.

 

Algumas pesquisas sugerem benefícios na realização da cirurgia bariátrica em adolescentes, em comparação ao procedimento em adultos. Quais são os benefícios observados?

Na verdade, os benefícios emocionais são maiores. Não é que seja melhor em adolescentes do que em adultos. O adolescente está em uma fase de vida muito peculiar, quando ele está construindo toda a base de sua personalidade, estrutura social, autoestima, encontrando seus espaços... Se ele passa aquele período com obesidade mórbida, a probabilidade de um impacto negativo na formação de sua personalidade é maior. A pessoa retarda uma cirurgia, mas tudo que se passou naquela fase está perdido. É diferente de um adulto que, se operar um ano ou dois a mais, não faz tanta diferença assim. O adolescente está em uma fase de vida muito significativa.

 

Com relação ao pré e pós-operatório, as pessoas mais jovens precisam de algum cuidado especial?

A gente tem algumas peculiaridades. É preciso pensar que o adolescente tem maior expectativa de vida do que um indivíduo de 50 anos, por exemplo. O meu procedimento tem que prever isso, então precisa ter maior durabilidade de efeito. É importante que preveja também um maior impacto nutricional a longo prazo. Além disso, é preciso também trabalhar com a peculiaridade do adolescente, que é um indivíduo mais arredio, menos adepto a ir a consultas médicas, menos cumpridor de obrigações... No pré-operatório, o mais importante é o fortalecimento dos laços com a equipe multidisciplinar, que é formada por nutricionista, psicólogo e outros profissionais. A gente tenta fortalecer muito esse vínculo e a conscientização de que ele vai precisar de suplementos vitamínicos - embora nem todo mundo use -, acompanhamento médico para toda a vida, necessidade do acompanhamento laboratorial intermitente e mudar os hábitos de vida. No pós-operatório, é necessária busca ativa. Eles não voltam espontaneamente. Até voltam nos primeiros anos, mas depois fica mais difícil. De tempos em tempos, eu preciso acionar todo um mecanismo para buscar isso deles.


 

A taxa de reincidência da obesidade é maior ou menor no caso de pessoas mais jovens?

Essa é uma doença crônica, como diabetes e hipertensão. Se você não mantiver o foco no tratamento, existe a perspectiva de voltar realmente. Felizmente, no adolescente, essa taxa é bem menor do que na população geral, que também não é uma taxa grande. Eu diria que em torno de 20% desses pacientes têm um reganho de peso significativo, o que é um número muito baixo. Ter 80% de sucesso em uma doença tão difícil de tratar quanto a obesidade mórbida é realmente um número muito bom e olha que eu tenho pacientes com mais de 15 anos de cirurgia e acompanho realmente de perto. Não tem bicho de sete cabeças, é um procedimento muito seguro. Quanto mais jovens, mais saudáveis, então mais seguro é. Eu gosto de enfatizar que, às vezes, há muito medo de um procedimento pela possibilidade de perda de alguma coisa, quando na verdade está se perdendo por não fazer nada. Em todo o mundo, a cirurgia praticamente não tem mortalidade, apesar de sempre haver um risco. Temos também uma taxa de complicações muito pequena. Com relação a consequências ruins a longo prazo, a principal é anemia, devido ao déficit na absorção de ferro e falha na suplementação oral, mas é uma coisa muito pequena se comparada ao ganho que eles têm.

 

O paciente que passa pela cirurgia bariátrica muitas vezes precisa também de tratamento psicológico para deixar o comportamento que tinha quando era gordo. Com relação aos jovens, isso é mais simples, já que ele passou menos tempo de vida com aqueles hábitos?

Claro que existem gatilhos psicológicos e emocionais, isso ocorre em todo mundo e um pouco mais intensamente no obeso. No entanto, a cirurgia funciona com mecanismos fisiológicos e biológicos, não tão emocionais. Existem hormônios que se alteram devido às modificações no aparelho digestivo, independente da quantidade que cabe. Tenho hormônios que fazem com que eu tenha menos fome, outros fazem com que eu me sacie com mais facilidade. Tenho mudança na percepção dos alimentos, no paladar. Isso tudo é muito intenso no início e perde um pouco de força com o passar dos anos, mas nunca desaparece. A questão de "pensar como gordo" é porque existem subgrupos. A maioria dos pacientes não tem esse "pensamento de gordo". Alguns têm uma compulsão maior, um lado de adicção com relação à comida. Essas pessoas precisam trabalhar isso psicologicamente. A maioria das pessoas são obesas porque foram comendo e, em um dado momento, a cirurgia entrou e regulou aquele metabolismo. Para essas pessoas, se elas apenas aprenderem a escolher um pouco melhor os alimentos e introduzirem atividade física, é suficiente. Outras vão precisar trabalhar mais a questão emocional. Eu diria que o jovem, quanto menos tempo permanecer obeso, mais fácil é tratar, adquirir novos hábitos. Talvez isso reflita os resultados um pouco melhores nos adolescentes.